Amina viverá!

30/09/2003
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Os detentores do poder que se utilizam de qualquer coisa - inclusive da religião e da boa-fé das pessoas crentes - para oprimir e ameaçar, amargam hoje uma significativa derrota. Amina, a jovem nigeriana que aguardava a sentença de morte por haver tido uma filha após estar sem marido, terá sua pena comutada por falta de provas evidentes. Há vários meses acompanhamos o processo dessa jovem africana cujo único crime foi amar de novo, engravidar, ter uma filha e assumi-la, sem abortá-la de seu ventre, apesar de saber o drama que a aguardaria. Como boa muçulmana, Amina tinha consciência de que a xaria não teria contemplação com seu caso. A xaria, lei muçulmana escrita após a morte do profeta Maomé, que é como o cânon institucional do Islã, prevê para o adultério a morte por lapidação. Ao contrário do Alcorão, revelado por Alá ao profeta pela mediação do anjo Gabriel e que constitui, para o Islã, o próprio Deus feito livro, a xaria é um conjunto de normas e prescrições que regulam o comportamento cotidiano da comunidade muçulmana. E, segundo a frieza institucional da xaria, Amina deveria morrer. Amina seria enterrada na terra, ficando apenas seu rosto de fora e seria apedrejada até a morte. Sua filha ficaria órfã de sua presença e de seu amor. Todos os que a amavam chorariam e se lamentariam. Mas o importante é que a lei seria cumprida. Não se pode desafiar a religião instituída, pois ela é depositária da vontade do próprio Deus. E, no entanto, parece que o próprio Deus mostrou seu poder, mais forte que a xaria. Mobilizando os sentimentos de homens e mulheres no mundo inteiro, que não cessaram de passar listas pela internet e enviar cartas pedindo a absolvição de Amina, tocando os corações e abrindo as mentes dos membros do tribunal que julgaria Amina, Deus mostrou-se, uma vez mais, e poderosamente, que é um Deus "munificiente e misericordioso", como invoca várias vezes por dia o muçulmano piedoso. Amina viverá. Sua filha poderá ouvi-la, mais tarde, contar a história dos dias e meses que viveu à espera da morte e como sempre desejou viver para poder criá-la e vê-la crescer. Poderá sentir ao redor de seu corpo os braços amorosos que a embalarão, a acariciarão, e em seus olhos os olhos cansados e sofridos, mas repletos de materna ternura que a contemplarão ao longo da vida. Amina viverá! Viverá e será mais uma a integrar-se na grande corrente daquelas que um dia foram condenadas pelo simples fato de serem mulheres e infringirem leis concebidas pelos homens e atribuídas a Deus. Num mundo configurado por estruturas patriarcais, foram muitas as precursoras de Amina. Algumas delas selaram seu destino com a morte à qual não puderam escapar. Outras sentiram na pele e no coração o peso imenso da misericórdia do Deus em quem depositaram sua confiança. Uma delas, naquele tempo, há mais de dois mil anos, segundo narra o Evangelho de João, foi surpreendida em adultério. Pela lei mosaica, deveria morrer. Levaram-na ao rabi de Nazaré, fazedor de milagres, curador de enfermos, de palavras de fogo e coração compassivo, a fim de pô-lo à prova e verificar se era verdadeiramente observante fiel da lei mosaica. Essa, tal como a xaria, previa a lapidação e apedrejamento das mulheres flagradas em adultério. Para surpresa de todos o rabi silenciou. E pos-se a escrever na areia, cheio de concentração e sublime seriedade. E o evangelista nos diz que os sanguinários acusadores emudeceram igualmente. Retiraram-se um por um, a começar dos mais velhos. Jesus mergulhou seu olhar cheio de perdão e misericórdia no olhar cheio de temor e sofrimento da mulher. E ao constatar que ninguém a condenara, pronunciou a palavra que para sempre ressoaria em seu feminino coração como prova de que o amor é mais forte do que a morte: " Nem eu te condeno. Vai e não peques mais." Amina viverá! E viverá não apenas porque o júri prescreveu sua acusação, não encontrando na xaria elementos suficientes para tal. Viverá porque o Deus de toda misericórdia que a criou e amou desde toda a eternidade não a condenou. Amina viverá para testemunhar que Seu amor é para sempre e está acima de toda lei.
https://www.alainet.org/pt/articulo/108481
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