“Outra” maternidade

11/05/2008
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Maternidades há que não crescem no ventre mas no coração. Maternidades existem que não têm processo de gestação de nove meses, mas de muito mais (ou muito menos) tempo. Maternidades essas que não passam pelo "bios", mas não deixam de tomar a corporeidade inteira, a existência toda, a vida em sua totalidade.

No Dia das Mães, muitas mulheres serão homenageadas por aqueles e aquelas que um dia levaram em seu útero, pariram com mais ou menos dor, amamentaram com ternura e prazer, vestiram, cuidaram e que crescem e se desenvolvem diante de seus olhos. Outras chorarão olhando as fotos dos filhos e filhas que se foram, mortos prematuramente em acidentes, vítimas da violência, desaparecidos no trajeto da bala perdida, do atropelamento irresponsável resultante da bebedeira tresloucada, assassinados fria e premeditadamente por vingança, ciúme, paixão desviada. Outras ainda contemplarão seus filhos já adultos e que se tornaram mães e pais por sua vez. Receberão os beijos dos netos e no quartel final da vida olharão a colheita de frutos dourados e saborosos que se espraia à sua frente.

Neste Dia das Mães, no entanto, quero homenagear "outras" mulheres. As que são mães, sim, e como! ainda que nunca o tenham sido em termos biológicos. As que escolheram "outra" maternidade, de gestação diversa mas não menos plena, feita de entrega, oblatividade sem retorno e retribuição direta. As que renunciaram a constituir família para poder acolher em seu corpo feito para a fecundidade todo e qualquer um que se apresentasse necessitado de justiça, de socorro, de serviço e de carinho.

Há muitas mulheres assim, mães plenamente sem nunca haver engravidado ou parido. Mães de filhos tão múltiplos e plurais quanto as estrelas do céu e as areias do mar, herdeiras da promessa feita por Deus a Abraão, o pai da fé, que nem um filho tinha ao ouvir perplexo o impossível anúncio divino. Mães daqueles que nunca tiveram nem terão mãe, e cujo único abrigo é a rua, ou a estrada, ou o prostíbulo, ou o tráfico. Assistentes sociais, líderes comunitárias, religiosas, mulheres plenas e cheias da vida que derramam em abundância com seu corpo fecundado pelo Espírito e não pelo desejo do varão. E que alimentam aqueles que nada têm para comer com sua presença túrgida como um seio cheio do leite que se chama amor e misericórdia.

Neste Dia das Mães, a figura que se me apresenta para ser homenageada é uma americana de cabeça branca, sorriso de criança e olhar bondoso, que deixou seu país rico e sua família querida para vir enterrar-se como grão de trigo na terra maltratada dos confins do Pará. Dorothy Stang é seu nome, e diante deste nome pronunciado somos todos convidados a baixar a cabeça em reverência à maternidade desta mulher que viveu a plenitude da entrega ao povo que escolheu como seu e teve seu sangue bebido pela terra que amava.

É triste que no Dia das Mães tenhamos que celebrar a vida fecunda e a maternidade gloriosa de Dorothy Stang ouvindo a terrível notícia de que um de seus assassinos foi absolvido. Livre, ele circula pelas ruas e volta à sua casa, enquanto o executor do crime que ordenou é condenado. A impunidade que corrói como verme a justiça brasileira uma vez mais choca a opinião pública e deixa de luto a sociedade e a Igreja.

E, no entanto, apesar da indignação e do luto, é preciso celebrar e muito Dorothy Stang e suas companheiras, que um dia ouviram um chamado para viver esse outro tipo de maternidade, que não passa somente pelo "bios", mas implica igualmente, e mais, entrega, doação e amor em plenitude. Maternidades há que são fruto do Espírito que não cessa de habitar e fecundar a carne humana. Neste Dia das Mães, celebremos as mulheres que, como Dorothy Stang, tiveram a imensa e alegre coragem de vivê-la.

- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "Deus amor: graça que habita em nós" (Editora Paulinas), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/127495
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