Bases militares dos EUA, treinamento e as "novas ameaças"

Se antes eles diziam que seu objetivo era combater o comunismo, a subversão, hoje, "as novas ameaças" são o terrorismo, o narcotráfico, e sob essas novas ameaças ou pretextos, continuam militarizando, controlando e vigiando nosso continente.

08/04/2021
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Na América Latina e no Caribe, o exército, a DEA, a CIA e outras agências dos Estados Unidos têm inúmeras bases operacionais, instalações e escritórios, como acordos militares que lhes permitem operar a qualquer momento em nossos territórios.

 

Se antes eles diziam que seu objetivo era combater o comunismo, a subversão, a revolução, que desafiava o modelo capitalista, hoje, "as novas ameaças" são o terrorismo, o narcotráfico, a cibersegurança, os desastres naturais, as organizações criminosas, e, ultimamente, estão preocupados até com a "pesca ilegal". Sob essas novas ameaças ou pretextos, continuam militarizando, controlando e vigiando nosso continente.

 

Chile: Operações de paz?

 

No Chile, em 2012, o Comando Sul do Exército dos EUA financiou a construção, no Forte Aguayo, Concón, de um "Centro de Treinamento para Operações de Paz", que muito bem foi caracterizado por Alicia Lira como um centro para treinamento em "contra-insurgência". Não esqueçamos o papel desempenhado pelos "capacetes azuis", pela MINUSTAH, no Haiti, onde há acusações de repressão, assassinatos e abusos sexuais contra a população.

 

"Não é aleatório que essa base militar apareça em Concón porque quando uma cidade ou um povo se levanta, como é o caso de Aysén, e como os estudantes fizeram, um esquema de contra-insurgência é proposto. Isso segue a lógica da ditadura, do chamado 'inimigo interno', e é isso que está sendo aplicado", sublinhou Alicia Lira, presidenta da Associação de Familiares de Executados Políticos (AFEP).

 

Embora o Ministro da Defesa, José Antonio Gómez, tenha afirmado ao SOA Watch, em 2015, que este "Centro de Treinamento para Operações de Paz" havia sido fechado, a verdade é que continuaram usando suas instalações, que simulam uma cidade, para treinamento militar e que houve e possivelmente siga existindo a presença de fuzileiros navais (‘marines’) dos EUA no Chile. 

 

No que se refere ao que foi dito anteriormente, em abril de 2018 foram realizados "exercícios", no Forte Aguayo, por tropas dos EUA e do Chile. Também é sabido que os militares dos EUA compram gasolina no território chileno, o que logicamente sugere que o Chile é uma base militar de trânsito para o exército dos EUA.

 

Peru: O perigo da Namru-6

 

No Peru, há diversas bases militares dos Estados Unidos e uma muito particular que é a NAMRU-6, que tem nada menos que três instalações, em Lima, Iquitos e Puerto Maldonado. A “US Naval Medical Research Unit” (Unidade de Pesquisa Médica Naval dos EUA ou NAMRU-6), visa investigar doenças infecciosas, embora suas instalações também pudessem ser usadas para uma eventual "guerra biológica".

 

A pesquisadora Olga Pinheiro escreveu, para a revista El Derecho a Vivir en Paz, um artigo intitulado "ABC da Geopolítica: A Guerra Biológica" em que aponta que "Uma de suas instalações – da NAMRU-6 – está localizada, nada menos que na Amazônia peruana, nas proximidades do Rio Amazonas, na cidade de Iquitos, o que deveria nos colocar em alerta diante do grave risco de contaminação, disseminação e proliferação de agentes infecciosos", acrescentando que "fica a preocupação ante a manipulação de patógenos por instituições militares estrangeiras que estiveram diretamente envolvidas na elaboração de armas biológicas em diferentes períodos da história".

 

Não podemos esquecer que Cuba sofreu vários ataques com armas biológicas; entre eles, a introdução intencional do vírus da peste suína (1971) e da dengue hemorrágica (1981). Este último ataque causou milhares e milhares de infectados; 158 pessoas morreram, incluindo 101 crianças.

 

Honduras: La Base Soto Cano

 

Sabe-se também que nos últimos anos, foi aberta uma sucursal da NAMRU-6 dentro da Base Aérea Soto Cano, em Honduras, onde a Força-Tarefa Conjunta-Bravo (FTC-Bravo) do Exército dos EUA opera. Esta é, juntamente com a base militar dos EUA em Guantánamo, uma das bases militares "clássicas" onde há tropas estadunidenses, equipamentos, radares, pistas de aterrissagem e, obviamente, armamento.

 

"A FTC-Bravo realiza uma variedade de missões na América Central e do Sul, desde o apoio às operações do governo dos EUA para combater o crime organizado transnacional,  à assistência humanitária, apoio em casos de desastres naturais e o desenvolvimento das capacidades de apoio", diz o Comando Sul.

 

Devemos recordar que o ex-presidente Manuel Zelaya passou por esta mesma base militar e aeroporto, quando sofreu um golpe de Estado em 2009, para ser expulso para a Costa Rica. As tropas dos EUA não fizeram nada para deter este golpe. Também não fazem nada hoje onde – não apenas se acusa o governo de estar envolvido em graves violações dos direitos humanos – o governo de Juan Orlando Hernández é acusado de estar envolvido com grupos de narcotraficantes.

 

Além disso, tornou-se conhecido, anos depois, em 2016, que a ex-secretária de Estado Hillary Clinton apoiou o golpe de Estado em Honduras que derrocou o Manuel Zelaya, presidente democraticamente eleito.

 

A Escola das Américas continua operando

 

O ex-presidente panamenho Jorge Illueca classificou a Escola das Américas, que operou no Panamá entre 1946 e 1984, como "a maior base para a desestabilização da América Latina".

 

Como sabemos, a Escola das Américas teve que abandonar este país como resultado dos Tratados Torrijos-Carter e foi instalada, a partir de 1984, em Fort Benning, na cidade de Columbus, Geórgia, nos Estados Unidos. Desde janeiro de 2001, o seu nome foi mudado para enganar a opinião pública e, desde então, tem sido denominada como “Instituto de Cooperação e Segurança do Hemisfério Ocidental” (WHINSEC, siglas em inglês).

 

É importante que todas e todos saibam que os EUA continuam fornecendo treinamento para militares, policiais, guardas fronteiriços e civis de toda a América Latina e Caribe, na base militar da WHINSEC em Fort Benning. Além disso, instrutores da WHINSEC viajam por todo nosso continente para dar o treinamento militar.

 

Também é imprescindível dizer que existem mais de uma centena de outras bases militares nos Estados Unidos, onde tropas da América Latina e do Caribe também recebem treinamento. Tudo isso, sem nos referirmos aos cursos ou assistências que possam estar sendo oferecidos pela polícia, FBI, CIA, DEA, USAID, bem como outras agências dos EUA, para tropas militares, policiais ou civis de todo o nosso continente.

 

O treinamento, assim como a assistência, é vital para conseguir influenciar ideologicamente, politicamente, nas mentes; principalmente nos altos comandos das Forças Armadas e policiais que têm o monopólio da força em nossas nações. Não foi estranho, então, que na tentativa de golpe de Estado na Venezuela (2002), no golpe de Estado em Honduras (2009) e no da Bolívia (2019) os graduados da Escola das Américas estivessem envolvidos nesses eventos.

 

A ILEA em El Salvador

 

Sempre lembraremos das atrocidades das quais o governo dos Estados Unidos foi cúmplice contra o povo de El Salvador. Entre elas, lembraremos que foi ele que deu o treinamento militar, na Escola das Américas, ao Batalhão Atlacatl, envolvido nos crimes de El Mozote e no assassinato dos seis padres jesuítas e duas mulheres. Lembraremos também o nome de Roberto d'Aubuisson, graduado na Escola das Américas, envolvido no crime contra Monsenhor Oscar Romero.

 

Atualmente, em El Salvador opera – o que alguns caracterizaram como uma nova Escola das Américas – a Academia Internacional para a Aplicação da Lei ou International Law Enforcement Academies (ILEA, siglas em inglês), onde policiais, promotores e juízes são treinados sob o pensamento ideológico e os interesses defendidos pelos Estados Unidos e a luta contra as "novas ameaças".

 

O que está claro é que, nas últimas décadas, emergiram como arma de combate a guerra jurídica, o "Lawfare", a criminalização e a judicialização de dirigentes e líderes sociais. Se não são mortos ou desaparecidos, são estigmatizados, desacreditados, levados a julgamentos. Muitos líderes, inclusive, correm o sério perigo de serem presos e vivenciarem a prisão política.

 

Espectro Completo

 

Ao lado de tudo o que já sabemos sobre a presença dos EUA na América Latina e no Caribe, com uma forte presença na Colômbia, Panamá e outras nações, o recente acordo para o uso do Centro de Lançamento Aeroespacial de Alcântara no Brasil; o uso das Ilhas Galápagos, no Equador, pelos militares dos EUA; são novos precedentes sobre as contínuas formas de militarização que o imperialismo estadunidense continua desenvolvendo no nosso continente para manter sua hegemonia.

 

Para finalizar, é importante recordar que Rina Bertaccini – que foi presidenta do Movimento pela Paz, a Soberania e a Solidariedade entre os Povos (MOPASSOL, Argentina) e vice-presidenta do Conselho Mundial pela Paz – denunciou em 2011, no "V Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos da Defesa" (ENABED), o conteúdo do documento “Joint Vision 2020” (Visão Conjunta 2020) do Exército dos EUA, onde indica que hoje a dominação é concebida como "espectro completo".

 

"Com toda crueza, eles estão nos advertindo sobre o que podemos esperar das guerras imperialistas do século XXI, uma ação global desdobrada em todos os domínios: o especificamente militar com seu poder letal, mas também no nível político, econômico, ideológico e cultural, sem limitação ou condicionamento jurídico ou moral de nenhuma categoria", destacou Bertaccini.

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- Pablo Ruiz, SOAWatch*

 

 

https://www.alainet.org/es/node/211717
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