Orgulho de ser brasileira

23/06/2007
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Em Belo Horizonte levantei-me às 5h da manhã, com estrelas no céu. O táxi cruzou rapidamente o longo caminho até o aeroporto de Confins. Pela quantidade de gente que se acotovelava nos balcões pressenti o pior. O caos aéreo não melhorara. Corri para validar meu check in feito pela internet e a resposta do “totem da TAM veio fria como o metal da qual é feito: “A situação de origem deste vôo não permite realizar o check in pela internet”.

Sangue gelado nas veias, busquei um funcionário disponível. Todos portavam chapéus caipiras e lenços de São João ao pescoço. Em meio àquela confusão era quase tragicômico. Informaram-me que meu vôo fora cancelado e que não era culpa deles. Eu poderia ir para Congonhas, em São Paulo, e de lá tomar uma ponte aérea para o Rio às 9h40. Que não era culpa deles até acredito. Mas também não era minha.

Tive vontade de sentar no chão e chorar, abraçada à minha mala de mão. Tinha de dar aula na PUC às 9h, a penúltima do semestre. Meus alunos me esperavam. Tinham acordado cedo e estariam na aula. Eu escolhera o vôo das 7h justamente para poder chegar e alcançá-los. Mas agora estavam fora do alcance. Tudo estava fora do alcance, do bom senso, do respeito e da ordem.

Sentei-me pedindo a Deus paciência. À minha volta, cidadãos e cidadãs honestos e trabalhadores resignavam-se ao destino constante dos últimos meses para quem freqüenta aeroportos e aviões: esperar, esperar, esperar...Alguns davam telefonemas, para a família, o trabalho. Outros se irritavam, se exasperavam com as soluções urgentes que não poderiam dar a problemas que dependiam de sua presença. E havia aqueles que faziam piadas para descontrair.

A todos a tensão dominava e ao menor sinal de passagem de alguma mocinha de lenço caipira e chapéu de palha na cabeça nos precipitávamos todos para alguma porta de embarque, para depois voltar, desolados, às cadeiras escassas para abrigar tantos potenciais passageiros em eterna espera.

Chamada do vôo, entrada nervosa, superlotação. Horas lá dentro. Atraso na saída, atraso na chegada em Congonhas. Trânsito corrido pelos corredores até o portão 2. Não, tinha sido transferido para o 4. Não, tinha sido cancelado e ia se juntar ao que saía do portão 6. A multidão, passiva como gado, entrava obedecendo às ordens de funcionários igualmente exaustos e impotentes.

Às 13h minha alma cantou e eu vi o Rio de Janeiro. Enquanto rumava para a universidade, no táxi, procurava fazer o balanço dos prejuízos do dia que já ia pela metade. A aula perdida e os alunos frustrados, a matéria acumulada com apenas uma aula pela frente. Uma reunião importante igualmente perdida. Quem repõe tudo isso? Não se trata de diárias de hotel ou refeições. É vida, trabalho, esforço, luta que desce pelo ralo do caos gerado pela incompetência e a desordem. É saúde minada, nervos esticados até o limite, é indignação represada, compromissos desatendidos.

A tarde passou lenta, ombros e olhos vergados pelo extremo cansaço. Pensei nos companheiros de tortura que certamente a esta hora sentiriam o mesmo. Direitos pisoteados, força vital espoliada, desrespeito com gosto de bofetada. Aos meus ouvidos ressoava a frase pronunciada com enfado e automatismo pela aeromoça: “uma empresa que tem orgulho de ser brasileira”.

Senhor presidente, senhor ministro da Aeronáutica, meu orgulho de ser brasileira está sendo paulatinamente minado. Em um país com o tamanho do nosso o avião não é primeiramente lazer ou turismo. É instrumento de trabalho. Por onde anda o respeito ao trabalho dos contribuintes? Em que galáxia foi parar a consideração e a vontade política de encontrar soluções? Não, senhora ministra, não dá para relaxar e gozar! A situação, além de caótica, é ultrajante.

- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
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