Porto Alegre e o pós-neoliberalismo

18/02/2002
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Duas imagens apenas bastam para julgar o sucesso do 2º Fórum Social Mundial: uma, a contraposição entre Colin Powell e Noam Chomsky como as figuras predominantes dos foros de Davos e Porto Alegre. Um, o representante da tentativa de jogar o mundo numa "guerra infinita" de militarização dos conflitos e de criminalização dos opositores; o outro, o crítico do hegemonismo imperial norte-americano, que reivindica um mundo sem guerras, democrático, com a resolução justa dos conflitos e uma ordem. Outra imagem, a das dificuldades dos participantes de Davos para diagnosticar a trágica crise argentina, provocada por suas políticas, enquanto em Porto Alegre o caso era encarado paradigmaticamente como o fracasso das orientações do FMI, do Banco Mundial e da OMC, servindo como referência para a proposta de políticas pós-neoliberais. O 2º Fórum Social Mundial se enfrenta a um mundo em zona de turbulência, pela perigosa confluência de recessão econômica internacional e clima de guerra levado a cabo pelo governo dos EUA. Daí que, além de constatar o esgotamento do modelo hegemônico neoliberal, com todas as consequências catastróficas -de que não é preciso identificar-se com o Fórum de Porto Alegre para compartilhar-, do plano social até o ecológico, do econômico ao democrático, e avançar nas propostas alternativas, o fórum incluiu como seu evento central aquele denominado "Um mundo sem guerras é possível". Diferentemente do grotesco espetáculo midiático protagonizado por Arafat e Shimon Peres no ano passado em Davos -que se reuniram 15 minutos diante das câmeras, para voltar em seguida ao combate, demostrando o que os que se julgam "donos do mundo" têm a propor para os conflitos bélicos-, Porto Alegre reuniu comissões de paz e protagonistas de quatro dos principais conflitos atuais -Palestina, Colômbia, Chiapas e País Basco- para discutir as condições e possibilidades concretas de paz, em conferências presididas por prêmios Nobel da Paz, que ao final se reuniram para debater o tema da paz e da guerra no mundo atual. O tema da luta pela paz no mundo se incorpora, assim, aos consensos dos foros sociais. Porém derrotar Davos não significa derrotar o neoliberalismo e as políticas de guerra reinantes no mundo. Para avançar na direção do que é necessário para esses enormes objetivos, o fórum será, a partir de agora, dirigido por um Conselho Internacional, que decidirá sobre suas diretivas futuras e inclusive sobre o formato do próximo, novamente realizado em Porto Alegre, cidade que terá seu nome definitivamente ligado aos foros, mesmo quando se realizem em outro país, como o caso de 2004, na Índia. O conselho definiu que haverá foros todos os anos, de forma coerente com o caráter de processo de elaboração de modelos alternativos à ordem econômica neoliberal e à política belicista. A polarização essencial se desloca, assim, daquela entre "sociedade civil" e Estado de origem liberal para a que opõe a esfera pública ao domínio do mercado. As propostas alternativas incorporam a democratização do Estado, a socialização da política e do poder, coerente com a própria escolha de Porto Alegre como sede e nome dos foros, decorrente do sucesso das políticas de orçamento participativo, que se norteiam por essas diretivas. Abre-se espaço, assim, para a ampliação do arco pluralista dos foros para todas as forças que se identifiquem com esses objetivos, com os movimentos sociais e cívicos assumindo o protagonismo principal dentre as forças dos foros. Um balanço do estado atual das análises e propostas é o que permitirá que o Conselho Internacional possa dar ao 3º Fórum Social Mundial o formato correspondente às necessidades atuais da luta por um modelo alternativo ao neoliberalismo. Certamente estará colocada igualmente a questão da expansão do fórum para áreas ainda sub-representadas, como, por um lado, países centrais do capitalismo -como os EUA, o Japão e a Alemanha- e, por outro, os países asiáticos mais populosos do mundo, a China e a Índia -mas sobretudo a questão da formulação de estratégias que permitam, partindo da correlação de forças existente, desenhar de maneira mais concreta o mundo novo pelo qual se luta e as formas de ação para chegar a ele. Para enfrentar esse desafio, temos que ser capazes de convocar o que de melhor o movimento de resistência à globalização neoliberal produziu, o que o pensamento crítico e os movimentos sociais e políticos geraram, para permitir que o projeto de globalização alternativa possa se nutrir da força intelectual, moral e histórica que permita construir um mundo pós-neoliberal objetivo do humanismo contemporâneo no novo século. * Emir Sader é professor de sociologia da USP e da Uerj.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105614
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