Análise de Conjuntura – agosto 2008

19/08/2008
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Apresentação

Nesse tempo de olimpíadas, os olhos do mundo se voltam para a China, cuja demonstração de força vai muito além das medalhas de ouro. De repente, o mundo toma consciência de que o Ocidente já não tem mais a hegemonia mundial, pois agora o Oriente (China, Índia, Japão e os tigres asiáticos) volta a ter pelo menos tanto peso quanto teve até o século 19, quando foi submergido pelo capitalismo industrial. Essa passagem de um mundo conduzido pelos EUA e União Européia, para um mundo efetivamente bipolar, está sendo traumática. Percebem-se prenúncios de um novo conflito mundial, os países ricos endurecem a bem de seus interesses, e a crise econômica dos EUA favorece a especulação financeira. Na periferia do mundo, a América Latina ensaia construir uma nova sociedade, mas os “donos do poder” tudo fazem para evitar mudanças. No Brasil, é hoje bem claro esse embate entre a vontade de transformação social e a resistência das antigas estruturas nos privilégios assegurados pelo poder judiciário, o esquecimento da tortura e a criminalização dos movimentos sociais. São os temas desta análise de conjuntura, que termina com um apanhado do que vai pelo Congresso.


I . Prenúncios de um novo conflito mundial

É evidente o clima de instabilidade mundial, cujas causas devem ser buscadas na derrota da antiga URSS, em 1991, pois o fim da guerra fria não levou a um acordo de paz que definisse as regras da nova ordem mundial imposta pelos vitoriosos, como acontecera após as duas Guerras Mundiais. Essa instabilidade vem à tona na medida em que os EUA deixam de ser a única potência hegemônica. Na atual conjuntura, sobressaem a guerra da Geórgia, as ameaças sobre o Irã, e o impasse nas negociações da OMC e a exclusão de migrantes pela União Européia.


Guerra na Geórgia[1]


Em abril a Otan reconheceu a aspiração da Geórgia de participar daquela aliança militar, apesar da oposição explícita do governo russo. Em julho de 2008 a Secretária de Estado Condollezza Rice foi à Geórgia para um exercício militar conjunto do exército norte-americano com as tropas da Geórgia, Ucrânia, Armênia e Azerbaijão, realizado na Base Aérea de Vaziani, que havia pertencido à Força Aérea Russa até 2001. No dia 8 de agosto as Forças Armadas da Geórgia atacaram a província da Ossétia do Sul, que ficou sob o protetorado russo. Ali, como na Abcázia há forças civis e militares que querem manter-se integradas à Rússia. A resposta russa foi surpreendente: em poucas horas cercou, dividiu e atacou - por terra, mar e ar - o território da Geórgia, demonstrando sua decisão política e organização militar. Entregue às próprias forças por seu aliado Bush, a Geórgia hoje chora pelo menos dois mil mortos e vinte mil desabrigados.


Essa reação fulminante não é apenas uma demonstração de solidariedade étnica de Moscou à população russa das duas províncias. É preciso lembrar que a grande derrota da URSS na guerra fria residiu no fato de que os EUA, apoiados pela União Européia, promoveram a autonomia dos países da antiga zona de influência soviética e o desmembramento do antigo império russo. Depois de assegurar a independência da Letônia, Estônia e Lituânia, seguindo-se Ucrânia, Bielorússia, os Bálcãs e o Cáucaso até os países da Ásia Central, os EUA expandiram a Otan na direção leste e, mais recentemente, apoiaram a independência do Kosovo e aceleraram a instalação do seu "escudo antimísseis" na Europa Central. Tudo isso sem levar em conta que a maior parte destes países pertenceu ao território russo durante os últimos três séculos. O Império Russo, construído no Século 18 por Pedro o Grande e Catarina II, foi consolidado pela política stalinista de deslocamento de populações, que deixou as sementes dos atuais conflitos étnicos. Durante o período soviético, o território do antigo império chegou a abrigar 300 milhões de habitantes, sendo a segunda maior potência militar e econômica do mundo. Após sua derrota na guerra fria, a Rússia perdeu 5.000.000 km2 e 140 milhões de habitantes.


É preciso ter em conta que os grandes vitoriosos de 1991 não foram apenas os EUA, mas também a Alemanha e a China, que ainda estão a "digerir" os territórios e zonas de influência que conquistaram na Europa Central, e no Sudeste Asiático e África, respectivamente - o que assegurou aos EUA uma hegemonia inconteste. Enquanto isso, a Rússia - que guarda seu armamento atômico, seu potencial militar e econômico e o desejo de revanche - toma a decisão de retomar seu lugar na hierarquia do poder mundial. A grande perdedora da guerra fria será a grande questionadora da nova ordem mundial, a menos que as demais potências satisfaçam seu apetite imperial. Se esta análise está correta, a atual guerra na Geórgia é um prenúncio do que será o século 21.


Irã, aproxima-se a guerra?

Há anos a situação é tensa, e está piorando pois aumentam os riscos de um bombardeio. O Irã recusa-se a abrir para a Agência Internacional de Energia Atômica o seu programa nuclear. O regime dos aiatolás diz que tem direito de se defender (eufemismo que significa ter armas atômicas) e pouco depois diz que só lhe interessa ter energia nuclear (sem fins militares). O serviço secreto de Israel - talvez o mais eficiente do mundo - conhece bem o desenvolvimento do programa nuclear de Teherã. Se houver real ameaça à sua hegemonia, Israel - que já dispõe de armamento nuclear ofensivo - bombardeará as usinas iranianas, pois sabe que terá o apoio irrestrito dos EUA. As últimas discussões, em julho não apaziguaram o ambiente e muitos analistas consideram que Israel já se decidiu pela guerra. - com a aprovação do presidente Bush.


Em caso de guerra, haverá retaliação de parte do mundo muçulmano contra israelenses e estadunidenses. Milhares de jovens, prontos para morrer, poderiam assumir a Jihad - a guerra santa -levando todo o Oriente Médio a um estado de ebulição. Além disso, o estreito de Hormuz seria fechado, o que jogaria o preço do petróleo nas alturas.


A renúncia de Ehoud Olmert em setembro aumenta a tensão, pois poderá ser eleito o ex-premiê Benjamin Netanyau, que já prometeu bombardear as instalações nucleares do Irã. Nesse contexto, fica evidente o teor da recente ameaça russa aos EUA: se estes enviarem tropas para a Geórgia, não contarão mais com sua boa-vontade em relação ao desarmamento nuclear do Irã...


Impasses nas relações Norte-Sul


Em julho, Pascal Lamy, diretor geral da OMC, reuniu em Genebra os representantes dos 40 países com maior peso no comércio mundial, para salvar a rodada de Doha. Lançada em 2001 como um avanço na solidariedade mundial, ela estava praticamente bloqueada há cinco anos, quando fracassou o encontro dos 152 países membros, em Cancun, para estabelecer o marco das negociações. A tentativa de alcançar maior entendimento diminuindo o número de interlocutores, porém, foi inútil. Essa seleção de fato deu a palavra aos mais ricos e silenciou os mais pobres.


Até a criação da OMC, em 1994, as rodadas comerciais concerniam 30 ou 40 países, que comerciavam algumas centenas de produtos. A globalização, o aumento dos países membros e o peso crescente dos paises emergentes mudaram a natureza das negociações e tornaram muito mais difícil qualquer acordo. Agora são 153 paises que trocam milhares de produtos. Estão em jogo produtos agrícolas (8% das trocas), industriais (72%) e os serviços (20%). Os países emergentes querem proteger sua indústria e seu setor de serviços (incluem educação, saúde, seguros, transportes, informática, entretenimento...) por serem ainda frágeis. Já os países ricos não abrem mão dos subsídios agrícolas, alegando a necessidade da segurança alimentar.


Aos poucos, os países ricos mudaram de opinião quanto aos acordos de livre comércio. Ontem o jogo comercial era de “ganho mútuo”: todos ganhavam, mesmo se os ricos ganhassem mais que os pobres. Hoje o jogo é de “soma zero”: o ganho de um é a perda do outro. Por isso, há quem proclame trabalhar para o sucesso de Doha quando de fato aposta no seu fracasso.


A posição do Brasil, que abandonou o seu papel de liderança no G-20 e os acordos internos do Mercosul em função dos seus próprios interesses, será certamente criticada por seus parceiros. Ao assumir uma atitude isolada -o ministro Celso Amorim disse “não queríamos ser reféns da Argentina” - deu um passo atrás na consolidação do Mercosul.


Os países mais pobres são os principais perdedores. Correm o sério risco de terem que enfrentar violentas guerras comerciais onde as tarifas são a arma, ou acordos bilaterais nos quais os mais ricos impõem cláusulas que só lhes beneficiam.


No mesmo sentido deve ser interpretada a recente diretiva do retorno pelo Parlamento Europeu. Uma diretiva européia é uma lei aprovada por todos os países membros da União e prevalece sobre as leis nacionais. Apesar da ampla mobilização da sociedade civil européia, a diretiva do retorno foi aprovada no dia 18 de junho com 367 votos a favor, 206 contra e 109 abstenções. Ela pretende harmonizar as legislações nacionais sobre as condições nas quais os imigrantes irregulares devem ser detidos e “reconduzidos” (ou seja, expulsos). Ao contrariar os direitos humanos dos migrantes, o Parlamento Europeu - que encarna um ideal e goza de certo prestígio - se desqualificou.


A expulsão, no modo aprovado, é uma humilhação e uma violência. Acumulam-se os traumatismos: detenção e prisão; perda da moradia, do emprego e dos bens, separação dos cônjuges e dos filhos (inclusive crianças). Para quem é expulso, é uma negação dos laços com o seu meio: o país no qual esperava reconstruir uma nova vida o rejeita, repudia e abandona sem nada, no seu país de origem ou num país terceiro. A vergonha da expulsão pode impedir até mesmo a volta à família de origem.


Nas relações internacionais, no comércio mundial e na política migratória prevalece, cada vez mais, a “lei do mais forte”.


II. Recessão nos EUA, especulação e ganhos no cassino financeiro

O que acontece na economia depende cada vez mais da previsão dos tomadores de decisão - os operadores dos grandes fundos financeiros. Já em meados do século XX, J. K. Galbraith observava que a diferença entre o oráculo caldeu e o economista moderno era que as previsões de chuva ou seca do caldeu não influíam no clima. Isso explica por que a Casa Branca, o FED (banco central dos EUA) e os bancos centrais do Primeiro Mundo evitam reconhecer sinais de recessão e e socorrem pressurosos instituições financeiras que operaram de forma temerária e agora correm risco de falência.


O PIB dos EUA, pela primeira vez desde 2001, encolheu 0,2% no último trimestre de 2007. Por definição, “recessão” é a redução do PIB por pelo menos dois trimestres seguidos. Ora, há sinais de que isso já pode estar ocorrendo naquele país: (i) aumentam os pedidos de auxílio desemprego; (ii) no primeiro semestre deste ano o conjunto das 1200 maiores empresas passaram a valer 15% menos, caso fossem vendidas por seu valor de mercado. Isso se dá com o governo e o FED fazendo uma operação conjunta e harmônica de estímulo ao crescimento, na qual todas as alavancas macroeconômicas (tributária, creditícia, orçamentária) estão concertadas e ligadas num coquetel tonificante. O que ainda impede os Estados Unidos de caírem na recessão aberta é o setor externo: dada a desvalorização do dólar ante as outras moedas, suas exportações tornam-se mais baratas para quem compra. Mas essa desvalorização não pode continuar indefinidamente, sob pena de desorganizar o comércio internacional.


É verdade que a crise econômica dos EUA é hoje menos ominosa (nefasta) para a economia internacional do que teria sido anos atrás, por seu peso ser proporcionalmente bem menor. Realmente ominoso é que a vida de milhões de pessoas dependa - e cada vez mais - das apostas no que se tornou, sem metáfora, um cassino global. A economia real, que produz bens e presta serviços, está amplamente subordinada a decisões tomadas na área financeira e que só consideram as possibilidades de ganho. Decisões que se pautam por previsões o mais das vezes baseadas em previsões e estimativas de terceiros. Dois exemplos ajudam a entender o que se diz aqui.


A produção mundial de alimentos tem crescido mais que a demanda. Sim, há fome no mundo. Sim, o Primeiro Mundo subsidia sua agricultura e isto prejudica o Terceiro. Mas a oferta cresce mais rápido que a procura. Do ponto de vista da economia real os preços deviam estar em baixa. Estão subindo por razões “de mercado”. A tensão no Oriente Médio, somada ao risco de furacões vindos do Golfo do México em áreas petroleiras do sudoeste dos Estados Unidos “devia” fundamentar previsões de alta de preços. De fato eles começaram a baixar. A explicação é que “o mercado sentiu" que as chances de ganho neste campo se reduziam e, se retraiu dele. Mas o “mercado sentiu” porque os preços começaram a baixar.


x x x


Nesse contexto de instabilidade financeira, o Brasil continua tendo o único cassino onde a banca (no caso, o Banco Central) perde mais do que ganha. Alegando que os juros altos evitam inflação, o Brasil tornou-se o paraíso dos especuladores que trocam seus dólares em reais e os aplicam em títulos da dívida pública, para resgatá-los com grandes lucros e sem impostos. Apesar de seu elevado custo econômico e social (a dívida pública tem aumentado e a economia cresceu muito menos do que a de países emergentes com potencial equivalente ao nosso), essa política tem sido eficiente na contenção da pressão inflacionária porque provoca a valorização do real e isso barateia as importações. Por isso, nada indica que ela vá mudar: ao entregar a direção do Banco Central a Henrique Meirelles, o Presidente Lula deu-lhe o poder não só para definir a política monetária, mas também para fixar as metas da política macroeconômica no seu conjunto. A novidade, agora, é uma sutil autorização contida na Medida Provisória 435, ora enviada ao Congresso, para que o Banco Central opere também com derivativos cambiais e repasse seus resultados (perdas ou ganhos) ao Tesouro[2].


Essas operações de swap envolvem questões técnicas que só especialistas dominam. Podem então encobrir jogadas financeiras inescrupulosas sem serem percebidas pelos órgãos fiscalizadores. Mesmo correndo o risco de excessiva simplificação, convém saber o que está em jogo na Medida Provisória 435 que autoriza o swap.


O swap é uma aposta relativa à variação do câmbio e dos juros no futuro: ganha quem mais se aproxima da combinação dessas duas variáveis. Não é uma operação normal de política monetária por bancos centrais. Só o brasileiro e o mexicano o fazem. Não sendo regulamentada em lei, foi aprovada pelo Conselho Monetário Nacional - formado pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e o presidente do Banco Central. Ela foi introduzida pelo então presidente do Banco Central, Armínio Fraga, em 2002 - por coincidência, um ano eleitoral. Naquele ano os especuladores ganharam quase R$ 11 bilhões apostando na desvalorização do real. No conturbado processo de sucessão presidencial, o Banco Central não agiu conforme a receita ortodoxa de aumentar os juros, para evitar a sangria de reservas e estancar a desvalorização do real. Os especuladores em swap ainda ganharam muito dinheiro no início do Governo Lula, já que as operações haviam sido contratadas antes e não se pode alterar contratos. Recorde-se que a taxa de juros foi elevada para 26,5%, em janeiro e lá ficou até maio, quando o real iniciou um ciclo de valorização e foi contida a ameaça inflacionária. Em conseqüência, os especuladores em swap sofreram fortes perdas ao longo de 2003 (mais de R$ 15 bilhões), de 2004 (R$ 6 bilhões) e de 2005 (mais de R$ 2 bilhões). Como se explica que, ao configurar-se essa trajetória de prejuízos contínuos, eles não tenham caído fora do jogo?


Em fevereiro de 2005 o Banco Central mudou as regras do jogo: de agora em diante, pagaria o aumento dos juros (já em processo de alta) e ganharia com a desvalorização do real - o que se convencionou chamar de swap reverso. Dado o elevado patamar dos juros e a continuidade da valorização do real em 2006, o mercado ganhou e o Banco teve um prejuízo de mais de R$ 5 bilhões em swap reverso; em 2007, quase R$ 9 bilhões; em 2008, até março, de mais de R$ 6 bilhões. Nessa altura, teve início de novo um processo de aumento de juros, o qual resultará em novas perdas para o Banco, em especial se esse aumento refletir-se numa ainda maior valorização do real.


Contudo fica a pergunta: o que leva o mercado a apostar contra seus próprios interesses, se é o próprio Banco Central que define a taxa de juros, com influência decisiva sobre o câmbio? A resposta mais óbvia é: na medida em que uma parte do mercado estava perdendo em swap, por conta da valorização do câmbio, uma outra estava ganhando fabulosamente em termos patrimoniais, a partir das mesmas condições. Os contratos de swap, nesse caso, eram uma forma de minimizar perdas, se a situação se invertesse; contudo, o efeito da valorização do câmbio sobre empresas altamente endividadas em dólar foi tão grande que, em muitos casos, pode ter mais do que compensado as perdas em swap - o que explica o intrigante silêncio do mercado em relação a tais perdas.


Recorde-se, para citar apenas um exemplo, que os principais grupos brasileiros de mídia, altamente expostos no endividamento em dólar, e que levaram o tremendo impacto da desvalorização brutal do real em 1998/99, logo na inauguração do Governo Lula acorreram ao BNDES com uma solicitação de socorro. Alguns pareciam prestes a quebrar - e não eram grupos inexpressivos, contando-se entre eles o Sistema Globo, o Grupo Abril e o Grupo Estadão. Não houve o socorro solicitado, apesar de um início de discussões. Passado um tempo, eles não voltaram ao Banco, mas tampouco quebraram. Simplesmente foram salvos pela valorização contínua do real nos meses e anos seguintes, o que reduziu suas dívidas em dólar a quase um terço. Isso tornou a grande mídia brasileira aliada indissociável da política de valorização do câmbio. Se o mercado especulativo estava na outra ponta, apostando na desvalorização, pior para ele. Ou, simplesmente, eram operações de hedge que se cobriam, como dito acima, pelo próprio efeito da valorização do câmbio.


Na verdade, o swap é apenas um jogo sobre variações de câmbio e de juros, no qual o Banco Central brasileiro, ao contrário de todos os bancos centrais do mundo, é uma parte ativa. Matematicamente, poderia ser representado pelo jogo de dados no qual o dado é viciado. Mesmo que não queira controlar diretamente o câmbio, o Banco Central controla os juros; e, indiretamente, pelos juros, controla também o câmbio. A rigor, quando opera contratos swaps, o Banco Central decide se quer perder ou ganhar. É claro que o Banco Central não tem poder suficiente para sozinho definir o câmbio, mas o mercado tem menos ainda. Se o mercado, mesmo sabendo dessa posição privilegiada do Banco Central, insiste em jogar, é porque tem razões para acreditar que o Banco Central arbitrará o próprio prejuízo.


Resumindo, o presidente da República assinou uma MP que legisla sobre operações com swaps cambiais. Se tal medida não for urgentemente revista, estará dando ao Banco Central do Brasil o poder de realizar despesas de qualquer magnitude sem consulta prévia ao Congresso Nacional e com efeitos nefastos sobre o conjunto da economia, na medida em que pressiona ainda mais para a realização de elevados superávits primários.


III. Tensões e novidades na América Latina

Os povos originários, há cinco séculos submetidos ao domínio europeu que hoje perde sua hegemonia mundial, ressurgem hoje como protagonistas de uma sociedade alternativa. Sendo este processo histórico de longa duração, ainda é cedo para fazer um prognóstico de seus resultados, mas já é possível vislumbrar algumas mudanças estruturais bem como a reação dos antigos “donos do poder”. Examinaremos aqui o desenrolar desse processo no Equador, Argentina, Bolívia e, mas detalhadamente, no Brasil.


Equador: Nova Constituição


No dia 24 de julho, depois de 8 meses de debate, a Assembléia Constituinte aprovou, por 94 votos contra 24, a nova Carta Magna, que representa um grande passo para a integração e soberania do país. Há mudanças importantes nos principais campos da vida do país. Eis algumas. 1) economia: o Estado reforça o seu controle; o Banco Central perde sua autonomia. 2) política: o Congresso pode demitir o Presidente e vice-versa, com a aprovação da Corte Suprema. 3) social: saúde e educação gratuitos são obrigação do Estado. Serviços de água e esgoto serão públicos. 4) meio-ambiente: há um capítulo específico sobre os direitos da natureza. 5) cultura: o Estado é único e pluri-cultural (3 línguas oficiais). 6) democracia participativa: há um novo poder chamado Transparência e Controle Social, com conselhos de direitos e poder de fazer auditorias nos vários níveis eleitos. 7) soberania: os recursos naturais são propriedade do Estado. Os benefícios da sua exploração não podem ser maiores para as empresas do que para o Estado. Bases militares estrangeiras são proibidas.


Esse é um passo decisivo para termos nossa segunda e definitiva independência” disse o presidente Correa. Essa mudança deve ser situada na onda de organização e expressão dos povos indígenas nos países andinos. A nova Constituição será submetida a referendo popular no dia 28 de setembro, e apesar de pesquisas de opinião indicarem um índice de aprovação de 49%, é grande o número de indecisos (44%), entre outras razões devido à oposição da Igreja católica, que vê nela uma porta aberta para o aborto, o ensino laico e a legalização de uniões homossexuais.


Argentina: agronegócio enfrenta e vence o governo

Em março, a Casa Rosada decretou uma medida para aumentar as taxas (“retenções”) às exportações de soja e trigo. Essa medida deslanchou um inesperado conflito entre o governo e os grandes empresários do agronegócio, em seguida apoiados por pequenos e médios proprietários rurais e parte das classes média e alta urbanas. Os empresários rurais impuseram uma série de lockouts e fecharam rodovias provocando desabastecimento parcial nas grandes cidades. Milhões de litros de leite foram derramados nas ruas e retidos caminhões de alimentos, enquanto no país ainda morrem de fome 25 crianças por dia.


A Presidente Cristina Kirchner prometeu não voltar atrás na medida que desestimulava as exportações de alimentos para aumentar a oferta interna e baixar seu preços. A situação chegou a um impasse, aumentando a insatisfação popular tanto contra os empresários da alimentação como contra a Presidente, cuja imagem sofreu profundo desgaste. A poderosa mídia privada foi dura nas críticas a ela.


A onda de protesto populares contra o aumento dos preços da alimentação (quase 20% em três meses) não significou, porém, apoio ao governo. Muitos movimentos sociais e populares, mesmo concordando com as “retenções”, se recusaram a participar do ato de apoio ao governo, no dia 18 de junho, para não colocar-se ao lado de entidades corruptas como o Partido Justicialista (de Menem) ou a Confederação Geral do Trabalho. Para a esquerda, a medida era tímida demais e não alterava a estrutura agro-exportadora da economia. Diante do impasse, a medida foi levada ao Congresso Nacional, onde a mudança de posição do vice-presidente deu a vitória aos ruralistas e à política do lucro máximo, sem preocupação com a fome do povo. Os ruralistas já prometem outros confrontos com o governo para conseguirem mais benefícios.


Bolívia: um país e várias nações


No dia 10 de agosto houve um plebiscito nacional e nove plebiscitos departamentais, revogatórios (para manter ou tirar mandatos eletivos). O “referendum revogatório”, como foi chamado, ratificou o mandato do Presidente da República, assim como de cinco dos oito governadores do país. Enquanto a região ocidental do país, que apóia Evo Morales, propõe buscar a unidade dos povos bolivianos, na região oriental, mais rica e onde é forte a oposição, a mensagem foi carregada de racismo, separatismo e violência.


Eleito Presidente em dezembro de 2005, Evo Morales nacionalizou a exploração dos hidrocarburetos e recursos minerais; recuperou empresas em processo de privatização, iniciou a reforma agrária, favoreceu a articulação dos povos indígenas e inovou nas políticas de educação, saúde, atenção à infância e à velhice. Até então as grandes empresas de petróleo e gás recebiam 82% dos frutos da exploração e o Estado 18%. O presidente inverteu as proporções. Convocou também uma Constituinte que aprovou a nova Carta em novembro de 2007.


Esta Carta significa uma profunda mudança na organização do país. Pela primeira vez desde 1825 a Carta foi aprovada com a participação dos povos indígenas. A Bolívia se define como Estado Multinacional, no qual todas as nações do país são reconhecidas e seus direitos respeitados. Isso significa o fim do hegemonia política, econômica e cultural dos q’aras (descendentes de espanhóis), que exercia o poder em todos os setores do país e trata os indígenas com desprezo. Algo próximo de um apartheid sócio-cultural, onde os q’aras se comportam como se fossem os donos do país. Por isso, em Santa Cruz chamam o presidente de “índio maldito”.


O país vive um conflito profundo. A elite racista não admite conviver com outros povos e nações em pé de igualdade sócio-cultural. Até onde os que se consideram “donos” vão provocar a legítima autoridade de Morales, e puxarão o levantamento anticonstitucional, com o risco do confronto violento e da divisão do país? Brasil, Paraguai, Argentina, Chile e Peru têm a responsabilidade de não deixar o país vizinho afundar nas mãos desses grupos.


A reação dos antigos “donos do poder” não ocorre só na Bolívia. Noutros países andinos e centro-americanos há uma reação semelhante - com o apoio mal disfarçado dos EUA - contra o processo de organização dos povos indígenas, que, pela via institucional os levou à conquista do poder no Equador e na Bolívia. Os “donos” dos países - grandes latifundiários e empresas nacionais ou internacionais - temem o que chamam “ameaça à democracia”, isto é, a perda do controle sobre os recursos minerais para um Estado soberano.


Brasil: a busca da verdade e a blindagem jurídica

Operação Satiagraha

A Polícia Federal promoveu uma grande investigação para combater o desvio de verbas públicas, a corrupção e a lavagem de dinheiro. Iniciada em princípios de 2004, envolveu cerca de 300 policiais, que cumpriram 24 mandados de prisão e 56 mandados de busca e apreensão expedidos pelo juiz federal Fausto de Sanctis. Seu resultado até agora foi a prisão de banqueiros, diretores de banco e investidores, entre os quais o banqueiro Daniel Dantas, sua irmã Verônica, o especulador Naji Nahas, seu filho Fernando e o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta. Foram encontradas duas organizações distintas, ambas voltadas para crimes financeiros.


A novidade dessa operação foi o fato de ela se ocupar em descobrir corruptores, sem se limitar em buscar corruptos. Logo que foi preso pela segunda vez, Daniel Dantas disse ao delegado Protógenes:“vou contar tudo sobre minhas relações com a política, com os partidos, com os políticos, com os candidatos, com o Congresso ... tudo sobre minhas relações com a Justiça, sobre como corrompi juízes, desembargadores, sobre quem foi comprado na imprensa”. As investigações foram supervisionadas pelo Procurador Rodrigo de Grandis.


No dia seguinte às prisões o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, decidiu adiar a decisão sobre a liminar de hábeas corpus que pedia salvo-conduto para impedir a possível ordem de prisão ou de busca e apreensão contra Daniel Dantas e solicitou informações à 6ª Vara Criminal de São Paulo mais informações sobre o caso. Este pedido de hábeas corpus fora impetrado em junho e ainda estava sob análise do relator sorteado, o Ministro Eros Grau, que entrou em férias. Aproveitando a oportunidade, os advogados de Dantas conseguiram fazer com que o pedido de liminar caísse no plantão do Ministro Gilmar Mendes, que o concedeu por duas vezes em 48 horas.


A Operação Satiagraha desencadeou múltiplas polêmicas: no Poder Judiciário, na OAB, na associação de magistrados, na Polícia Federal, no governo federal, na mídia e na própria sociedade. A questão fundamental diz respeito às relações entre classe social e as decisões da Justiça, passando por questões menores como o uso de algemas nas ações de prisão e a divulgação de operações policiais pelos meios de comunicação. O presidente do STF declarou recentemente[3] que “o sistema (Judiciário) todo, na verdade, só funciona para quem pode pagar. É como o sistema de saúde.”


O fato de aparecer o nome do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh como advogado de Daniel Dantas constrangeu movimentos sociais, militantes de Direitos Humanos, entidades e agentes de Pastoral, por ter ele defendido causas relacionadas aos Direitos Humanos, como presos políticos dos anos 70, o Projeto Brasil Nunca Mais, os padres franceses, Santo Dias, Chico Mendes, o índio Galdino, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, e familiares dos desaparecidos políticos do Araguaia.


Tortura: uma herança maldita


A tortura de prisioneiros como meio de obter informações é certamente o pior legado dos governos militares. A alentada pesquisa realizada pelo jornalista Elio Gaspari, nos arquivos do Gen. Golbery e complementada por entrevistas com pessoas que lhe eram próximas, resultou em quatro livros onde narra o que se passava nos bastidores da ditadura. Um dos temas ali desenvolvidos foi a prática da tortura a presos políticos como política de Estado, particularmente entre os anos de 1969 a 1977. A ampla documentação a que ele teve acesso mostra que os torturadores (inclusive civis, como o delegado Fleury) cumpriam determinações dos comandantes militares. Desde o fim da ditadura até hoje têm sido divulgados muitos depoimentos de pessoas torturadas, seus familiares e mesmo entrevistas com antigos colaboradores na tortura. Tantos são os testemunhos, que hoje não se discute mais sua fatuidade. O que está em debate é o destino a ser dado a esse legado da ditadura, que - mesmo sendo definido como crime hediondo - continua sendo praticado em nossas delegacias policiais.


O tema retornou à conjuntura por iniciativa dos ministros Tarso Genro, da Justiça, e Paulo Vanucchi, secretário de Direitos Humanos, que pedem a condenação dos torturadores. A reação dos militares foi imediata, alegando que a lei de anistia já colocou um ponto final na questão. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, endossou essa posição e transferiu a discussão para o poder judiciário, onde os juristas poderão discutir por anos a fio se os “crimes conexos” de que fala a lei da anistia incluem ou não a tortura e a ocultação de cadáver.


A dimensão realmente relevante dessa questão, porém, não reside na punição penal de quem praticou aqueles crimes, mas sim na valorização da memória nacional e na consolidação da imagem das nossas Forças Armadas. A sociedade brasileira quer saber o que de fato aconteceu durante a ditadura: quem, a mando de quem, cometeu os crimes de tortura e ocultação de cadáver. É preciso que se conheça o envolvimento dos militares com esses crimes, para que seja exorcizado o passado, sejam dados os nomes de quem ordenou ou autorizou tais atos, de modo que eles não sejam mais genericamente imputados ao Exército, à Marinha e à Aeronáutica. Os atuais comandantes militares não deveriam ser obrigados a carregar essa herança maldita da ditadura, como se tivessem sido com ela coniventes. O Brasil precisa confiar em suas Forças Armadas, mas como fazê-lo, se os militares teimam em defender uma posição moralmente indefensável? Por quanto tempo os atuais comandantes continuarão reféns de criminosos acobertados por seus superiores e cúmplices? O desconforto e a irritação dos comandantes militares com a tortura e a ocultação de cadáveres nos porões da ditadura mostram que eles ainda não se livraram dos DOI-Codi, da OBAN e outras siglas que por mais de quinze anos aterrorizaram a sociedade brasileira.


Terra Indígena Raposa Serra do Sol no STF

Os povos indígenas Macuxi, Wapichana, Taurepang e Ingaricó, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, protagonizam uma luta de mais de 34 anos em busca do reconhecimento e demarcação de suas terras tradicionais. Durante esse período contaram com o decidido apoio da Igreja local, notadamente seus bispos, a Missão Consolata e os missionários do Cimi. No dia 2 de julho último, o próprio Papa Bento XVI afirmou a representantes indígenas que “faremos o possível para manter a sua terra”, prometendo apoio à sua reivindicação para que a demarcação seja mantida sob a forma de terra contínua.


A Terra Indígena Raposa Serra do Sol passou por todo o processo de estudo antropológico e histórico, teve os questionamentos dos invasores devidamente respondidos durante o processo de demarcação, foi finalmente demarcada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2002, e homologada pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva em abril de 2005.


Os invasores de boa fé, pequenos e médios, foram retirados e reassentados em outras áreas de Roraima, devidamente indenizados por suas benfeitorias. Quem se recusa a deixar a área é o grupo de cinco grandes arrozeiros, apoiados por políticos, militares e pelo governador do estado.


Em abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal mandou suspender a Operação da Polícia Federal que visava retirar os grandes invasores daquela terra indígena e irá decidir, no próximo dia 27 de agosto, a respeito da constitucionalidade da homologação feita.


É de grande importância este julgamento porque, como o caso ganhou notoriedade nacional e internacional, uma eventual anulação da homologação faria retroceder décadas de lutas dos povos indígenas e abriria um sério precedente, levando a insegurança a todas as terras indígenas já demarcadas e homologadas no país, com repercussão também nas terras quilombolas, de outras comunidades tradicionais, de agricultores familiares e, inclusive, em áreas de proteção ambiental já reconhecidas.


Criminalização dos movimentos sociais

Em março deste ano o Ministério Público Federal de Carazinho, Rio Grande do Sul, ingressou com uma ação criminal, aceita pela Justiça federal, contra oito integrantes do MST por delitos previstos na Lei de Segurança Nacional de 1983, do final da ditadura militar. Eles são acusados de promover a criação de um Estado paralelo, utilizar táticas de guerrilha rural, ignorar a legitimidade da Brigada Militar e receber apoio de organizações estrangeiras (v.g. a Via Campesina e as Farc). As penas máximas totalizam 30 anos de reclusão.


Esta ação penal divulgou a existência de três documentos secretos utilizados como provas contra os acusados. O primeiro deles, intitulado “Situação do MST na região norte do RS”, de maio de 2006, elaborado pela Brigada Militar do RS, mostra que movimentos sociais da Via Campesina são alvos de investigação dos serviços secretos da polícia e acusados de criar uma “zona de domínio” territorial no sul do Brasil.


O segundo documento, elaborado pelo serviço secreto da Brigada Militar, conclui que a atuação da Via Campesina - em especial o MST - afronta a ordem pública e a ordem constituída, caracterizando-os como movimentos usam os atos de reivindicação social para encobrir ações criminosas. Esse documento mostra que a atitude violenta da Polícia Militar deve ser entendida como se estivesse em guerra contra um “inimigo interno”.


O terceiro documento revela em seu relatório conclusivo, o conselheiro-relator Procurador Gilberto Thums considera o MST “organização criminosa”, critica a “complacência do poder público” e propõe a “dissolução do MST e a declaração de sua ilegalidade”. Consequentemente, propõe “suspender marchas”, “investigar os integrantes de acampamentos e a direção do MST pela prática de crime organizado”, “intervir nas três escolas do Movimento”, “desativar os acampamentos usados para a invasão de propriedades”, “investigar assentamentos do Incra ou do estado do Rio Grande do Sul” e, por fim, a “formulação de uma política oficial do Ministério Público com a finalidade de proteção da legalidade no campo”.


Essas propostas não ficaram no papel. Ao contrário, nos últimos meses intensificaram-se as ações visando impedir marchas ou proibir seu ingresso na Comarca de Carazinho, cancelar títulos eleitorais, retirar crianças de marchas, e solicitar despejos de acampamentos. Na prática, tais ações criaram zonas especiais, aonde estão suspensos o direito de ir e vir e o direito de reunião e manifestação, dentro do objetivo maior de “desmontar” o MST e a Via Campesina.


A estratégia de criminalização dos movimentos sociais, que já vinha sendo delineada desde o segundo governo FHC, toma agora uma dimensão jurídica e policial. Há razões para crer que não se trata de uma atitude isolada do Ministério Público de uma pequena comarca gaúcha, mas pela repercussão dada na mídia nacional, a primeira etapa de um processo que poderia fazer espalhar-se pelo país a repressão aos movimentos sociais. Estaríamos, então, voltando aos tempos do poder oligárquico da República velha, na qual questão social era questão de polícia.


É preciso ter em conta que os movimentos sociais do campo ganharam projeção nacional pela defesa dos territórios e formas de produção tradicionais; pela reivindicação da Reforma Agrária; pela defesa do meio ambiente, contra o uso de sementes transgênicas e as plantações homogêneas de eucalipto; contra a construção indiscriminada de barragens; pela revitalização do rio São Francisco e contra a transposição e suas águas, e outras causas. Quando muitas vozes são silenciadas pelas benesses do Estado, esses movimentos sociais tornaram-se particularmente incômodos. Mas tratá-los como criminosos é a pior maneira de lidar com eles, ainda que tais movimentos por vezes realizem ações que dão ensejo para a sua criminalização.

IV. Notícias do Congresso Nacional


Eleições


Apesar de serem dois aspectos bem distintos, o Congresso e as eleições estão intimamente relacionados. Basta averiguar que 200 parlamentares são candidatos nas eleições de outubro; por este fato, o Congresso está praticamente em recesso. No mês de agosto a Câmara só funcionou nas duas primeiras semanas e em estilo precário; as votações são, em princípio, sobre temas não conflitivos. O senado funcionará, conforme decisão dos seus líderes até o momento.


Algumas características específicas têm sido mais acentuadas neste processo eleitoral: o “olho grande” está mais fixado em 2010, sobretudo mediante o crescimento da popularidade do Presidente, conforme as pesquisas. Nesta trilha, têm acontecido alianças esdrúxulas: do PSDB com o PT em várias cidades, PDT com o DEM... O fato revela como nossos partidos políticos estão fragilizados e carentes de um projeto maior de sociedade. Por isso mesmo, se torna ainda mais urgente uma Reforma Política que alimente o senso da cidadania e a democracia.


Na realidade, a Reforma Política continua como um grande desafio, não só no campo eleitoral. A ebulição em torno desta Reforma no Congresso Nacional, há dois anos, parecia ter conseqüência, mas infelizmente não vingou. O Parlamento chegou a discutir projetos de lei interessantes. Algumas lideranças conseguiram motivar os movimentos sociais através de diálogos, se comprometendo em levar adiante suas propostas. Estes movimentos se articularam realizando assembléias nos estados da Federação; a OAB e a CNBB se mobilizaram com cartilhas populares para conscientizar o povo, mas o resultado foi pífio.


Agora é o Executivo quem toma a iniciativa e se empenha por novo passo. Em julho, o Ministério da Justiça e a Secretária Geral da Presidência fizeram uma convocação, em nome do Presidente, para elaborar uma proposta de Reforma a ser enviada ao Congresso. No entanto, somente três aspectos são colocados na mesa: financiamento público de campanha, fidelidade partidária e lista fechada de candidatos. O diálogo mostrou que os movimentos sociais não se satisfazem com uma reforma que só atenda a estes três pontos. Um elenco de outras temáticas foi apresentado, para além do processo eleitoral.


O deputado Mauro Benevides aconselha o Planalto a incumbir seu líder na Câmara da missão de, logo na volta do recesso, identificar o que os parlamentares esperam da reforma política, ao invés de remeter ao Congresso uma proposta já fechada. Ele reconhece que o Congresso tem se manifestado indeciso no cumprimento do encargo que lhe é inerente... Acontecerá algo neste campo?


Renegociação das dívidas agrícolas


Na primeira semana após o recesso, a Câmara aprovou a Medida Provisória que estabelece as regras para a renegociação das dívidas agrícolas. Um acordo entre governo e oposição permitiu a votação da matéria, que segue para análise do Senado. Foi considerada positiva a negociação: ”a mais abrangente que tivemos na história, afirma um deputado do núcleo agrário, num processo de muita consulta a entidades representativas de agricultores pequenos, médios e grandes”. Entre os pontos aprovados, os parlamentares destacam o que trata do Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (PROCERA).


Nossa Senhora Aparecida Padroeira do Brasil.


Foi arquivado o Projeto de Lei (PL) nº 2623/07, com objetivo de tirar de Nossa Senhora Aparecida o título oficial de Padroeira do Brasil. A Comissão de Educação e Cultura resolveu arquivar o PL. Os membros da Comissão receberam uma “carrada” de e-mails e abaixo-assinados de protesto. O autor do PL era um evangélico.


Reforma Tributária


A Reforma Tributária faz parte de um anseio de grande parte da sociedade. Há um consenso de que o brasileiro paga muito imposto, inclusive que os pobres pagam proporcionalmente muito mais que os ricos. Desde a Constituinte de 87/88 este assunto vem sendo discutido. Há mesmo vários projetos de reforma em circulação. Na reunião do Conselho Permanente, em junho, foi apresentada uma síntese da emenda constitucional em tramitação com profundas alterações no Sistema Tributário. De modo especial, aí foram mostrados os efeitos desta Reforma sobre o orçamento da Seguridade Social. A CNBB lançou uma nota, chamando a atenção para pontos fulcrais, por sinal muito bem recebida pela sociedade e por bom número de deputados. A Comissão Brasileira de Justiça e Paz tentou aprofundar a temática, e para tanto convidou o deputado Luis Carlos Hauly, um dos autores de propostas que levam em consideração vários aspectos fundamentais para uma reforma tributária que responda à ansiedade da população.


O encaminhamento da Reforma Tributária está parado, mas o presidente Lula não renunciou à idéia de realizá-la ainda este ano. O PMDB falou abertamente que não quer votar o projeto antes das eleições. Ainda são poucos os setores da sociedade mobilizados em defesa dos direitos sociais ameaçados de perderem verbas orçamentárias. A declaração da CNBB foi relegada a segundo plano pela mídia, mas chamou a atenção de outras entidades e despertou vários setores sociais. Em Brasília, o INESC tomou a iniciativa de difundir dados fidedignos sobre o projeto. No Rio, o CEBES (Grupo Brasileiro de Estudos Sobre a Saúde) organiza nos dias 4 e 5 de setembro um seminário sobre. “Seguridade social e cidadania: desafios para uma sociedade inclusiva”, cuja programação foi mudada por causa da declaração da CNBB.


Piso salarial dos professores


A lei que estabelece o piso salarial dos professores em R$ 950,00 foi sancionada em julho passado. Foi considerada uma vitória para o campo de educação, festejada pelos professores, sobretudo pelo Senador Cristovam Buarque, um dos autores do projeto. No entanto, vem sendo questionada por alguns governadores e pelo Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação. A crítica diz que a lei é inconstitucional e que o piso fixado está fora da realidade orçamentária de alguns estados. Diante disto, a Comissão de Educação e Cultura da Câmara elaborou uma nota, esclarecendo alguns pontos: o histórico do projeto foi avaliado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e o pagamento do piso está vinculado aos recursos do FUNDEB.


Reflexos da lei seca


A nova legislação contra o consumo de álcool pelos motoristas, Lei 11.705, chamada de Lei Seca, entrou em vigor em 19 de junho deste ano. Um mês após sua aplicação, os dados já estão apresentando resultados em várias áreas. Segundo o Departamento Nacional de Trânsito, a frota brasileira cresceu 8,3% e a quantidade de mortos caiu 14,5% em relação à mesma época de 2007. Pela primeira vez, em quatro anos, a Polícia Rodoviária Federal registrou número menor de mortes em rodovias federais durante o mês de julho, período de férias escolares. O impacto positivo da redução dos acidentes de trânsito também teve sua repercussão na saúde pública, comemorado pelo Ministério da Saúde.


Presença da 4ª. Frota dos EUA no Atlântico Sul


A presença da 4ª. Frota dos EUA no Atlântico Sul respingou fortemente no Congresso como preocupação maior. Vários parlamentares se pronunciaram vivamente. O Senador Pedro Simon foi mais longe, fazendo uma interpretação e tomando providências. Disse que era uma coincidência preocupante para o Brasil o fato de ter havido a descoberta de petróleo na costa brasileira e, no mesmo período, a 4ª. Frota da marinha norte-americana posicionar-se no Atlântico Sul, 58 anos depois de ter sido desativada. Um grupo de senadores, seguindo uma proposta do senador gaúcho, elaborou uma carta aos candidatos à presidência americana. Esta carta foi levada ao embaixador americano no Brasil, explicitando os protestos dos brasileiros e brasileiras. Uma delegação do Parlamento do MERCOSUL tomou posição semelhante.


PEC do trabalho escravo


Tem havido muito empenho por parte de alguns parlamentares, em parceria com os movimentos sociais, para aprovar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC do trabalho escravo). Passou pelo Senado em 2003, foi aprovada em primeiro turno na Câmara em 2004 e continua esperando votação. A Constituição afirma que toda propriedade rural deve cumprir função social. Portanto, não pode ser utilizada como instrumento de opressão ou submissão de alguém. A escravidão contemporânea se caracteriza pela privação de liberdade e usurpação da dignidade - violação dos direitos humanos. A PEC 438 prevê confisco de terras onde for encontrado trabalho escravo e as destina à reforma agrária. Circula entre os movimentos sociais um abaixo-assinado pela urgente aprovação da PEC.


Projeto de lei de iniciativa popular


Continua com vento em popa o processo de assinatura para alterar a Lei Complementar que estabelece casos de inelegibilidade, prazos de cassação e outros, procurando incluir hipóteses de inelegibilidade para proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. Conforme entendimento do Movimento contra a Corrupção Eleitoral, embora o pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros tenha sido negado pelo STF, o processo de iniciativa popular não sofre prejuízo, já com mais de 100 mil assinaturas.


A AMB pleiteava junto ao STF o veto da candidatura de políticos que respondem a processo judicial ou não tenham sido condenados em definitivo. O julgamento durou quase oito horas e seu resultado contra a tese da AMB (9 a 2) vincula todas as instâncias do Judiciário, inclusive a Justiça Eleitoral, e a administração pública. A tese vitoriosa no STF defende que o Judiciário não pode substituir o Legislativo e criar regras de inelegibilidade não previstas na Constituição e na Lei Complementar sobre a matéria.


O MCCE em nota oficial defende que o STF tomou por base os marcos legais eleitorais vigentes. Por isso mesmo, considera oportuna e pertinente sua decisão ao apresentar à sociedade brasileira nova iniciativa popular de projeto de lei. O MCCE conclama a todos que intensifiquem a coleta de assinatura e enviem os formulários já preenchidos para Brasília.


Contribuíram para esta análise: Pe. Antonio Abreu SJ, Pe. Bernard Lestienne SJ,
Pe. José Ernanne Pinheiro, Paulo Maldos e Pe. Thierry Linard.


Pedro A. Ribeiro de Oliveira.


PUC-Minas e ISER-Assessoria -



[1] Tópico baseado num artigo de J. L. FIORI para o jornal Valor e reproduzido no IHU-online de 13/08/2008.

[2] Este tópico baseia-se em artigos de J.C. Assis, publicados no sítio Desemprego Zero.

[3] Cfr. (Folha de São Paulo,08/08/08)


https://www.alainet.org/es/node/129282
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