Policarpo Quaresma e o golpe de estado no Brasil

18/08/2016
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Considerações iniciais

 

A história social, política, econômica e cultural da República Velha (1889-1930) é caracterizada por um miríade de conflitos sociais, haja vista as grandes greves insurrecionais protagonizadas pelo movimento operário revolucionário nos idos de 1907, 1910, 1917, 1920, 1922, as Revoltas ou guerrilhas de Boa Vista no Tocantins (1892-1894, 1907-1909); as Revoltas da Armada (1893-1894), a Revolução Federalista do Rio Grande do Sul (1893-1895), as Guerras (“messiânicas” e populares contra o latifúndio) de Canudos ( 1893-1897) e do Contestado (1912-1916), a Revolta da Vacina ocorrida nos subúrbios do Rio de Janeiro (1904), a Revolta da Chibata (1910), a Sedição de Juazeiro (1914), A Insurreição dos Anarquistas no Rio de Janeiro (1918), a “Revolução Libertadora” (1923), etc.; rebeliões que antanho foram orquestradas, ora pelo proletariado militante, que nos dizeres do anarquista espanhol Anselmo Lorenzo, fora insuflado por concepções socialistas, anarquistas ou comunistas, ora por frações ou corporações associadas às camadas médias da sociedade e (ou) às oligarquias, tais como as engendradas por militares tenentistas da Revolta dos Dezoito do Forte de Copacabana (1922), atormentados pelas abstrações ou fantasmas da “Sagrada Família” liberal-positivista e republicana.

 

Efervescências sociais cujos inconscientes político, social, maquínico, estético, esquizoanalítico e estrutural, ancoram-se num intenso antagonismo na relação capital/trabalho, postulando a constituição de uma “axiomática [mortuária]” (Deleuze, Guattari, 2008), quer dizer, uma solução (inclusive militar, a da via prussiana) do capital e de sua “forma-mercadoria” (Marx, 1996) - o Estado moderno oligárquico-burguês, que apresenta (e também representa) a conjunção de extratos da “burguesia nacional” com o imperialismo inter-nacional (euronorteamericano), na construção de uma amálgama de “tecnologias de poder” para a constituição da “governamentalidade” (Foucault, 2010), modulada através da forma (ou  seria da fôrma) da “política das oligarquias” sob a narrativa ou a fictio políticoideológica e positivista da “Ordem e Progresso”, recopilada como certos princípios e métodos de “racionalização” do exercício do governo, consoante o logos do metabolismo ampliado do capital; requestando o uso do “Aparato Repressivo de Estado [A.R.E.]” (Althusser, 1996), principalmente o aparelho policial-militar das Forças Armadas, contra opositores políticos e estratos da classe trabalhadora, em campanhas com o objetivo de esmagar movimentos, organizações, vilas e povoados de trabalhadores rurais e urbanos que, acoimados de messiânicos e (ou) apedeutos, estiveram imbuídos de “devires histéricos” (Lacan, 1992), periclitando o todo poderoso deus capital, arrojando perspectivas laicas de afirmação da vida humana e da constituição do comum, tais como as ocorrências nos sobrecitados arraiais de Canudos e do Contestado, que ansiavam pela instauração de paraísos (milenaristas) na terra.

 

1. O estado de exceção ontem, no regime do Mal. de Ferro e hoje, no Brasil contemporâneo

 

Segundo Salvadori de Decca (1997), o romance Triste fim de Policarpo Quaresma (2008) constituiu um dos primeiros relatos sobre os massacres republicanos, retratando um dos mais variados períodos conturbados da história social brasileira, sob o epíteto da “República da Espada” (1889-1894), descrita pelas exações da governamentalidade do Estado brasileiro “chefiada” pelo Presidente Floriano Peixoto (1891-1894), o Marechal de Ferro (PRP) quem instaurou um “estado de sítio” e, por conseguinte, um “estado de exceção” (Agamben, 2004), onde o fato (ou a força) transformou-se em direito (adquirindo força-de-lei), e o direito foi suspenso, perdendo a sua força, sendo eliminado de fato; assim, produzindo uma lacuna jurídica e uma indiscernibilidade entre o factum e o jus, atenuados mutuamente. Processo historicamente indestrinçável de uma “ditadura comissária” (Agamben, 2004), que resultou na consolidação da Constituição da Primeira República (promulgada em 1891), mediante o exercício de um “poder soberano” (Agamben, 2010), isto é, “aquele quem decide um estado de exceção” (Schmidtt, 2009), caracterizado por um “poder nu” (Russel, 2015) ou violento, usado para arrebentar os seus adversários políticos, tais como os Almirantes Custódio de Melo e Saldanha da Gama na Segunda Revolta da Armada (1893-1895), inclusive utilizando-se do “terrorismo de Estado” (Sanguinetti, 2003) e, consequentemente,  da repressão brutal contra a “vida nua” (Agamben, 2010) dos corpos matáveis e (in)sacrificáveis dos fluxos e contingentes de trabalhadores, no período sócio-histórico considerado nesta novela específica.

 

Inicialmente, consideramos necessário descrever a situação sócioeconômica das habitações das variadas frações que compõem o proletariado, caracterizando o “Personagem coletivo do excluído” (Deleuze; Guattari, 2008) da vida nua ou o “homo sacer” (Agamben, 2010) circunscritos em bolsões de pobreza nos subúrbios do Rio de Janeiro e, portanto, nas periferias do Brasil e do sistema-mundo, onde residem milhares (e, até mesmo, milhões e bilhões de trabalhadores, dependendo da escala com a qual trabalhamos) de “heróis anônimos”,  sejam homens, mulheres, crianças, idosos, brancos, pretos, pardos, indígenas, etc.; pessoas que configuram alteridades dos mais diversos matizes e tipos ideais weberianos,  muitas delas dignas e laboriosas, arrimos de família, tais como o nosso célebre violonista, Ricardo Coração dos Outros (amigo leal da protagonista Major [por consideração] Quarema), conhecido “pela sua habilidade em cantar modinhas e tocar violão”. Dessa forma, confabulando uma multitud de alteridades que exercem as mais diversas atividades de (sobre)vivência com o propósito de conseguirem a satisfação das necessidades sociais mais básicas da existência humana, ou seja, as necessidades fisiológicas segundo a hierarquia das necessidades ou a pirâmide de Maslow; o que para nós constrói um anelo de imanência com a potência do (baixo)ventre que configura uma “religião da carne”, assinalada por devires coletivos e materialistas, que se movimentam em torno do eixo de uma filosofia imbuída do valor-afeto das potências de variação da práxis, conforme podemos antever no fragmento abaixo.

 

[...] olha-se acolá [nos subúrbios] e dá-se com uma choupana de pau-a-pique, coberta de zinco ou mesmo palha, em torno da qual formiga uma população; adiante [...] uma velha casa de roça, com varanda e colunas de estilo pouco classificável [...] as casas de cômodos (quem as suporia lá!) constituem um [...] bem inédito. Casas que mal dariam para uma pequena família, são divididas, subdivididas, e os minúsculos aposentos assim obtidos, alugados à população miserável da cidade. Aí, nesses caixotins humanos, é que se encontra a fauna menos observada da nossa vida, sobre a qual a miséria paira [...] Não se podem imaginar profissões mais tristes e mais inopinadas da gente que habita tais caixinhas. Além dos serventes de repartições, contínuos de escritórios, podemos deparar velhas fabricantes de rendas de bilros, compradores de garrafas vazias, castradores de gatos, cães e galos, mandingueiros, catadores de ervas medicinais, enfim, uma variedade de profissões miseráveis que as nossas pequena e grande burguesias não podem adivinhar. Às vezes num cubículo desses se amontoa uma família, e há ocasiões em que os seus chefes vão a pé para a cidade por falta do níquel do trem. (Lima Barreto, 2008, p. 65-66)

 

“Nada como dantes no quartel de Abrantes”, como diria o adágio popular. A questão social (perpassada pela relação capital x trabalho) é uma temática universal, lindeira, necessária e conspícua, demarcada pelos estudos sócioculturais mais graves da modernidade nas ciências humanas e sociais, tais como os de E. P. Thompson, Raymond Williams, Frederic Jameson, Terry Eagleton, dentre muitos outros, conforme aludimos. Persiste ou in-siste em ser simbolizada pela “lituraterra” (Lacan, 1992) que inscreve a imanência-povo ou o povo porvir, pleno de povo ou demos, ravinando a pauta da folha do “estado de natureza” ou o subdesenvolvimento, a fim de liberar a potência da “palavra muda-tagarela” (Ranciére, 2009) ou o “devir histérica” (Lacan, 1992) da imanência do “trabalho vivo” que circunscreveria a potência do pai (pater) e diria para ele: goza (trabalhe) você!; seja Chefe de Estado, oligarquia, imperialismo ou corporocracia.

 

Dizíamos que a questão social outrora fora singularmente abordada pelo escriba Frederic Engels, em A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (2008), confeccionando uma cartografia do inferno dos subúrbios ou uma “sociologia das ausências” ou das carências nas periferias, presentificando-se no Brasil contemporâneo, outrossim mediante fenômenos associados à desigualdade social, à pobreza e à miséria. Ademais dos processos de gentrificação induzidos pelo capital corporativo imobiliário nos grandes centros urbanos e até mesmo pelo intermédio da militarização dos morros e das favelas através das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s), onde a gestão destas territorialidades é entregada por Governadores dos Estados e os Prefeitos dos Municípios aos Comandantes da Polícia Militar, ao invés de materializar-se em equipamentos públicos e políticas sociais substantivas, pois a militarização do trabalho  (vivo) pavimenta a ordem (social) necessária para o progresso (do capital)!

 

Posteriormente no decurso da trama, o jovem idealista Coração dos Outros é arrastado à força pelos recrutamentos em massa florianistas e transformado em “bucha de canhão” do “Batalhão Cruzeiro do Sul” pela “pandilha republicana”, comandada por um séquito de oficiais (e civis) oportunistas, arrivistas e carreiristas, com o propósito de debelar a pavorosa Segunda Revolta da Armada. Lima Barreto nos conta que militares das mais variadas patentes, principalmente aqueles das mais baixas, estiveram “contentes” e “prazenteiros” pelo ensejo de estenderem o seu despotismo sobre uma grei de civis, muitos deles embevecidos pela sacrílega e nefanda religião políticoideológica do positivismo que endossava toda vicissitude de crimes em proveito da manutenção do status quo, segundo podemos entrever nos extratos que se seguem:

 

Havia simples marinheiros; havia inferiores; havia escreventes e operários de bordo. Brancos, pretos, mulatos, caboclos, gente de todas as cores e todos os sentimentos, gente que se tinha metido em tal aventura pelo hábito de obedecer, gente inteiramente estranha à questão em debate, gente arrancada à força aos lares ou à calaçaria das ruas, pequeninos, tenros, ou que se haviam alistado por miséria; gente ignara, simples, às vezes cruel e perversa como crianças inconscientes; às vezes, boa e dócil como um cordeiro, mas, enfim, gente sem responsabilidade, sem anseio político, sem vontade própria, simples autômatos nas mãos dos chefes e superiores que a tinham abandonado à mercê do vencedor. (Lima Barreto, 2008, p. 154-155)

 

Os militares estavam contentes, especialmente os pequenos, os alferes, os tenentes e os capitães. Para a maioria, a satisfação vinha da convicção de que iam estender a sua autoridade sobre o pelotão e a companhia, a todo esse rebanho de civis; mas, em outros muitos havia sentimento mais puro, desinteresse e sinceridade. Eram os adeptos desse nefasto e hipócrita positivismo, um pedantismo tirânico, limitado e estreito, que justificava todas as violências, todos os assassínios, todas as ferocidades em nome da manutenção da ordem, condição necessária, lá diz ele, ao progresso e também ao advento do regime normal, a religião da humanidade, a adoração do grão-fetiche, com fanhosas músicas de cornetins e versos detestáveis, o paraíso enfim, com inscrições em escritura fonética e eleitos calçados com sapatos de sola de borracha!... Os positivistas discutiam e citavam teoremas de mecânica para justificar as suas ideias de governo, em tudo semelhantes aos canatos e emirados orientais." (Lima Barreto, 2008, p. 102-103)

 

Na crônica O problema vital (1919), Lima Barreto se apropria de uma série de trabalhos de renomados médicos de sua época, com vistas a asseverar que a população dos campos era afligida por diversas moléstias que a alquebravam fisicamente, tais como a papeira, a opilação, as febres, o bócio, a maleita, etc.; apontando serem necessárias várias medidas de saneamento dessas regiões interioranas. Ao dissertar sobre a miséria geral dos trabalhadores rurais, constatou que eles também eram abalroados por uma alimentação insuficiente, afora o mau vestuário e a ausência de calçado, residindo na tradicional cabana de sapê, que era construída com paredes de taipa e estaria condenada. Remontando a história de tal construção, verificou que ela se originava na propriedade agrícola da fazenda (latifundiária), sendo constituída através do influxo do regime de trabalho escravo, salvaguardando a sua permanência de longa duração e, portanto, o antagonismo entre o capital e o trabalho, que substancializava-se numa porção de latifúndios improdutivos dos coronéis e, mais ainda, numa multidão de trabalhadores sem-terra pauperizados, em linhas gerais retratados como na situação que se segue na obra:

 

[Felizardo e dona Chica] Tinham dois filhos, mas que tristeza de gente! Ajuntavam à depressão moral dos pais uma pobreza de vigor físico e uma indolência repugnante. Eram dois rapazes: o mais velho, José, orçava pelos vinte anos; ambos inertes, moles, sem força e sem crenças, nem mesmo a da feitiçaria, das rezas e benzeduras, que fazia o encanto da mãe e merecia o respeito do pai. Não houve quem os fizesse aprender qualquer coisa e os sujeitasse a um trabalho contínuo. De quando em quando, assim de quinze em quinze dias, faziam uma talha de lenha e vendiam ao primeiro taverneiro pela metade do valor; voltavam para casa alegres, satisfeitos, com um lenço de cores vivas, um vidro de água-de-colônia, um espelho, bugigangas que denunciavam ainda neles gostos bastante selvagens. [...] raramente lá [na casa de Quaresma] apareciam; e, se o faziam, era porque de todo não tinham o que comer. Levavam o descuido da vida, a imprevidência [...] Eram, entretanto, capazes de dedicação, de lealdade e bondade, mas o trabalho continuado, todo o dia, repugnava-lhes à natureza, como uma pena ou um castigo. Essa atonia da nossa população, essa espécie de desânimo doentio, de indiferença nirvanesca por tudo e todas as coisas, cercam de uma caligem de tristeza desesperada a nossa roça e tira-lhe o encanto, a poesia e o viço sedutor de plena natureza. [...] Tudo aí dorme, cochila, parece morto [...] (Lima Barreto, 2008, p. 148)

 

O que mais a impressionou [Olga] no passeio foi a miséria geral, a falta de cultivo, a pobreza das casas, o ar triste, abatido da gente pobre. [...] tinha dos roceiros idéia de que eram felizes, saudáveis e alegres. Havendo tanto barro, tanta água, por que as casas não eram de tijolos e não tinham telhas? Era sempre aquele sapê sinistro e aquele "sopapo" que deixava ver a trama de varas, como o esqueleto de um doente. Por que, ao redor dessas casas, não havia culturas, uma horta, um pomar? Não seria tão fácil, trabalho de horas? E não havia gado, nem grande nem pequeno. Era raro uma cabra, um carneiro. Por quê? Mesmo nas fazendas, o espetáculo não era mais animador. Todas soturnas, baixas, quase sem o pomar olente e a horta suculenta. A não ser o café e um milharal, aqui e ali, ela não pôde ver outra lavoura, outra indústria agrícola. Não podia ser preguiça só ou indolência. Para o seu gasto, para uso próprio, o homem tem sempre energia para trabalhar. As populações mais acusadas de preguiça, trabalham relativamente. [...] Seria a terra? Que seria? E todas essas questões desafiavam a sua curiosidade, o seu desejo de saber, e também a sua piedade e simpatia por aqueles párias, maltrapilhos, mal alojados, talvez com fome, sorumbáticos!... [...] Olga encontrou o camarada cá embaixo, cortando a machado as madeiras mais grossas; Anastácio estava no alto, na orla do mato, juntando, a ancinho, as folhas caídas. [...] —Então trabalha-se muito, Felizardo? —O que se pode. [...] —Você, por que não planta para você? [...] —Terra não é nossa... E "frumiga"?... Nós não "tem" ferramenta... isso é bom para italiano ou "alamão", que governo dá tudo... Governo não gosta de nós... [...] Pela primeira vez notava que o self-help do Governo era só para os [inter]nacionais; [...] os outros todos [...não contam com...] o apoio dos patrícios. E a terra não era dele? Mas de quem era então, tanta terra abandonada que se encontrava por aí? Ela vira até fazendas fechadas, com as casas em ruínas... Por que esse acaparamento, esses latifúndios inúteis e improdutivos? (Lima Barreto, 2008, p. 84-85)

 

No arremate da abordagem dos problemas rurais, Barreto, nesse artigo publicado na Revista Contemporânea, não despreza a variável médica no que tange as mazelas que afligem as nossas populações, ressaltando que o problema é “de natureza econômica e social”. Para ele, precisamos combater o regime capitalista na agricultura, dividir a propriedade agrícola, delegar a propriedade da terra a quem efetivamente a cava e a planta, ao invés do “doutor vagabundo e parasita”, que vive na “Casa Grande”, seja no Rio ou em São Paulo (Lima Barreto, 1919). Solução que se conserva atualíssima, nos dias hoje!

 

Ainda recobrando a questão agrária, candente no enredo, o Major Quaresma, orientado por um ideário (proto)nacional-desenvolvimentista - uma vez que a ideologia do nacional-desenvolvimentismo remonta ao período Pós-Segunda Guerra, referenciando-se ao Instituto Superior de Ensinos Brasileiros (ISEB), criado no Governo interino de Café Filho (PSP), em 1955 - adquire uma pequena propriedade rural (o rancho Sossego), com vistas a empreender projetos agrícolas e ensaiar sobre a fertilidade das terras do país, encontrando diversos percalços na produção e distribuição de alimentos, inclusive as pragas da lavoura, como a formiga saúva. Da mesma forma, ele se embaraça nas teias da “política das oligarquias”, no âmbito do Município brasileiro, muito bem apresentada por Nunes Leal em Coronelismo, enxada e voto (2012), tropeçando em fenômenos sociais (e sociológicos), tais como o coronelismo, as eleições de cabresto e o voto do bico de pena. Como se recusa a participar da realpolitik, sofre inúmeras exações do Estado, nas esferas municipal e estadual, o que nos oportuniza medir a virulência de mazelas, tais quais o “patriarcalismo”, o “coronelismo”, o “mandonismo”, o “familismo político”, o “clientelismo”, etc;  que grassam e (ou) estriam as redes de relações e interações sociais que con-volvem o Aparelho de Estado nas órbitas municipais, estaduais e federal, como na sequência:

 

—[...] Preciso de um pequeno obséquio seu [Quaresma]. [...] as eleições se devem realizar por estes dias. A vitória é "nossa". Todas as mesas estão conosco, exceto uma... Aí mesmo, se o major quiser [...] —Tenho aqui uma carta do Neves, dirigida ao senhor. [...] é melhor [...responder] que não houve eleição... [...] —Absolutamente não. [...o doutor] Campos não deu mostras de aborrecimento [...] na quinta-feira, [...] [Policarpo] foi surpreendido com a visita [de um agente municipal...]. Em virtude das posturas e leis municipais [...] o Senhor Policarpo Quaresma, proprietário do sítio "Sossego" era intimado, sob as penas das mesmas posturas e leis, a roçar e capinar as testadas do referido sítio que confrontavam com as vias públicas. O major ficou um tempo pensando. Julgava impossível uma tal intimação. Seria mesmo? Brincadeira... Leu de novo o papel, viu a assinatura do doutor Campos. Era certo... Mas que absurda intimação esta de capinar e limpar estradas na extensão de mil e duzentos metros, pois seu sítio dava de frente para um caminho e de um dos lados acompanhava outro na extensão de oitocentos metros — era possível!? A antiga corvéia!... Um absurdo! Antes confiscassem-lhe o sítio. [...] A luz se lhe fez no pensamento... Aquela rede de leis, de posturas, de códigos e de preceitos, nas mãos desses regulotes, de tais caciques, se transformava em potro [...] em instrumento de suplícios para torturar os inimigos, oprimir as populações, crestar-lhes a iniciativa e a independência, abatendo-as e desmoralizando-as. Pelos seus olhos passaram num instante aquelas faces amareladas e chupadas que se encostavam nos portais das vendas preguiçosamente; viu também aquelas crianças maltrapilhas e sujas, d'olhos baixos, a esmolar disfarçadamente pelas estradas; viu aquelas terras abandonadas, improdutivas, entregues às ervas e insetos daninhos; viu ainda o desespero de Felizardo, homem bom, ativo e trabalhador, sem ânimo de plantar um grão de milho em casa e bebendo todo o dinheiro que lhe passava pelas mãos — este quadro passou-lhe pelos olhos com a rapidez e o brilho sinistro do relâmpago; e só se apagou de todo, quando teve que ler a carta que a sua afilhada lhe mandara. (Lima Barreto, 2008, p. 95-96)

 

No Brasil contemporâneo, o governo golpista (portanto ilegítimo) e interino encabeçado pelo “sindicato de ladrões do PMDB/PSDB”, nas palavras do Deputado Federal Ciro Gomes (PDT/CE), desmontou o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), desenhando uma estratégia de triangulação, mobilizando os Ministérios da Fazenda, da Agricultura e da Defesa - consoante o Professor da UFES Bajonas Teixeira de Brito Jr., no artigo de opinião O ministério de Michel Temer: Um aparato de repressão sob medida para o golpe, veiculado pelo blog O Cafezinho, em Maio de 2016 - que visa desde o estrangulamento de uma série de políticas sociais orientadas para o setor rural, inclusive focalizando os empreendimentos em Economia Solidária, tais como o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), o Mais gestão, o PRONAF, as desvinculações do BPC, etc.; podendo culminar no uso do A.R.E. das Forças Armadas contra os movimentos sociais do campo (MST, MPA, Via Campesina, etc.), segundo os acordos nefastos confabulados da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) com a gestão ainda interina. Como resultado desse derrube sobre a sociedade civil brasileira, já temos uma alta dos índices de inflação sobre os alimentos, corroborada pela sazonalidade das secas e (ou) pelos desmatamentos que levam às crises hídricas.

 

Anteriormente aventamos que, sob os augúrios da República da Espada, o governo de Marechal Floriano instituiu um poder soberano que implantou uma ditadura comissária, permitindo-o utilizar do aparato policial-militar do Estado moderno-burguês da República Velha, para esboroar com os seus opoentes políticos, inclusive altos oficiais da Marinha de Guerra que articularam a Segunda Revolta da Armada e contribuíram para a Revolução Federalista. Tal ditadura, um produto da aliança infausta entre a oligarquia “nacional” e o “imperialismo significante” (Soares, 2014) - quer dizer, imperialismo norteamericano e europeu ocidental (principalmente o britânico, sem olvidar as grandes corporações associadas ao capital transnacional) - permitiu a consolidação da Constituição republicana, mediante o sacrifício de sangue da vida nua da imanência-povo nos altares do capital, consoante os ditames de um poder soberano, enfim, um poder nu, violento, que naquele período socioeconômico e histórico delineava uma societas ou estruturas de soberania que decidiam o direito de vida e (ou) morte do rebanho humano.

 

Policarpo Quaresma, pode ser caracterizado no enredo como um “homem cordial” (Holanda, 1995), no sentido etimológico de remissão ao coração, pois a todo momento ele opõe a “emoção” ou os ideários associados ao nacional-patriotismo, onde poderíamos entrever um “niilismo ativo” (Nietzsche, 2004) ou criativo, uma perspectiva afirmativa de futuro para o “excluído coletivo” brasileiro, assinalada por um conjunto de medidas e ações (proto)nacional-desenvolvimentistas, que se contrapõem à “razão” (logos), mais especificamente,  à “razão instrumental” (Chauí, 2010) ou ao tanque da história que avança segundo a lógica da acumulação do capital, podendo ser representada também pelo arquétipo da “gaiola de ferro weberiana”, apresentada como inexorável ou a razão da história hegeliana. Major Quaresma, apresentou-se imbuído de um entusiasmo patriota-nacionalista e, até mesmo, ufanista que, naquele momento, ele acreditava substancializar-se numa defesa do florianismo, por isso combatera militares revoltosos em favor da Res Publica, “reduzida ao Leviatã republicano”, matando-se ou queimando-se em “nome-do-pai” (Lacan, 1992), ou seja, do poder soberano, nos altares sacrossantos do capital (trans)nacional.

 

Após o período de supressão dos insurgentes é tornado carcereiro na Ilha das Cobras. Os líderes dos sublevados, vários oficiais de altas patentes e crias das oligarquias regionais, em sua maioria são anistiados enquanto os demais, amiúde soldados e (ou) proletários pobres, são arrastados ao cárcere, sendo cruelmente requisitados para um massacre à turca na baía de Guanabara ou no Boqueirão e (ou) fuzilados sumariamente na referida Ilha. O “Major Quaresma” intercede com veemência pela vida nua de “homens anônimos” (musulmans) que ele antevia equivocados, porém francos e patriotas (não obstante a religião infanda do positivismo) e (ou) violados no seu vir-a-ser humano genérico, junto ao diktador, sendo imediatamente considerado subversivo, “um traidor!” e “um bandido!”, incontinenti sequestrado ao calabouço e outrossim executado na Ilha das Cobras. Pouco antes de morrer, ele faz uma (auto)crítica da vida diretamente vivida, aparentemente cônscio do que seria o “mito da pátria burguesa”, a política das oligarquias, a condição social dos trabalhadores, a “República dos Bruzundangas” e o Estado “moderno-capitalista”, como vislumbramos a seguir:

 

Policarpo aceitou com repugnância o papel de carcereiro, pois na ilha das Enxadas estavam depositados os marinheiros prisioneiros. Os seus tormentos d'alma mais cresceram com o exercício de tal função. Quase os não olhava; tinha vexame, piedade e parecia-lhe que dentre eles um conhecia o segredo de sua consciência. [...] entre os moços, que eram muitos, se não havia baixo interesse, existia uma adoração fetíchica pela forma republicana, um exagero das virtudes dela, um pendor para o despotismo que os seus estudos e meditações não podiam achar justos. Era grande a sua desilusão. Os prisioneiros se amontoavam nas antigas salas de aulas e alojamentos dos aspirantes. Havia simples marinheiros; havia inferiores; havia escreventes e operários de bordo. Brancos, pretos, mulatos, caboclos, gente de todas as cores e todos os sentimentos, gente que se tinha metido em tal aventura pelo hábito de obedecer, gente inteiramente estranha à questão em debate, gente arrancada à força aos lares ou à calaçaria das ruas, pequeninos, tenros, ou que se haviam alistado por miséria; gente ignara, simples, às vezes cruel e perversa como crianças inconscientes; às vezes, boa e dócil como um cordeiro, mas, enfim, gente sem responsabilidade, sem anseio político, sem vontade própria, simples autômatos nas mãos dos chefes e superiores que a tinham abandonado à mercê do vencedor. [...] A noite chegava e Quaresma continuava a passear na borda do mar, meditando, pensando, sofrendo com aquelas lembranças de ódios, de sangueiras e ferocidade. A sociedade e a vida pareceram-lhe coisas horrorosas, e imaginou que do exemplo delas vinham os crimes que aquela punia, castigava e procurava restringir. Eram negras e desesperadas, as suas idéias; muita vez julgou que delirava." (Lima Barreto, 2008, p. 154-155)

 

Sem atinar do que se tratava, levantou-se e foi ao encontro do visitante [o oficial do Itamarati]. [...] A vasta sala estava cheia de corpos, deitados, seminus, e havia todo o íris das cores humanas. Uns roncavam, outros dormiam somente; e, quando Quaresma entrou, houve alguém que em sonho, gemeu — ai! Ambos [Quaresma e o emissário do Itamarati] tiveram medo de falar. O oficial despertou um dos prisioneiros e disse para as praças: "Levem este". Seguiu adiante e despertou outro: — "Onde você esteve?" "Eu" —respondeu o marinheiro — "na Guanabara"... "Ah! patife" acudiu o homem do Itamarati... "Este também... Levem!"... Os soldados condutores iam até à porta, deixavam o prisioneiro e voltavam. O oficial passou por uma porção deles e não fez reparo; adiante, deu com um rapaz claro, franzino, que não dormia. Gritou então: "Levante-se!" O rapaz ergueu-se tremendo. — "Onde esteve você?" perguntou. — "Eu era enfermeiro", retrucou o rapaz. — "Que enfermeiro!" fez o emissário. "Levem este também"... — [...] deixe-me escrever à minha mãe, pediu o rapaz quase chorando. —Que mãe! respondeu o homem do Itamarati. Siga! Vá! E assim foi uma dúzia, escolhida a esmo, ao acaso, cercada pela escolta, a embarcar num batelão que uma lancha logo rebocou para fora das águas da ilha. Quaresma não atinou de pronto com o sentido da cena e foi, após o afastamento da lancha, que ele encontrou uma explicação. Não deixou de pensar então por que força misteriosa, por que injunção irônica ele se tinha misturado em tão tenebrosos acontecimentos, assistindo ao sinistro alicerçar do regime... A embarcação não ia longe. [Iria...] Para o Boqueirão... (Lima Barreto, 2008, p. 156-157)

 

[Quaresma] Fora preso pela manhã, logo ao erguer-se da cama; [...] Por que estava preso? Ao certo não sabia; o oficial que o conduzira, nada lhe quisera dizer; e, desde que saíra da ilha das Enxadas para a das Cobras, não trocara palavra com ninguém, não vira nenhum conhecido no caminho [...] atribuía a prisão à carta que escrevera ao presidente, protestando contra a cena que presenciara na véspera. [...] Aquela leva de desgraçados a sair assim, a desoras, escolhidos a esmo, para uma carniçaria distante, falara fundo a todos os seus sentimentos; pusera diante dos seus olhos todos os seus princípios morais; desafiara a sua coragem moral e a sua solidariedade humana; e ele escrevera a carta com veemência, com paixão, indignado. [...] naquela masmorra, engaiolado, trancafiado, isolado dos seus semelhantes como uma fera, como um criminoso, sepultado na treva, sofrendo umidade, misturado com os seus detritos, quase sem comer... [...] Era de conduta tão irregular e incerta o Governo que tudo ele podia esperar: a liberdade ou a morte, mais esta que aquela. (Lima Barreto, 2008, p. 157-158)

 

2. O Golpe de Estado no país

 

O estado de exceção e o terrorismo de Estado foram tecnologias de poder exercidas pelo “governo dos vivos” (Foucault, 2010) do Mal. de Ferro, permitindo-o destroçar a Segunda Revolta da Armada que, na obra em questão, alceia o seu vértice com a execução brutal de Policarpo Quaresma, uma alegoria da imanência do povo do porvir, ou seja, um povo pária, bastardo, caracterizado por uma multidão atravessada por devires minoritários, conforme nos apresenta a obra de Gilles Deleuze, Franz Kafka. Por uma literatura menor (2012), uma metáfora que representa a encarnação do (proto)nacional-desenvolvimentismo e a soberania do Estado e do povo brasileiro sacrificados nos altares transcendentes da oligarquia e do imperialismo significante. Um estado de exceção que também se consubstancia no período contemporâneo em que vivemos, onde o “olho de deus” ou o “verdadeiro soberano” (o rosto com quem devemos nos haver) é o “imperialismo inscrito no regime de signos pós-significante” (Soares, 2014), ou seja, a fusão entre o imperialismo norteamericano, europeu ocidental, sionista e o capital corporativo transnacional (enfatizando-se o capital financeiro na composição e hierarquia do capital internacional), que em aliança com setores nefastos da burguesia (anti)nacional estabelece um estado de exceção, acionando um golpe jurídico-burocrático, midiático, parlamentar e policial autoritário, promovendo o impeachment da gestão petista, encabeçada pela Presidente Dilma Roussef - conforme indica também a obra: Golpe en Brasil. Genealogía de una farsa (2016), escrito coletivamente por 23 intelectuais, a miúdo associados ao Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO) - que apesar do conciliacionismo de classe com a “burguesia nacional” (rompido pela sua contraparte), trouxe alguns ganhos sociais à imanência-povo.

 

Para nós, a personagem histórica do Mal. De Ferro, quem supostamente instaura o poder soberano, é uma caricatura do imperialismo significante dentro de um capitalismo mundial integrado, já que a política das oligarquias permitira uma rentabilidade ou “mais-valia” (Marx, 1996) ampliada do capital financeiro internacional. Como exemplo do que estamos a tratar, segundo Levy (1980), na República da Espada iniciada por Deodoro e continuada por Floriano, temos um conjunto de políticas econômicas chamadas “Encilhamento”, pautadas em créditos livres e farta emissão monetária, estruturadas e (ou) gerenciadas tendo em vista à industrialização perante os capitais financeiro e industrial, acarretando desenfreada especulação financeira em todos os mercados e forte alta inflacionária, devido ao forte atrelamento da economia brasileira aos rentistas com capitais na Bourse Parisiense, na City Londrina e em Wall Street; aos financistas, como o conselheiro Mayrink e aos barões da haute finance, liderados pelos Rotschild.

O paralelo que fazemos à personagem Floriano, no estado de exceção da República Velha, não seria hoje ao presidente interino golpista Michel Temer (PMDB) ou ao Deputado Federal Eduardo Cunha (PMDB/RJ), mas ao Juiz Federal de 1ª instância Sérgio Moro (S.M.) da “Bruzundanga de Curitiba” (com jurisprudência no país inteiro, pasmem!), no topo da hierarquia do golpe palaciano de Estado, seguido pelo doutor Rodrigo Janot, Procurador Geral da República (PGR), logo “Chefe” do Ministério Público Federal (MPF). O primeiro tornou-se uma narrativa de “mito do herói nacional”, mais especificamente, um “cavaleiro cruzado” anticorrupção, enquanto o segundo segue adelgaçado diante dos holofotes midiáticos dos “trinta Berlusconis” ou barões do oligopólio midiático nacional – sucursais de grandes corporações transnacionais de mídias, tais como a Time Life, a BBC, etc. - ambos denunciados, p. ex., por Glenn Greenwald, no The Intercept, em sucessivas reportagens.

 

 Um parêntese sobre a personagem S.M... Filho de um dos fundadores do PSDB em Maringá (PR), marido de uma advogada do lobby das grandes corporações norteamericanas do Big Oil contra os interesses da Petrobras, ele estudou (pós-graduação stricto sensu) ou recebeu treinamento em think thanks estadunidenses, tais como a Harvard Law School, o International Visitor Leadership Program do Departamento de Estado Norteamericano (DEA) e instituições supostamente responsáveis pela prevenção e combate à lavagem de dinheiro. Segundo consta em vários arquivos que acessamos da Wikileaks e em diversos artigos de opinião e reportagens de jornais e consórcios de jornalistas investigativos (inter)nacionais, tais como Carta Maior, Viomundo, GGN, Global Research, América Latina en movimiento, Modialisation, etc; S.M. é especialista na operação Mani Pulite (Mãos Limpas), uma megaoperação jurídico-midiática e policial deflagrada em 1992 por Procuradores italianos liderados pelo Promotor Antonio di Pietro (tornando-se posteriormente um político do conservador Italia dei Valori, IdV...) que promoveria o suposto combate à corrupção e a lavagem de dinheiro, atuando sistematicamente junto à “indústria cultural” (Adorno; Horkheimer, 1985), o que resultou em quase 3000 mandados de prisão, encerrando os cinco maiores partidos da democracia italiana - o PCI, o PSI, a Democracia Cristã, o Social-Democrata e o Liberal, instaurando um vácuo político (jurídico), ideológico e cultural, ocupado por “Aparelhos Privados de Hegemonia [APH’s] – em sentido gramsciano, como grandes corporações de Mídia, acarreando no desmoronamento de direitos sociais dos trabalhadores italianos, inclusive no desmonte de movimentos sociais e sindicatos, culminando na eleição do magnata “Citizen Kane” Silvio Berlusconi, prócer responsável por alguns dos maiores casos de corrupção na “democracia italiana” na atualidade.

 

 Antanho como hoje (e agora), devido ao golpe em marcha, processualmente, o que está em risco é a imanência-povo a ser imolada nos sacrifícios de carne e sangue, nos altares transcendentes do capital corporativo e financeiro internacional, que massacra a imanência da soberania nacional e do patrimônio do Estado brasileiro, amealhado com o concurso do sangue, do suor e do trabalho de nosso devir povo à “metafísica da ascendência” (Soares, 2014) e, por conseguinte, ao entreguismo das oligarquias corruptas e apátridas, que como eu disse e reitero, estão mancomunadas com o “imperialismo coletivo” (Amin, 2015) e a corporocracia transnacional, trabalhando incessantemente para a “privatização radical” dos nossos recursos pátrios – como aventa o artigo de opinião ‘Golpe legal’ abre caminho para ‘privatizações radicais’ no país, publicado no The Nation -, tais como foram as privatizações fraudulentas de uma parcela das ações da CVRD, em Maio de 1997, na gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), por uma bagatela em relação ao seu valor de capital e a privatização do campo de Carcará – alienada para a norueguesa Statoil - na atual administração (reforço: golpista e interina!) Temer, por apenas 10% do valor negociado, segundo a Federação Brasileira de Geólogos (Febrageo), frequentemente com o respetivo enriquecimento criminoso de agentes políticos, operadores da burguesia [trans]nacional e seus asseclas, na “noite de horrores neoliberal” – como indica o Presidente do Equador, Rafael Correa (Alianza País), em Equador: Da noite neoliberal à Revolução Cidadã (2015) - nos idos da década de 1990, enfaticamente no Brasil e na América Latina.

 

Conclusão

 

Dessa forma, Policarpo Quaresma executado nos calabouços da Ilha das Cobras é a imanência povo, o devir povo ou o povo porvir que se insurge em um devir histérica, retomando-se o discurso da histérica, dentre os quatro discursos lacanianos no Seminário XVIII (1992), perigando as relações despóticas entre o senhor (soberano, capital, imperialismo) e o escravo (homo sacer, vida nua, trabalho vivo) que grita basta! Recusando-se ao gozo (no trabalho) do escravo para satisfazer o mais-de-gozar (mais-valia) do mestre, sob o estado de sítio da ditadura do capital (trans)nacional (transcendência) sobre o trabalho (imanência) na periferia do sistema mundo, instaurando um “fascismo” contra as alteridades que compõem um excluído coletivo tiranizado pelo império da civilização burguesa nos trópicos ou tupiniquim.

 

Por fim, ao analisar o romance Triste fim de Policarpo Quaresma (2008), partimos de uma perspectiva socioeconômica e histórica que desvela o inconsciente social da Primeira República, evidenciando a relação capital x trabalho. O estado de exceção de ontem, no regime da República da Espada, é o mesmo de hoje, o do golpe de Estado contra a gestão petista, democraticamente eleita por 54 milhões de votos, ou seja, é um estado de exceção do capital contra o trabalho, do imperialismo (e da oligarquia) contra a imanência povo, o personagem coletivo do excluído, o povo do porvir.

 

REFERÊNCIAS

 

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- Vinícius de Aguiar Caloti. Graduado em Ciências Sociais e graduando em Filosofia pela UFES. Professor da escola pública básica. Email: aguiar0caloti@gmail.com

 

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