A esperança em Porto Alegre

17/01/2003
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Chegamos ao terceiro Fórum Social Mundial – a iniciar-se na próxima quinta-feira, em Porto Alegre. Aquele movimento de resistência ao neoliberalismo, iniciado com o grito dos zapatistas em Chiapas, que ganhou corpo com o editorial de Ignácio Ramonet no Le Monde Diplomatique chamando à luta contra o "pensamento único", explodiu em mobilizações populares a partir de Seattle e em tantas outras localidades deste então, desembocou em Porto Alegre, nos Foros Sociais Mundiais. Desde então passou a euforia neoliberal. O capitalismo norte-americano, que se julgava infenso a novas crises, esgotou seu ciclo expansivo e entrou na recessão profunda e prolongada em que se encontra. A América Latina, de mostruário de experiências supostamente bem sucedidas de aplicaçao do "consenso de Washington", passou a ser um catálogo de crises e a Argentina, de modelo bem sucedido e extremo dessas políticas, no exemplo mais acabado de seu fracasso. Os presidentes que aplicavam essas políticas – como Menem, Fujimori, FHC - que se elegiam e reelegiam apoiado nelas, saíram do governo derrotados e os que os sucedem, se não rompem com suas políticas – como os casos de Fernando de la Rúa e de Alejandro Toledo -, fracassam rapidamente. O próprio governo norte-americano, deixou de fundar seu discurso no apelo ao consumo, proveniente da aplicação do "livre comércio" e do "livre mercado" e passou a chamar à "guerra infinita" contra o "terrorismo". Seus aliados privilegiados deixam de ser os que exibem economias florescentes, para ser os que mais decididamente os apoiam nas suas aventuras militares. O mundo mudou desde Chiapas e mais aceleradamente desde o primeiro Fórum Social Mundial, em janeiro de 2000. Mudou também porque o Fórum surgiu. Porque ele conclamou que "um outro mundo é possível", porque reuniu os mais diferentes movimentos e entidades, revelando como coincidem em que "o mundo não está à venda". Mudou porque ficou claro que é no Fórum Social Mundial que se discutem e se buscam soluções para os grandes problemas da humanidade no novo século e não no FMI, na OMC, no Banco Mundial ou no Fórum Econômico de Davos. Tudo isto coloca maiores responsabilidades no Fórum Social Mundial, porque o esgotamento do neoliberalismo e a crise em que submergiu o mundo provoca uma crise de hegemonia que tem que ser respondida com alternativas concretas e globais, fundadas na solidariedade e não na ganância, na resolução justa e pacífica dos conflitos e não na imposição violenta. Precisamos assim sair deste Fórum com alternativas para os problemas selecionados como centrais pelo Conselho Internacional – instância máxima do Fórum Social Mundial. Temas como um esquema de comércio mundial alternativo que se contraponha à OMC já na reunião que terá este ano em Cancun, no México; um projeto de democratização dos grandes meios de comunicação nos planos nacional e internacional; propostas de resolução pacífica e justa dos conflitos bélicos existentes e de democratização das organizações internacionais, a começar pela ONU – são questões a que o Fórum deve dar respostas concretas e globais, entre outras. Ao mesmo tempo que assume esse caráter mais político, o Fórum se internacionaliza, com a constituição do Conselho Internacional, que reúne a cerca de 60 redes internacionais, cujas instâncias democraticamente escolhidas – conforme os critérios regionais, de gênero, de etnia, de setores sociais, etc. – lhe dão legitimidade e transparência para construir um amplo e heterogêneo consenso do movimento mais extenso e multifacético que a história conheceu. A decisão de fazer o próximo Fórum na Índia corresponde igualmente a esse processo de globalização do conjunto do movimento. Milhares de pessoas se congregarão em Porto Alegre a partir desta semana, nos distintos eventos que precedem e que se desenvolvem dentro e paralelamente ao Fórum Social Mundial, no mais importante movimento social, cultural e político do mundo. O sentimento de participar de um mundo novo que nasce pôde ser constatado por mim não apenas na alegria e na diversidade que convivem com toda a tolerância e a festividade que um evento como esse provoca, mas também em episódios individuais. No penúltimo dia do Fórum passado me encontrei com o agora Ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, que chegava ao Fórum. Eu lhe perguntei se ele ia participar de alguma atividade e ele me respondeu: "Não eu vim só para estar num lugar como este." Esse sentimento de pertenência a "um outro mundo possível" é que nos anima, em meio a tantas dificuldades, a seguir adiante no movimento que mais esperança traz e que é o espaço mais importante de criação de alternativas ao mundo injusto e violento que não queremos legar a nossos filhos.
https://www.alainet.org/pt/articulo/106846
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