Análise de conjuntura - outubro 2003

27/10/2003
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Texto de estudo apresentado ao CONSELHO PERMANENTE -Não é documento oficial da CNBB - Brasília, 27 de outubro / 2003 Apresentação Aproximando-se o final do primeiro ano do governo Lula e elaborado o orçamento da União para 2004, já é possível definir as grandes linhas políticas do seu mandato. A menos que ocorram fatos hoje improváveis – como uma revolta popular similar à da Bolívia, ou uma grave crise externa – ele deverá pautar-se pelo projeto político de crescimento econômico. Anunciado desde o período eleitoral como condição indispensável à mudança de rumo na História do Brasil, ele tornou-se agora fim em si mesmo. Procuramos, nesta Análise, discernir (i) o que embasa essa opção e suas conseqüências, (ii) as reações dos movimentos sociais e (iii) suas implicações na política externa. Noutro tópico apresentamos uma apreciação de temas em destaque no Congresso Nacional. Crescimento econômico: o projeto pragmático do Governo Lula Ainda bem antes da posse, a fuga de capitais provocou uma gravíssima crise econômica, prenunciando a enorme dificuldade do Presidente Lula para governar o país. Para conquistar a confiança do mercado (ou seja, os detentores do grande capital financeiro, que comandam as principais transações e negócios do Brasil, inclusive sua dívida pública), foi preciso nomear um banqueiro provado para a presidência do Banco Central, aumentar e manter elevada a taxa de juros, aumentar o superávit primário, mostrar firmeza no encaminhamento de reformas que diminuem o déficit fiscal e, principalmente, assumir a responsabilidade pela recessão provocada por essas medidas. Essas medidas, aparentemente emergenciais, não foram revogadas. Elas configuram, portanto, a manutenção da política macroeconômica de integração da economia brasileira no mercado mundial, segundo os preceitos da globalização neoliberal. Apesar de evidentes e importantes diferenças, como o estancamento do processo de privatização de empresas estatais, uma política externa agressiva em defesa de nossos interesses comerciais e uma séria e sincera preocupação pela melhoria das condições de vida dos mais pobres, o Brasil continuará pagando uma parte substancial dos juros de sua dívida pública por meio do superávit primário. Isso significa que o Poder Público no seu conjunto (União, Estados e Municípios) deve arrecadar, em forma de impostos e taxas sobre pessoas físicas e sobre o setor privado, não só o suficiente para cobrir todos os seus gastos, como para pagar juros da dívida. No período Malan – FHC isso foi feito por meio da elevação dos impostos. Usando diferentes artifícios (os mais evidentes foram a manutenção da CPMF e das faixas do Imposto de Renda não corrigidas pela inflação), o governo fez superávit primário elevando o total dos impostos, taxas e contribuições de 27% para 38% do PIB (estima-se que neste ano essa transferência do setor privado para o público chegará a 39%). Fica difícil aumentar mais ainda os impostos, porque essa política agrava a recessão econômica e favorece a sonegação. Assim, o superávit primário tem que advir da economia nos gastos e investimentos públicos, e é o que o governo Lula tem feito. A conseqüência é uma recessão maior do que se previa. A economia nacional, medida pelo PIB, teve um crescimento pífio nos dois governos FHC e está ainda pior neste primeiro ano de governo Lula. Diante disso, "o espetáculo do crescimento" torna-se a prioridade maior do governo, porque o agravamento da recessão significa mais desemprego, miséria, deterioração da infra-estrutura, descontentamento dos setores médios, violência e muitos outros males sociais. Tudo está sendo feito dentro dos parâmetros do mercado para incentivar o crescimento econômico, exceto as medidas que viessem a contrariar o setor financeiro, como a baixa de juros reais(1) e o controle cambial. Neste contexto se explica a liberação dos transgênicos, cedendo à pressão do setor de agronegócio. Se essa política tiver êxito, como apontam os indicadores mais recentes, o Brasil retomará o crescimento econômico. Diante do quadro econômico tenebroso de 2002, isso representará um grande êxito para o governo Lula. Devemos, contudo, examinar seus custos sociais e políticos. Para cumprir seus compromissos financeiros e manter a atual política macroeconômica, o governo deve retirar da sociedade brasileira uma parte substancial do fruto do seu trabalho. Hoje isso significa algo como R$70 bilhões anuais, que não pagam sequer os juros da dívida pública (estimados em R$150 bilhões em 2003). Numa perspectiva muito otimista de crescimento econômico anual de 3,5 a 4,5% e desde que uma eficiente negociação com os credores mantenha os pagamentos nesse mesmo montante (sem vinculação obrigatória com o PIB), o governo terá a partir de 2005 mais recursos para investir na infra-estrutura e em programas sociais. Tudo correndo bem, o governo Lula poderá imprimir sua marca na História política brasileira pelo combate à corrupção e às violações de Direitos Humanos, pelo diálogo com a sociedade por meio de Conselhos, pelas novas relações internacionais, pelo apoio à agricultura familiar e, principalmente, por eliminar a fome de milhões de famílias empobrecidas. Foi certamente o pragmatismo político que impôs ao governo Lula essa opção(2) . Fica, contudo, a frustração de quem mais uma vez constata a força inercial da sociedade brasileira, que uma vitória eleitoral não consegue mudar. O acesso à terra, ao trabalho, aos bens econômicos e à participação política continua controlado por um pequeno mas sempre renovado grupo de ricos proprietários. Nesse sentido, a discussão sobre a Reforma Agrária anuncia-se como um teste decisivo para os rumos sociais do Governo Lula. Os Movimentos Sociais ainda esperam que neste campo ele mostre sua identidade popular e imprima uma nova direção para o futuro do país. A perspectiva dos Movimentos Sociais: o teste da Reforma Agrária Os indicadores econômicos positivos anunciam o fim do período "de vacas magras" e a retomada do crescimento industrial. Na contramão desse otimismo, entretanto, o relatório do Banco Mundial afirma que a América Latina aprofundou sua condição de região mais desigual em renda do mundo durante os anos 90, comprometendo qualquer esforço para a retomada de um crescimento sustentável. O Brasil, segundo as conclusões do estudo, "continua sendo o mais desigual da região mais desigual", só perdendo para cinco nações africanas. Aí estão as duas faces da sociedade brasileira, com o descompasso entre a opulência financeira e as condições miseráveis de 20% da população. O mais grave é que "a América Latina não saiu do lugar, em termos de pobreza e desigualdade, nos últimos 50 anos", quando houve "ciclos de forte expansão econômica e recessões; modelos de crescimento baseados no consumo interno ou nas exportações; intervenções do Estado e reformas liberais; ditaduras e democracias. Essas mudanças não modificaram em nada a situação de nenhum dos países em termos de distribuição de renda". Assim, "os 10% mais ricos da região detêm hoje 48% da renda total. Na outra ponta, os 10% mais pobres ficam com apenas 1,6% do bolo"(3) . Visto a partir dos movimentos sociais, o projeto de crescimento pode ser questionado pela concepção de cidadania, que supõe a inclusão social de toda a população nos seus benefícios. Esta não é uma concessão dos governantes, mas uma conquista que passa, necessariamente, pela força dos movimentos sociais. A realização processual da cidadania brasileira – o "projeto nacional popular" – mergulha suas raízes no século XIX e ganha consistência nos anos 1950 e 60. Abortado pelo golpe militar de 64, ele volta nos anos 70 com quatro "riachos" que convergem para um rio cada vez mais caudaloso: os movimentos estudantis, a reflexão dos intelectuais, as organizações sindicais no ABC paulista e a prática libertadora das comunidades eclesiais e das Pastorais Sociais. A criação da CUT, o nascimento do PT e a Constituição de 1988 têm aí antecedentes inegáveis. As eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998 opõem a esse projeto nacional popular o projeto de globalização neoliberal, nas três vezes vitorioso, mas os movimentos sociais conseguem colocar na pauta dos debates nacionais temas como a dívida externa e as dívidas sociais, a reforma agrária, as terras indígenas e a corrupção eleitoral. A Igreja contribuiu com as Semanas Sociais Brasileiras, os Plebiscitos Populares, a mobilização pela Lei 9840, os Encontros de CEBs, Romarias da Terra e da Água, e muitas outras iniciativas. Em 2002 o projeto nacional popular canaliza suas forças para disputar a Presidência da República. A eleição de Lula traz consigo a memória de 50 anos de organização popular e a expectativa de retomar a "construção interrompida" da cidadania que implica distribuição de renda, retomada do crescimento com abertura de novos postos de trabalho, reforma agrária, em suma, a diminuição das desigualdades sociais e regionais. A grande esperança que venceu o medo é, na verdade, o somatório das aspirações populares historicamente caladas e reprimidas. Após quase um ano de governo Lula, surge agora uma pergunta incômoda: onde está o projeto nacional popular? Entre a esperança e o medo, quem venceu quem? Por que o contingenciamento do orçamento, que ceifa os programas sociais, não se aplica também aos juros? Por que as reformas que respondem às exigências do ajuste fiscal recebem toda prioridade, enquanto a reforma agrária está em segundo plano? Os movimentos sociais oscilam entre a colaboração com o governo originário das mesmas lutas e projeto, e o distanciamento crítico que lhes permite denunciar os problemas da população brasileira e elevar o nível de conscientização e organização do povo. Haverá um meio termo? Será possível colaborar com os esforços governamentais sem se tornarem suas correias de transmissão e, ao mesmo tempo, continuar fortalecendo as mobilizações populares? Por trás desta questão, esconde-se uma avaliação do governo Lula que não é consensual. Há quem perceba nele um campo de disputa (onde só quem participa pode influir) e quem o situe em continuidade com o projeto neoliberal (onde os movimentos sociais não contam). Dependendo da avaliação, a resposta às perguntas anteriores ganha diferentes tonalidades. O Plano Nacional da Reforma Agrária, preparado por uma equipe de técnicos coordenada por Plínio A. Sampaio e há pouco apresentado ao Governo, será certamente um teste decisivo, porque, ao definir a posição do governo em relação a uma reforma verdadeiramente estrutural, provocará a reação dos movimentos sociais e dos setores historicamente privilegiados. O Plano Nacional de Reforma Agrária, tem como meta assentar um milhão de famílias. A experiência histórica ensina que não se mexe impunemente na estrutura fundiária que, desde a Lei de Terras de 1850, tornou a terra acessível apenas a quem pague por ela. A sua disputa já consumiu muita energia, muita bala e muitas vidas. Guerras sangrentas, movimentos milenaristas, jagunços e posseiros têm sido protagonistas dessa luta. O resultado tem sido, de um lado, o aumento da concentração fundiária e, de outro, a expulsão do homem do campo, num constante êxodo rural que só fez inchar cada vez mais as periferias das cidades brasileiras. Mais recentemente, novos movimentos têm emergido para reclamar o direito de trabalhar e morar na própria terra, com destaque para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), entre quase uma centena de outros. A luta pela terra toca um ponto nevrálgico da política agrícola brasileira, onde o agronegócio - responsável por boa parte do superávit da balança comercial - relega a segundo plano os pequenos produtores e a agricultura familiar. Daí que hoje a reforma agrária implique mudanças também na política agrícola. Tudo isso torna delicada a aplicação do Plano Nacional de Reforma Agrária. Como se comportarão os principais atores dessa guerra não declarada, mas que já causou 60 assassinatos somente neste ano? Uma atitude enérgica do executivo certamente abrirá fissuras dentro do próprio governo e nos partidos da base aliada. A própria sociedade civil deverá estar consciente de que a reforma agrária e uma nova política agrícola exigirão muitos sacrifícios entre os setores hoje bem aquinhoados. Se o Governo e os Movimentos sociais unirem suas forças, poderão mobilizar o Estado e a Sociedade Civil em favor do projeto nacional popular e assim canalizar os recursos econômicos para atender o anseio de cidadania da população brasileira. Caso, porém, suas forças se dividam e dispersem, o Brasil continuará refém do mercado e suas imposições danosas aos mais pobres. Política externa soberana A política externa traz expressivos motivos de esperança. A diplomacia brasileira, sob a liderança do próprio presidente Lula e do Ministro Celso Amorim, vem demonstrando competência e dinamismo na defesa da soberania nacional. No seu discurso de posse, Lula colocou a integração latino-americana como prioridade da política externa. O presidente sabe que é uma tarefa de longo prazo, mas a eleição de Nestor Kirchner, que partilha o mesmo objetivo, faz da Argentina uma excelente parceira(4) . A aproximação com ela anda a passos acelerados. A decisão dos 4 países do Mercosul negociarem juntos a ALCA, bem como a assinatura do "Consenso de Buenos Aires", mostram a determinação comum de melhor articular o destino das duas nações. Contrapondo-se ao "Consenso de Washington", a declaração de Buenos Aires quer promover a democracia e um crescimento econômico, em favor do "combate à pobreza, à desigualdade, ao desemprego, à fome, ao analfabetismo e às doenças", com um papel estratégico do Estado em favor dum crescimento sustentado, e com a participação ativa da Sociedade civil. Essa proposta deverá servir de referência para os esforços dos dois países de fortalecer a integração da região. Para dar passos concretos na perspectiva da integração regional, Lula visitou quase todos os países da região, estabelecendo contatos diretos com os seus parceiros. Nessas viagens, Lula não teme expressar sua autonomia em relação aos EUA e reaviva esperanças abafadas pela dependência externa. Como lhe falta, contudo, o respaldo de uma economia forte, essa ofensiva diplomático-comercial torna-se alvo dos ataques de quem, dentro e fora do Brasil, prefere uma posição de alinhamento com os interesses dos EUA. É o caso do México, até agora mais favorável a um processo sob a hegemonia dos EUA do que a uma integração propriamente latina (também o Chile parece trilhar esse caminho). É sobretudo no terreno das negociações comerciais da ALCA e da OMC que o Brasil tem defendido os interesses dos países latinos e promovido sua integração. Assumiu em Cancún uma liderança corajosa, apesar de arriscada. A posição do G-21 foi tão firme que levou a conferência ao impasse, já que os países ricos não esperavam essa 'rebelião' do Sul. Não houve resultados em Cancún, porque é melhor não haver acordo do que um mau acordo. O G-21 (hoje 16) enfrenta o imenso desafio de manter a unidade do grupo, apesar dos esforços dos EUA e da UE para desarticulá-lo. Sua unidade baseia-se na rejeição dos subsídios que os países mais ricos dão a seus agricultores (quase um bilhão de dólares por dia), impedindo qualquer concorrência. Mas são muitas as diferenças entre as propostas da Índia, China, Malásia, África do Sul ou Nigéria, não só para as políticas agrícolas, mas também em matéria de tarifas industriais, liberalização dos serviços, proteção dos investimentos, propriedade intelectual, acesso aos mercados e regras de concorrência. O Brasil coloca-se numa posição geralmente mais liberal que seus parceiros do G-21. A tensão vai crescer enormemente no seio da OMC nas próximas semanas. Os países ricos não vão ceder nos subsídios agrícolas (os interesses em jogo são enormes) e vão querer liberalizar mais os bens industriais, os serviços e os investimentos. Sem uma forte unidade do G-21, os grandes países emergentes (e com eles outros países em desenvolvimento) não poderão resistir à pressão do bloco EUA-EU-Japão. Alguns jornais do "norte" mencionaram a emergência dum novo bloco: o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). Esses quatro países têm grandes potencialidades e pedem, não sem razão, uma cadeira no Conselho Permanente da ONU (ou num eventual futuro Conselho Econômico Permanente). O comércio entre os quatro aumentou sensivelmente nos últimos anos (e ainda pode aumentar muito mais); Brasil, Índia e China (a Rússia deve entrar na OMC em 2005) estiveram unidos em Cancún contra os subsídios agrícolas do Norte, mas cada um defende seus próprios interesses, em aliança ou contra os "desenvolvidos". As alianças são circunstanciais e o Brasil não é o mais forte. Os três outros têm maior autonomia industrial e maior potencial científico-tecnológico (a China acaba enviar ao espaço um módulo tripulado). A diplomacia política precisa do respaldo econômico (e militar) de quem negocia. A estratégia de integração latino-americana abre boas perspectivas, mas sem crescimento econômico será difícil uma eficiente autonomia diplomática. A liderança do G-21 em Cancún deve-se à política externa de aceitar apenas negociações soberanas, equânimes, que beneficiem a todos. É essa a estratégia que norteia as negociações da ALCA e da OMC no novo governo. Vejamos seus passos mais importantes. Um primeiro gesto foi articular o Mercosul para que os seus membros negociem juntos. Em abril, o Brasil apresentou a proposta dos três trilhos. A figura considera que, conforme a sua natureza, os diferentes temas serão negociados em 3 contextos distintos: o da OMC, o de "4 + 1", e o da ALCA mesma(5) . Passado algum tempo, os EUA criticaram essa proposta por ser fragmentada e propuseram uma ALCA abrangente, integrando todos os temas numa só negociação. O choque entre Brasil-Argentina e outros países latino-americanos, e os EUA deu-se na reunião de Trinidad y Tobago no começo deste mês. Os EUA diziam querer uma ALCA abrangente, mas retiraram das negociações os subsídios à agricultura e as leis anti-dumping. Os negociadores brasileiros insistiram nesses dois temas e defenderam o esquema dos "três trilhos". Os EUA tentaram isolar o Brasil e a Argentina, ameaçando seus aliados comerciais e impediram que houvesse avanços na reunião preparatória ao encontro ministerial de Miami em novembro. É neste contexto de impasse na preparação de Miami e de confronto entre posições dificilmente conciliáveis, que comentaristas econômicos, revistas e jornais de circulação nacional, bem como os Ministros Roberto Rodrigues e Luís Furlan, e o secretário de assuntos internacionais do Ministério da Fazenda, Otaviano Canuto, questionaram publicamente a política seguida pelo Itamaraty e seu Secretário Geral. O ministro Celso Amorim respondeu firmemente que é ele quem, em sintonia com o Presidente, coordena as negociações. Vozes do governo lembraram que o Brasil não busca a confrontação com os EUA, mas defende a sua soberania e quer desenvolver políticas nacionais próprias. Ao mencionar, no Consenso de Buenos Aires, o documento do Mercosul para o encaminhamento de Miami, que o negociador dos EUA havia rechaçado, Lula demonstrou publicamente seu aval à política do Itamaraty. Enfim, não esquecer o discurso de Lula na Assembléia Geral da ONU, quando junto com Kofi Annan e vários líderes europeus, escolheu o campo da paz contra a atuação belicista e o unilateralismo do governo Bush. Realçou o papel da ONU na construção da paz e na luta contra a miséria e retomou a proposta de Paulo VI de um Fundo mundial de combate à fome com recursos a serem retirados das despesas com armamentos. Mas enquanto milhões de vozes continuam apelando em favor da paz, o presidente Bush usou a Tribuna da ONU para justificar a guerra que continua fazendo vítimas no Iraque, na Palestina e no Afeganistão... Temas em destaque no Congresso 1. A Medida Provisória dos Transgênicos (MP 131) O Congresso deve se pronunciar sobre a MP 131, até o dia 10/11, quando ela pode trancar a pauta. Esta MP foi adotada sob pressão, para, mais uma vez, solucionar o impasse criado em torno do plantio de soja transgênica na safra 2003/2004, em especial no Rio Grande do Sul. É importante notar que, em março deste ano, fora adotada outra MP, transformada em Lei, para também atender às pressões da safra 2002/2003. A MP recém-editada atende aos interesses de conhecidos atores: o Governo do Rio Grande do Sul, um bom número de parlamentares, grande parte das lideranças de agricultores, bem como todos os que lutam por ver liberadas as culturas transgênicas no Brasil. Entre quem busca soluções de precaução para a política de Organismos Geneticamente Modificados, perpassa o sentimento de que o processo tende à liberação, fazendo com que, paulatinamente, a sociedade assimile tal situação. Em todo caso, continuam as reações em vários níveis. Para citar algumas delas: a) Um Manifesto de 47 deputados/as e mais de 50 representantes de entidades intitulado: "Não à Medida Provisória dos Transgênicos". Diz ele: ..."Considerando que a MP 131 foi editada dentro de uma lógica completamente contrária ao princípio da precaução, mundialmente aceito como um princípio fundamental na preservação ambiental, constante no Art. 225 da Constituição Federal; (...) Considerando que a edição da MP 131 avaliza a lógica do "fato consumado" e o plantio ilegal, reforçando a posição daqueles que defendem os interesses da empresa multinacional Monsanto que controla as sementes geneticamente modificadas, contra os interesses dos agricultores... (...) Nós parlamentares e entidades da sociedade civil, nos posicionamos contrários à MP 131 e à conseqüente liberação do plantio de soja transgênica. Exigimos a sua imediata revogação, reestabelecendo como lógica governamental o princípio da precaução e o início imediato do debate com o conjunto da sociedade através da propositura de Projeto de Lei de biossegurança que deverá regulamentar esta matéria". Os mesmos Parlamentares e entidades lançaram a Frente Parlamentar Mista, em defesa da biossegurança e pelo princípio da precaução. b) Seminário Internacional sobre os transgênicos: Foram convidados a se expressar, nesse seminário realizado no Senado, representantes de todas as tendências, tanto no Congresso Nacional como na sociedade civil, inclusive a direção do MST e da Monsanto. Destacou-se a posição dos franceses presentes: - Frederic Prat, consultor em questões econômicas e riscos ambientais, fez questão de desmentir que os transgênicos são uma realidade "imponderável" na agricultura mundial. Segundo ele, apenas 3,9% das culturas desenvolvidas em todo globo terrestre são de Organismos Geneticamente Modificados. Explicitou que apenas cinco ou seis empresas atuam no setor, entre elas a Monsanto, que detém 90% do mercado. Em 2002, 95% dos transgênicos do mundo foram produzidos em apenas três países: EUA, Argentina e Canadá. - Jean Yves Griot, sindicalista, afirmou a preferência dos europeus por alimentos não-transgênicos. "Realmente não compreendo a escolha feita pelo Brasil. Se mantivesse a proibição, o país se diferenciaria como o único grande produtor mundial com selo natural de garantia de qualidade", lamentou Griot, para quem a liberação dos transgênicos no Brasil pode fazer o preço da soja convencional subir, aumentando a diferença de preços e reforçando a opção "mais econômica" pelos transgênicos. 2. Seminário no Congresso sobre a ALCA "O papel dos Legisladores na Área de Livre Comércio das Américas (ALCA)" foi o tema do Seminário no Congresso Nacional, nos dias 21 e 22/10. Seu objetivo era levar os parlamentares a participarem de todas as etapas do processo de negociação e não apenas da homologação de acordos, agendada para 2005. A abertura do Seminário contou com a presença do Presidente da República, que defendeu a inclusão de políticas de desenvolvimento e crescimento econômico na discussão sobre a ALCA. Promovido em parceria com o Parlamento Latino- Americano (Parlatino), o Seminário se propunha, também, a afinar os instrumentos para a posição do Mercosul a ser defendida na Reunião Ministerial da ALCA, em Miami. O embaixador brasileiro, Adhemar Bahadian, co-Presidente do Processo Negociador da ALCA, repudiou firmemente as críticas da imprensa ao papel do Itamaraty nas negociações, sobretudo ao seu Secretário Samuel Pinheiro Guimarães. Foi instalada na Câmara uma Comissão especial de acompanhamento às negociações da ALCA. 3. Novo texto sobre o Estatuto do Desarmamento O Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, deputado Greenhalgh, apresentou seu Parecer sobre o Estatuto do Desarmamento, com modificações, se aproximando do texto votado no Senado. Os deputados favoráveis ao Estatuto têm consciência de que a batalha pelo desarmamento não será fácil, sobretudo por causa da força da bancada das armas no Congresso. No Parecer foram mantidos os três pontos principais do projeto: controle federal do porte de armas, proibição de fiança para porte ilegal e previsão de referendo sobre o comércio de armas de fogo no país, embora sem data marcada. Os movimentos sociais pela Paz e pelo "Brasil Sem Armas" realizaram, no dia 21/10, em Brasília, a Marcha pelo Desarmamento, momento em que foram afixadas, em frente ao Congresso Nacional, duas mil cruzes simbolizando as vítimas de armas de fogo. O Projeto foi aprovado no plenário da Câmara e retorna ao Senado. 4. As Reformas encaminhadas pelo Executivo ao Legislativo: Enquanto a Reforma da Previdência está praticamente pronta para a votação no plenário do Senado, a Reforma Tributária está em tramitação no Senado. Os governadores foram convidados a participar de uma audiência pública sobre a Reforma Tributária, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Pressionado pelos Estados, o Governo Federal propôs fazer a reforma tributária em duas etapas, mantendo, segundo o relator, 80% do texto aprovado na Câmara dos Deputados. O novo relatório contempla os aspectos mais conflitivos, embora esteja tudo ainda em discussão. 5. Presidente sanciona o Estatuto do Idoso Foi sancionado, com solenidade, o Estatuto do Idoso, que regulamenta uma série de direitos para brasileiros/as maiores de sessenta anos de idade. "O Estatuto do Idoso, diz o Presidente Lula, tornou-se uma causa unânime entre as mais diversas correntes políticas do país e passará a proteger os direitos dos 20 milhões de cidadãos da terceira idade no Brasil". "Seus 119 artigos formam um guarda-chuva de garantias legais que a sociedade devia aos seus idosos. A partir de agora, eles terão uma ampla proteção jurídica para usufruir direitos da civilização sem depender de favores, sem amargurar humilhações e sem pedir para existir. Simplesmente viver como deve ser a vida em uma sociedade civilizada: com muita dignidade". 6. Congresso defende Ética na TV O Congresso Nacional busca oferecer respostas ao descontrole da programação televisiva do país. Mais de 30 proposições apresentadas nos últimos 12 anos à Câmara e ao Senado tentam pôr ordem ao caos. Os projetos tratam desde a classificação de programas até a obrigatoriedade de uma produção educativa para crianças. Também são discutidos pelo Legislativo a regulamentação das emissoras comunitárias e o fortalecimento do Conselho de Comunicação Social. Foi apresentado neste mês, pelo deputado Orlando Fantazzini, um Projeto de Lei que institui o Código de Ética da TV, para conter a sanha de programas que desrespeitam leis, princípios constitucionais e convenções internacionais assinadas pelo Brasil. 7. Estatuto da Magistratura O presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Maurício Corrêa, deve criar uma comissão para atualizar o Estatuto da Magistratura. O Projeto de Lei Complementar sobre o assunto foi retirado da Câmara dos Deputados, depois de 11 anos parado no Congresso Nacional. A Assessoria de Imprensa do STF informou que a retirada do Projeto não tem ligação com o atrito entre os poderes Executivo e Judiciário, provocado pela sugestão da relatora da Organização das Nações Unidas (ONU), Asma Jahangir, de fazer uma inspeção na Justiça brasileira. 8. Projeto de Lei sobre as Igrejas no Código Civil O autor do Projeto, deputado Paulo Gouvêa, em sua justificativa, observa que o novo Código Civil deixou as Igrejas e os partidos políticos numa espécie de "limbo jurídico/legal". Ao contrário do antigo Código Civil, o novo Código não explicita a figura jurídica destas entidades, pois não podem ser classificadas como associações, sociedades ou fundações – as espécies previstas pelo novo Código. Apela o Projeto de Lei a uma pronta intervenção legislativa para sanar essas dificuldades. O relator, deputado João Alfredo, aguarda pareceres para ultimar seu relatório. 9. Câmara terá Frente em defesa das águas Foi lançada, no Congresso Nacional, a Frente Parlamentar em Defesa das Águas. Conta já com a adesão de quase 90 parlamentares de diversos partidos. Um dos seus objetivos é concretizar um estudo detalhado sobre a situação das águas brasileiras. 10. As lideranças do Parlamento, conforme o DIAP O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar publica, a cada ano, a lista dos 100 "cabeças" do Congresso Nacional: parlamentares que se distinguem pelo exercício de qualidades específicas. O levantamento de 2003 identificou no Congresso 33 articuladores e 33 debatedores; 19 formuladores; 08 negociadores e 07 formadores de opinião. Entre os partidos, o PT está na frente com 23 parlamentares, 9 de centro-esquerda e 14 de esquerda. Depois, o PFL com 18 parlamentares, sendo 4 na direita, 8 na centro-direita e 6 no centro. Do PMDB estão 15: 1 de centro-direita, 11 de centro e 4 de centro-esquerda; do PSDB, 14 de centro; o PTB entra com 07 deputados. * Esta análise teve a participação de Alfredo Gonçalves, Bernard Lestienne SJ e José Ernanne Pinheiro ** Pedro A. Ribeiro de Oliveira. Assessor da CNBB para a Comissão do Laicato e Professor na Universidade Católica de Brasília Notas: (1) A recente decisão do COPON de baixar a taxa SELIC em 1% a.a. deixa a taxa de juros reais em quase 13%. (2) Nesta conjuntura, cabe lembrar que o ideal do desenvolvimento, objetivo nacional inscrito na Constituição, não pode ser reduzido ao simples crescimento econômico. Também o pensamento cristão, magistralmente apresentado por Paulo VI na Encíclica Populorum progressio, diz que o desenvolvimento "deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo" (14). Penetrante é sua crítica ao crescimento como "possuir mais": "Embora necessário para permitir ao homem ser mais homem, torna-o contudo prisioneiro no momento em que se transforma no bem supremo que impede de ver mais além. Então os corações se endurecem e os espíritos fecham-se" (19). Por isso, o desenvolvimento pede tanto técnicos quanto "sábios de reflexão profunda, em busca de um humanismo novo", pois o desenvolvimento é "para todos e para cada um, a passagem de condições menos humanas a condições mais humanas" (20). E o Papa aponta essas condições menos humanas: "as carências materiais dos que são privados do mínimo vital e as carências morais dos que são mutilados pelo egoísmo. Menos humanas: as estruturas opressivas, quer provenham dos abusos da posse ou do poder, da exploração dos trabalhadores ou da injustiça das transações" (21). É na superação dessas condições por meio da ação solidária em todos os níveis, que o desenvolvimento se torna, efetivamente, o novo nome da paz (76). (3) Reportagem de Fernando Cazian, in: Folha de São Paulo, 08/10/03, pág. B10. (4) Recente declaração do Chanceler argentino refere-se às negociações com os EUA como um confronto entre "a carência e a opulência". (5) Na OMC negociar-se-iam os temas mais sensíveis, que vão muito além do comércio, como a propriedade intelectual; serviços; investimentos; e as compras governamentais. No "4 + 1" negociar-se-ia parte dos serviços; parte dos investimentos e o acesso ao mercado para os bens. Na ALCA negociar-se-iam as controvérsias, os tratamentos específicos e diferenciados para os países em desenvolvimento; a proteção de alguns países particulares mais frágeis; os fundos de compensação; e a facilitação de acesso ao mercado.
https://www.alainet.org/es/node/108719
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