Os filhos de nossos filhos

14/05/2007
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Na madrugada fria de São Paulo, no último dia 25 de abril, levantei-me às 5h da manhã. Cruzei toda a cidade milagrosamente vazia e ainda despovoada do ritmo alucinante de seu cotidiano. Ao entrar na maternidade, enquanto procurava o quarto, olhei o berçário, vi e acreditei que era você. Não me enganei. Mexendo as perninhas e a cabecinha de um lado para o outro, redondinha e cor de rosa, te reconheci entre todos e todas. Para mim, o mundo voltava a começar. Era o dia da Nova Criação.

Neste Dia das Mães, não tenho outro assunto senão você, Maria Carolina - Carolzinha querida -, que veio alegrar nossos dias e noites. Você, de cujo rostinho estamos todos pendentes e encantados. Você, cujo ritmo do corpo vigiamos, entre carinhosos e ansiosos. Você, que com apenas horas de nascida procurou o seio materno para alimentar-se com maestria e destreza, como se nunca tivesse feito outra coisa antes. E, agora, mama e dorme, dorme e mama, dando ronquinhos e gemidinhos de prazer ao ser alimentada por sua mãe. Você que, uma vez a fome saciada, recosta a cabecinha em seu peito e dorme e sonha como uma bem-aventurada.

Sua única ocupação é essa por enquanto: viver, crescer e ser amada. Muito amada. Toda uma família, mais uma quantidade de amigos, amigas e parentes estão pendentes do seu suspiro, seu apetite, suas funções vitais. E quando seu chorinho ressoa, mansinho ou irritadamente faminto, precipitamo-nos todos para ver o que acontece. Para atender você, adivinhar os desejos que sua boquinha ainda não pode expressar e que devemos ler apenas com o coração repleto de amor: eis nossa única e prazerosa ocupação neste momento.

Você não pode produzir nada, dar-nos nada, a não ser você mesma. Mas em fazendo assim, de quanto nos salva, nos redime! Que sentido imenso e profundo dá a nossas vidas! Você, neste momento, é nosso testemunho mais eloqüente do milagre da vida. Contemplando você, criaturinha recém-saída do segredo do útero para respirar o ar do mundo conturbado e perigoso, vemos toda a seqüência da maternidade, da filiação, da procriação. A natureza canta, em festa. Nasceu Carol, fruto bendito do ventre de uma mulher. Deus falou de novo, eloqüentemente, definitivamente através de você. Realizou novamente de forma excelente e misteriosa aquilo que o define em si mesmo: a vida.

É tão fácil olhar para você e sentir profundamente que Deus é amor e é o Deus da vida! Se não fosse o amor entre seus pais, você não existiria. Se não fosse a força da vida que busca expressar-se e mostrar-se, não teria havido o encontro dos corpos que faria eclodir o processo de nove meses que hoje encontra seu belo e maduro fruto em sua pessoinha inocente e linda. Mas se Deus não tivesse desejado e amado o mundo e a humanidade, não existiria nem sequer a possibilidade de tudo isso que é a maravilha da vida.

Por isso meu presente de Dia das Mães hoje é você, Carol. Você, que fez de mim algo que jamais tinha sido: mãe de outra mãe. Avó, dizem entre benevolentes e algo irônicos os que constatam minha emoção ao viver essa inusitada experiência. Avó é muito mais que uma figura carinhosa e anciã que faz a vontade dos netos. É algo muito mais sério. É a comprovação da cadeia milenar que desde que o mundo é mundo presenteia o cosmos com novos frutos da mais bela criação de Deus: o ser humano. É a testemunha fiel da bênção bíblica que ordena que tudo que há de bom e de belo na tradição do povo eleito seja ensinado “aos filhos de teus filhos”. Que, ao querer perpetuar a experiência de um dom recebido e de uma graça alcançada, deseja que ela se prolongue “aos filhos de teus filhos”.

Neste Dia das Mães, só posso cantar de gratidão porque o Senhor me deu a graça imensa de ver a filha de minha filha. E desejar a todas as mães que também vivam um dia a beleza de ver o fruto de seu ventre dar fruto por sua vez. Através de Carol, o Criador me diz que estou viva. E que seu nome é santo para sempre.

- Maria Clara Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/121093
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