Análise de Conjuntura – maio 2004

24/05/2004
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- Texto de estudo apresentado ao CONSEP em 25 de maio de 2004 – — Não é documento oficial da CNBB — Apresentação Esta Análise, um pouco mais longa do que a habitual, tem 4 temas focais: assuntos da conjuntura mundial que raramente aparecem na grande mídia, uma crítica à política econômica e seu impacto na relação Sociedade e Estado, a rearticulação do quadro democrático-popular e uma apreciação de temas em pauta no Congresso. 1 . Mudanças "invisíveis" no mundo atual A mídia seleciona as notícias que chegarão a nós, e é normal que assim seja, pois não poderíamos acompanhar tudo que se passa no mundo. Os critérios de seleção, porém, não são explicitados. Em geral, notícias sobre guerras, catástrofes e mudanças políticas recebem destaque, enquanto outras, que refletem mudanças mais processuais, raramente aparecem no noticiário. Por isso, tomamos aqui três notícias relevantes que, por falta de espetacularidade, pouco aparecem na grande mídia. A reunificação da Europa A palavra "reunificação" é mais apropriada que o termo "alargamento". Acolhendo 10 novos membros, a União Européia reintegra essa parte de si mesma 'seqüestrada' durante a guerra fria. O 1º de maio, data da reunificação, foi uma vitória sobre a divisão e uma promessa de reconciliação, paz e solidariedade. A Europa ocidental reencontra a Europa central e oriental. Para ser ela mesma, a Europa precisava respirar com seus dois pulmões. O primeiro tratado da construção européia foi assinado em maio de 1950. No começo, eram 6 países. Outros se juntaram; nenhum saiu. É que a União funciona como uma federação de Estados Nações. Respeita-se a soberania de cada país, e estes delegam parte de sua soberania à União. Foram mais de 50 anos de negociação contínua para ampliar e aprofundar a integração. Neste processo de avanços e recuos os países da União se tornaram mais abertos, parceiros e prósperos: 15 países, agora 25, aceitaram livremente articular seus destinos. Mas a reunificação carrega desafios imensos, riscos reais para o futuro da União. Ela é muito mais que um projeto econômico (mercado) ou financeiro (moeda). Ela é um projeto também político, social e ético, cuja integração é mais complexa e lenta que o já conseguido até agora. Alguns consideram que a União deve se limitar à integração econômica e financeira, enquanto outros querem prosseguir o projeto inicial dos "pais fundadores" (Robert Schuman, Konrad Adenauer e Alcides de Gasperi, aliás três cristãos convictos). O desafio maior será o do poder de decisão. Se era difícil chegar a acordos entre quinze; muito mais o será entre vinte cinco. As diferenças econômicas e sociais são agora bem maiores, e os fundos de solidariedade para ajudar os mais pobres são menores. Gigante comercial, a União ainda é um anão político. O seu peso internacional é mínimo. Vários países não querem se engajar numa política externa e de defesa comum. No entanto, a Europa tem um conjunto de valores tradicionais ricos. O Tratado Constitucional em discussão (peça central para seu futuro), não conseguiu avançar no campo da política externa. A União é bastante liberal no seu funcionamento interno. Um dos seus pilares é a livre circulação dos capitais, dos bens, dos serviços e também das pessoas. Desafortunadamente, aberta para dentro, a União européia parece ser uma fortaleza de países privilegiados bem pouco preocupados em estabelecer uma verdadeira parceria com os países do Sul. A União Européia representa a mais avançada experiência de integração regional, permitindo seus membros defender sua identidade, seus valores, sua influência internacional e seus interesses comuns. Pode-se aplicar sua experiência à América Latina? Aqui, a situação é complexa, pois os EUA controlam o conjunto da região e a consideram como o seu quintal (proposta da ALCA). O Mercosul, ampliado, poderia representar um início de integração regional. Existem condições favoráveis; ainda faltam muitas vezes a audácia e a vontade política. África abandonada; até quando? A África raramente aparece em nossa análise de conjuntura. Falamos dela em novembro de 2003, por causa da viagem de Lula. É uma região marginalizada. Não pesa nada. Só as catástrofes interessam a opinião pública: guerras civis e pandemia de Aids. A África está no centro duma globalização desigual. Depois da independência, a soberania dos jovens Estados era muito frágil. A atuação das multinacionais e as políticas forçadas de ajustamento estrutural acabaram de destruir o pouco que sobrava de poder público em alguns países. O marco neoliberal impôs privatizações selvagens, num programa de ajustes incoerentes e drásticos. A exploração da mão de obra é vergonhosa; os preços das matérias primas são derrisórios e os contratos comerciais desvantajosos. A explosão das dívidas bloqueia qualquer desenvolvimento. Isso, sem mencionar as ambições e a falta de visão política a longo prazo de seus dirigentes, a corrupção dos pequenos e grandes funcionários e o tráfico de armas, além de outros males que atormentam o continente. O PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) menciona uma degradação sem precedente dos indicadores do desenvolvimento humano. Todos os PIBs se deterioraram. O crescimento baixou de 3,5% em média no ano 1975 para 2% em média no ano 2.000. A Aids, que em alguns lugares atinge 35% dos adultos, dizima as populações. Em muitos países a esperança de vida diminuiu 20 anos. Golpes de estado e guerras civis, com a participação de grupos estrangeiros, se multiplicam. A situação é tão instável que é difícil entender. Apenas na África ocidental no último ano, houve golpes de Estado na Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe; levante militar em Burquina Faso e Mauritânia; derrubada de Charles Taylor na Libéria e perturbação política no Senegal e Costa de Marfim. A situação não é melhor noutras regiões: o continente todo sofre uma grave desestabilização política e social devida à globalização. Muitas vezes, os conflitos étnicos correspondem aos interesses de Estados estrangeiros ou de multinacionais. A exploração do petróleo, do ouro, do diamante e outras riquezas naturais traz enormes lucros para as companhias, não traz benefícios para a maioria das populações. A ONG inglesa Global Witness publicou recentemente um relatório detalhado mostrando que o subsolo se transforma em maldição para a população da República do Congo, Angola e Guiné Equatorial. Imensa quantidade de dinheiro, que deveria ir para os cofres públicos, vai para os bolsos de uns poucos. A ONG pede "transparência" e desafia as Companhias petrolíferas: "publiquem o que pagam!". A desestabilização dos Estados africanos se inscreve na lógica duma ordem mundial desigual, que desacredita a coisa pública. O Haiti sem rumo, nem soberania. Um dos países mais pobres do mundo, com um PIB per capita de menos de um dólar; alta densidade populacional (8 milhões de pessoas num pequeno território, 80% delas iletradas), o Haiti parece condenado à infelicidade desde sua independência. O dia 1º de janeiro de 2004 celebrou o bicentenário de sua independência; pouco depois o país mergulhava de novo no caos. De um lado, o poder totalmente desacreditado de Jean-Bertrand Aristide, do outro, uma rebelião armada associada a oficiais do ex-ditador Raoul Cedras, que derrubou Aristide em 1991. Pilhagens e violência se estendiam. Para evitar maior banho de sangue, os EUA, a França e o Canadá abandonaram o presidente eleito, forçado a renunciar, e colocaram um governo provisório. Uma grande esperança acompanhou a primeira eleição de Aristide em 1990. Exilado em 1991, foi reempossado pelos EUA em 1994. Foi reeleito presidente em 2.000. Mas o país todo está minado pelo narcotráfico (o Haiti é uma plataforma de transferência da droga entre a Colômbia e os EUA), corrupção, autoritarismo, violência de agentes das cruéis ditaduras que assolaram o país durante mais de 40 anos, falta total de recursos, e pela incapacidade de seus dirigentes políticos. Já em 2002 e 2003 houve manifestações contra o presidente Aristide e seu partido (com maneiras de atuar bem pouco democráticas); a oposição política, de linha social-democrata, pedia sua renúncia. Líderes rebeldes esperavam do outro lado da fronteira a oportunidade para intervir e restabelecer à força seus interesses. Durante 40 anos, nem os EUA nem a França intervieram contra as ditaduras da família Duvalier, que protegia os interesses estrangeiros. O país todo se descompunha aos poucos. E não ajudaram Aristide a sair do marasmo político, econômico e social, pois o presidente se opunha à privatização de empresas de serviços públicos. Aliás, a preparação desta foi 'recomendada' como prioridade ao governo provisório. O novo governo que será indicado pelos três (EUA, França e Canadá) e "democraticamente eleito" em 2004 ou 2005, deverá realizar esta tarefa. A não-intervenção frente à rebelião visava também prevenir um êxodo massivo dos haitianos para os EUA. A partir de junho, um grupo de 4.000 homens (1.200 brasileiros) sob o controle da ONU deverá atuar para reforçar a segurança e tranqüilidade no país e criar um clima propício para as eleições. Se essas forças de paz não forem apenas defender interesses estrangeiros, mas contribuir para tirar o Haiti dos tormentos aos quais parece condenado, tal intervenção militar poderá justificar-se. Toda ajuda externa, desde que em favor do povo haitiano, pode criar uma nova esperança. 2 . O "endividamento sustentável" e vôo do besouro: é possível crescer? O governo vem apresentando dados para alimentar a esperança de crescimento econômico. Material disponibilizado pelo governo, entrevistas e discursos do ministro Palocci, procuram explicar que se busca um "crescimento sustentável", num ciclo de longa duração, e não apenas "bolhas" de crescimento, que, como explicamos em análise anterior, são o efeito de um reajuste na economia e não duram mais do que um ou dois anos. O Presidente Lula tem dito que seu ministro da Fazenda é extremamente claro e lógico em suas explicações. Uma análise acurada dos dados apresentados, porém, coloca em evidência antes uma macroeconomia voltada para o "endividamento sustentável", isto é, uma convivência harmoniosa entre o Estado e seus credores, internos e externos. Para o equilíbrio das contas externas, o horizonte da política econômica vigente é o apoio incondicional ao agronegócio (novo nome para o antigo motor de crescimento da República Velha - "Brasil, país essencialmente agrícola"). Acoplado ao "endividamento sustentável", o agronegócio garante aos credores externos que não faltará ao Tesouro divisas para honrar as dívidas em moedas fortes . O "endividamento sustentável" se concretiza a partir de 3 condições básicas: o alongamento do perfil da dívida, a diminuição da parcela da dívida interna denominada em dólar e da porção pública da dívida externa, e a redução dos juros da dívida externa. Essas diversas frentes funcionam como parâmetros do "sucesso" da política, que, em última análise, busca domar a dívida e conviver equilibradamente com ela. O tripé de sustentação dessa política é, como já se disse outras vezes: a) substancial superávit primário para demonstrar o esforço em vista ao pagamento dos juros; b) inflação sob controle; e c) juros nominais elevados, para freiar a inflação e seduzir capitais externos. Seus resultados, no primeiro trimestre deste ano, deixam a desejar. Apesar do superávit primário de 5,4% do PIB (R$ 20,5 bilhões), o controle da inflação por meio dos juros altos provoca recessão e só atrái capitais especulativos. Ou seja, vai ficando evidente que, nas condições vigentes, não há como sustentar nem mesmo o endividamento. Assim, diminui a aprovação ao governo Lula, de quem se esperava medidas para fomentar o crescimento e criar empregos, mudando a lógica que privilegia os credores e priorizando o resgate das dívidas sociais, isto é, em saúde, educação, transporte, previdência e habitação. Ao assumir a teoria "monetarista" que determina o que a equipe econômica (Banco Central, Ministério da Fazenda e do Planejamento) pode ou não fazer, o governo Lula fica impedido de resgatar aquela dívida social. O aumento ridículo do salário mínimo e a manutenção da taxa de juros a 16%, para remunerar dinheiro parado no over night, são uma dolorosa conseqüência do rigoroso cumprimento dos postulados daquela teoria. É inevitável reconhecer que o Brasil atravessa a pior crise social de sua história republicana, determinada por índices sem precedentes de desemprego, subemprego e marginalização social, causados pela política fiscal e monetária agora intensificada. As taxas de desemprego e subemprego, combinadas, chegam a 26 ou 27% da força de trabalho. Este nível só é comparável ao das economias industriais durante a "grande depressão" de 1929-30, às vésperas do fascismo europeu e do new deal nos EUA. Para enfrentar essa crise, economistas estão propondo uma política econômica cujo eixo estruturante seja a promoção do pleno emprego, adaptando para nossa realidade as lições do new deal e do welfare state, teorizadas por Keynnes. Será possível uma mudança de tal porte na política macroeconômica? As experiências da China e da Índia, países de dimensões continentais que vêm crescendo há anos, com superávites comerciais que lhes permitem crescimento sustentado sem estarem estrangulados por dívidas, mostram que os padrões doutrinários do FMI podem ser contrariados com sucesso. Resposta aparentemente óbvia, mas derrotista, seria "tudo bem, não devíamos ter seguido Collor e Zélia neste caminho, mas agora que entramos, não há como sair. O jeito é tomar o remédio amargo". Sabendo que o caminho do crescimento e do emprego é incompatível com as condições atuais de pagamento das dívidas, Lula busca na articulação com outros países emergentes um apoio para aumentar o livre comércio, quebrando as barreiras que hoje controlam o mercado globalizado. A recente viagem à China permite visualizar um cenário de retomada do crescimento, por meio do comércio exterior. O otimista pode ver aí o caminho de redenção do Governo Lula. Outra experiência é a da Argentina, que esteve em situação pior do que a nossa, com o agravante de ter um governo eleito com muito menor legitimidade que o nosso. Não falamos de legalidade jurídica, mas de legitimidade, ou seja, apoio social e reconhecimento político. Pois Kirchner, com o apoio da sociedade, conseguiu negociar politicamente uma moratória que desafogou a economia e abriu condições favoráveis ao crescimento da economia. É verdade, a Argentina tinha mão de obra e equipamentos parados, o que torna possível um crescimento inicial mais rápido e por isto mesmo, dá margem ao temor de que este crescimento não persista, ou não mantenha o mesmo ritmo. A crise energética, que já se anuncia, mostra que são necessários investimentos para aumentar a capacidade produtiva e assegurar a continuidade do crescimento. Em todo o caso, a Argentina voltou a crescer, com emprego em alta e inflação em queda. Como o besouro que, se seguisse os princípios da aerodinâmica, não voaria. 3 . A articulação do quadro democrático-popular e sua influência no Estado. A política econômica do governo Lula o está distanciando dos setores da sociedade que o levaram ao poder. Se num primeiro momento aceitaram pagar seu alto custo social e econômico para evitar uma crise pior, hoje cresce o número dos que afirmam já ser a crise atual pior do que a crise financeira que uma mudança de rumos acarretaria. Suas duas principais bandeiras são a política de pleno emprego e a auditoria da dívida pública. A primeira, propõe substancial redução do superávit primário e da taxa de juros, combinada com investimento massiço em setores geradores de emprego, de modo a relançar o crescimento econômico com inflação baixa e máximo aproveitamento dos recursos do mercado interno. A segunda, quer tornar efetivo o art. 26 das Disposições Transitórias da Constituição, afirmando que tal medida certamente cancelaria muitas dívidas irregulares ou ilegítimas, diminuindo assim os gastos com o serviço da dívida pública. Combinada com a baixa de juros, o Brasil aumentaria muito seus gastos sociais e investimentos públicos, sem ser obrigado a decretar uma moratória unilateral. Uma bandeira não se opõe à outra; divergem apenas quanto à melhor estratégia para mudar os rumos da economia. Essa mudança vem sendo defendida pela intelectualidade ligada aos movimentos sociais, mas percebe-se que eles não sabem como tornar efetiva a sua proposta. O governo Lula, por suas próprias forças, certamente não terá condições de imprimir essa mudança de rumo. Só tendo a certeza de contar com um forte apoio da sociedade brasileira, Lula poderá tomar tal decisão, que coloca em risco seu futuro político. Como levar ao governo esse apoio? Este é um dado novo da conjuntura; merece, pois, que nos debrucemos sobre ele. Nos Estados de democracia representativa, como o brasileiro, cabe aos Partidos políticos a mediação entre a Sociedade civil e o Estado. Essa mediação é necessária porque a lógica do Estado não é a lógica da Sociedade. O agir do Estado tem caráter obrigatório (impõe impostos, ordena gastos e atua por ofício mediante servidores públicos), enquanto o agir da Sociedade tem caráter voluntário (só tem o poder de motivar e mobilizar as pessoas). É por meio dos partidos que a sociedade escolhe quem, em nome dela, tomará as decisões no âmbito dos Poderes Legislativo e Executivo. Foi justamente por não reconhecer nos partidos oriundos do regime militar, canais adequados para sua representação política, que os Movimentos Sociais fundaram o PT. Diferentemente de outros partidos de esquerda, cuja tradição leninista tornava os Movimentos e organizações sociais uma "correia de transmissão" do partido, o PT nasceu da relação dialética entre os dois pólos. Ambos têm a mesma inspiração e utopia, mas atuam em campos diferentes: os movimentos sociais lutam na sociedade civil por uma causa específica, ao Partido compete, na esfera política, exercer o poder de Estado. Enquanto os Movimentos Sociais fazem mobilização popular, o Partido político leva a questão para o âmbito parlamentar ou Executivo. Esta mediação foi crucial para o êxito da Constituição cidadã de 1988: os movimentos mobilizavam a sociedade em defesa de seus direitos, enquanto os partidos do quadro democrático-popular (embora em minoria no Congresso) os inscreviam na Carta Magna. Chegando à Presidência da República, o PT traz consigo aquele projeto político oriundo dos Movimentos Sociais, mas, ao assumir a lógica do Estado, torna-se partido do governo e distancia-se da Sociedade. Com isso, os Movimentos sociais perdem o seu canal de representação perante o Estado. Neste impasse estamos hoje. O quadro democrático-popular articulado desde a campanha das Diretas, foi desarticulado nos anos 90 e agora perdeu seus principais canais de expressão no âmbito do Estado. Continua atuando, como força de pressão da sociedade, mas sua força é apenas de pressão moral, por falta de Partidos que o representem. Alguns dirão, com razão, que a força moral é mais forte que qualquer outra, mas por si só ela é incapaz de modificar as normas legais. O que pode fazer a sociedade, se o Congresso decide, por exemplo, abrandar a lei 9840 para facilitar a impunidade por corrupção eleitoral, aumentar o número de vereadores, ou liberar os jogos de azar? O que pode a sociedade fazer, se o Executivo se recusar a homologar a Terra Indígena Raposa-Serra do Sol como área contínua? Nesse contexto de rearticulação do quadro democrático- popular, a 4ª Semana Social Brasileira é um espaço importante, por propiciar o encontro de igrejas, movimentos, entidades e organizações muito diversas. Seu lema é justamente "Mutirão por um novo Brasil", e sua função primeira é juntar forças aparentemente difusas e confusas. É o que diz, aliás, seu tema central: articulação das forças sociais participando na construção do Brasil que queremos. Mobilizar estas forças e potencializar seu significado político é um dos grandes desafios que a difícil situação do país nos apresenta. Por ser um espaço de discussão política aberto e plural e não partidário, a 4ª SSB pode ajudar a superar a perplexidade dos grupos de esquerda. Em diversos pontos do país, as discussões em torno à Semana Social ajudam seus militantes e lideranças a fazer uma crítica mais fundamentada e amadurecida, e a passar a ações mais conseqüentes. Está claro que não existe salvador da pátria e que as mudanças não dependem apenas de vontade política. Mas neste momento crítico, é necessário avaliar com lucidez o personalismo e o voluntarismo tão presentes em nossa cultura política. Isso talvez possibilite redirecionar os métodos, estratégias e horizontes das práticas sociais e políticas, especialmente entre os cristãos, cujas práticas seguem mais o moralismo voluntarioso do que uma avaliação correta das possibilidades e da correlação de forças em jogo no cenário político. Em conseqüência dessa avaliação, e mais conscientes do risco de uma nova onda salvacionista, os movimentos sociais partem para sua função específica que é conscientizar, organizar e mobilizar as massas. A tendência é voltar às lutas de reivindicação, sem receio de melindrar o "companheiro Lula". Também aqui, a Argentina nos dá lições como a das "Mães da Praça de maio", entidade-símbolo da resistência. Certamente, mais do que a ação do Presidente Kirchner à frente do Estado, está contribuindo para reerguer a Argentina a ação dos movimentos sociais no quadro da Sociedade. Desafio urgente é repensar o Estado, em vista de colocá-lo a serviço do interesse público, libertando-o da blindagem que lhe foi imposta pelos interesses privados dos grupos dominantes. Nesta perspectiva, as eleições deste ano poderão fazer do município um laboratório de renovação política. 4 . Informações sobre Projetos em destaque no Congresso Nacional: 1. Confisco de terra em caso de trabalho escravo A comissão especial da Câmara aprovou, por unanimidade, o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que prevê o confisco da terra onde for constatada a exploração de trabalho escravo. O relator, deputado Tarcísio Zimmermann, acatou uma emenda da bancada ruralista que permite também o confisco de imóveis urbanos onde houver exploração de mão de obra escrava. Pelo texto aprovado, as terras serão expropriadas sem qualquer indenização e serão destinadas preferencialmente para a reforma agrária. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Bussato, declarou que a aprovação da PEC do trabalho escravo "é um presente à sociedade brasileira às vésperas do Dia da Abolição da Escravatura", 13 de maio. Se aprovada, no plenário da Câmara, a parte relativa ao trabalho escravo rural já poderá ser promulgada. O dispositivo que trata da questão nas cidades será remetida ao Senado para nova deliberação 2. Critérios para definir o número de vereadores Os deputados aprovaram no dia 12.05, em primeiro turno, as emendas constitucionais que alteram critérios para a composição das Câmaras Municipais. Uma das alterações é a redução de 09 para 07 o número mínimo de vereadores. Com isso, cairá o número total de vereadores de 60.311 para 55.138 mil vereadores. Pelo texto aprovado, o número de vereadores vai oscilar entre sete - para cidades com até sete mil habitantes - e 55 vereadores, para cidades com mais de 10 milhões de habitantes. O ideal, segundo o relator, é que a lei esteja promulgada até o dia 10 de junho, data em que começam as convenções partidárias. Nem todos os deputados/as, no entanto, estão de acordo com o Projeto. Um grupo de Deputados o contesta numa Declaração de Voto, preferindo "a decisão do TSE, que tinha fixado o número geral de vereadores em 51.636 para todo país - número a nosso ver, legítimo e razoável . A matéria, portanto, merece ser analisada com mais calma e profundidade. Nossa esperança é que o Senado não cometa o grande equívoco de elevar ainda mais essa representação. Nas democracias substantivas de alta intensidade, quantidade não quer dizer, necessariamente, qualidade". 3 . Rejeição da Medida Provisória dos Bingos Com 32 votos contrários, 31 favoráveis e três abstenções, o Plenário do Senado rejeitou a Medida Provisória que proibia os bingos e jogos eletrônicos no país. Pelo que se pode acompanhar, a derrubada da MP é fruto tanto da desarticulação da base governista como da contestação da oposição ao caso Waldomiro (expectativa ainda de uma CPI) e, ainda, muitos interesses financeiros em jogo. Nem o governo nem a oposição querem assumir a paternidade da derrubada da MP, por causa da péssima imagem dos bingos, suspeitos de narcotráfico e lavagem de dinheiro. A solução pode ser um novo projeto de lei. Enquanto isto, as casas de bingos são reabertas, de forma escancarada, e os casos julgados no âmbito do judiciário. 4 . A Lei 9. 840/99 está ameaçada A preocupação das entidades da sociedade civil com a moralidade pública, sob a liderança da CNBB e da OAB, moveu montanhas para garantir a conquista da Lei 9840 contra a corrupção eleitoral. Essa Lei tem o objetivo de contribuir para a lisura das eleições. Mais de um milhão de eleitores a referendaram com sua assinatura. Mas um projeto de lei do Senador César Borges (PFL-BA), com o apoio de vários colegas, esvaziaria a sua filosofia que cria condições para punir práticas de corrupção eleitoral. O Projeto foi contestado por uma série de iniciativas. Uma carta do Presidente da CNBB ao senador levou-o a responder com uma longa justificativa, mas também a reconhecer ser polêmico o projeto. Uma conversa do presidente da OAB com um grupo de senadores, com a presença de ministros do Superior Tribunal Eleitoral e da CNBB, os convenceu a admitirem uma Audiência Pública. As comissões de Justiça e Paz e outras entidades de todo o país se mobilizaram e contaram com a força dos meios de comunicação. Diante de tudo isto, o Senador César Borges retirou seu Projeto, por sugestão do senador Antônio Carlos Magalhães. Uma batalha foi vencida, mas não a guerra. A cassação do senador Capiberibe ainda está engasgada na garganta de alguns colegas. Outro projeto similar, assinado por vários senadores, está sendo articulado; agora, no entanto, em diálogo com a sociedade civil. Está em marcha um acordo viável, tudo indica. 5. Código de Ética da programação televisiva Este projeto de lei ganha espaço. O seu artigo primeiro reza: "esta lei estabelece o Código de Ética para a Programação Televisiva Brasileira com o objetivo de oferecer aos telespectadores alternativas de informação, cultura e lazer, que consagrem a isenção e a pluralidade, que afirmem a responsabilidade e o interesse público, que respeitem a privacidade e protejam os Direitos Humanos". Este projeto do Código de Ética está fundamentado na experiência da Campanha "quem financia a baixaria é contra a cidadania". O autor do projeto, deputado Orlando Fantazzini, opina que os brasileiros/as querem mudar o perfil dos meios de comunicação . 6. Em favor da descriminação do aborto Volta sempre à Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara (duas vezes neste ano) o projeto de lei que defende a supressão do artigo 124 do Código Penal: "provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque terá pena de detenção de um a três anos". O autor, deputado Roberto Gouveia, embora se pronunciando contrário ao aborto, assim justifica seu projeto: "No Brasil, muitas mulheres, principalmente as mais pobres, após praticar o aborto, são acometidas de infeccões e complicações secundárias. Temendo a prisão, retardam o máximo a procura de socorro. Quando o fazem, inúmeras vezes, ficam mutiladas, perdem o útero, trompas, ovários. Com isso, perdem a possibilidade de procriar ou até mesmo a própria vida". 7. Projetos de Lei sobre as Universidades O anúncio simultâneo do "Programa Universidade para todos - PROUNI" e do "Projeto que reserva vagas das universidades federais para alunos da rede pública" divide as águas do debate sobre a reforma universitária. Apresentados, na quinta-feira 13/05, no bojo do pacote de incentivo ao desenvolvimento econômico e social, os projetos de lei se apresentam como potencial para promover inclusão social, mas esbarram na falta de articulação diante de tantos outros projetos similares aguardando serem ativados no Congresso. Estes Projetos de Lei acabam de chegar ao Legislativo. Muitas águas devem ainda passar por baixo da ponte. As ementas: 1. "Dispõe sobre a Instituição do Programa Universidade para Todos - PROUNI, e dá outras providências"; 2. O outro Projeto de Lei "Institui Sistema Especial de Reserva de Vagas para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas, nas instituições públicas federais de educação superior, e dá outras providências". Os textos dos Projetos foram enviados, como minutas, ao Presidente da República que, por sua vez, os encaminhou ao Congresso Nacional. São acompanhados de cartas assinadas pelos Ministros da Educação e pelos Ministros das áreas afins, apresentando a justificativa. A missiva que apresenta o "Programa Universidade para Todos – PROUNI" insiste que "o Programa visa democratizar o acesso da população de baixa renda ao ensino superior, pois, enquanto os alunos do ensino fundamental e médio estão maioritariamente matriculados em instituições públicas de ensino, o mesmo não acontece com os alunos matriculados no ensino superior, em que apenas 30% dos jovens universitários tem acesso ao ensino gratuito". A carta que fundamenta o Projeto de "Reserva de Vagas" faz uma reflexão mais longa. Alguns trechos: "Desde 1967 o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial da Organização das Nações Unidas. Nesta importante Convenção o Estado brasileiro comprometeu-se a aplicar as ações afirmativas como forma de promoção da igualdade para inclusão de grupos étnicos historicamente excluídos no processo de desenvolvimento social". (...) "Cumpre-nos acrescentar que o presente Projeto de Lei, adotando a política de cotas, o faz de forma racional distribuindo-as pela composição étnico racial das unidades federativas. Ao mesmo tempo, importante salientar a combinação de critérios de inclusão por razões específicas de etnia com critérios universais de renda para acesso ao ensino público superior. Assim também é assegurado o ingresso nas universidades públicas aos estudantes egressos do sistema público de ensino fundamental e médio". (...) "Importante salientar ainda que o processo para construção deste projeto de lei encontra legitimidade social consistente, vez que contou com a participação de reitores representando suas universidades, entidades de classe dos docentes, representação dos estudantes, além de entidades que desenvolvem cursos preparatórios para vestibulares entre negros e carentes no âmbito da sociedade civil". Colaboraram nesta Análise Pe Bernard Lestienne SJ, Antonio Abreu SJ, Ir. Delci Franzen e Pe. José Ernanne Pinheiro * Pedro A. Ribeiro de Oliveira, professor na Universidade Católica de Brasília, Assessor da Comissão Episcopal para o Laicato Para Delfim Netto, a meta é exportar US$110 bilhões e importar US$90 bilhões. Conforme a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), cada parlamentar municipal consome, em média, R$ 76,8 mil por ano. Na atual situação, com o número de 60.311 vereadores, o gasto total é de R$ 4,6 bilhões. A decisão do TSE, com o número de 51.636 vereadores, o gasto baixaria para R$ 3,9 bilhões (uma economia de R$ 658 milhões) - cf. jornal ESP- 09/05/04. A coordenação da Campanha da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara divulgou a lista dos programas mais desrespeitosos dos direitos dos cidadãos. De 13/01 a 7/05 de 2004, a Comissão recebeu 1.612 reclamações. As novelas "Celebridade" e "Kubanacan", da Rede Globo, ocupam o primeiro e o segundo lugares na lista dos programas mais denunciados. O "Programa do Ratinho", exibido pelo SBT, foi classificado em terceiro lugar com denúncias contra a ridicularização da pessoa humana e exibição de apelo sexual; e também contra sua exibição em horário impróprio. Pelos mesmos motivos, os telespectadores consideraram o programa "Pânico na TV", da Rede TV, ser desrespeitoso do cidadão.
https://www.alainet.org/pt/articulo/109987
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