Sigilo em negociações entre União Europeia e Mercosul preocupa

17/01/2014
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Conscientes dos antecedentes históricos da ALCA, os líderes das atuais negociações tomam o cuidado de não falar de “acordos de livre comércio”, mas sim de “acordos de cooperação econômica”. O eufemismo também preocupa.
 
Pouca gente está falando publicamente sobre o tema. E esse é um motivo de grande preocupação. Organizações sociais que acompanham as negociações em curso entre o Mercosul e a União Europeia em torno de um amplo acordo econômico e comercial estão preocupadas com o rumo das conversas e o silêncio em torno das mesmas. A primeira preocupação diz respeito ao caráter reservado dessas negociações. Elas estão ocorrendo sem que a imensa maioria da população dos países envolvidos tenha conhecimento sobre as mesmas. O caráter reservado e a falta de transparência podem levar a fatos consumados mais difíceis de reverter depois, advertem essas organizações e observadores que acompanham as conversas.
 
Além da ausência de transparência sobre o desenrolar e o conteúdo das conversas, preocupa também a pressão de grupos minoritários de interesses, a falta de estudos e debates públicos e o conteúdo dos acordos que estão sendo costurados. As organizações sociais pretendem enviar uma carta aos presidentes sul-americanos envolvidos pedindo que esse debate seja aberto à sociedade. Elas lembram, entre outras coisas, o antecedente histórico de unidade do Mercosul que rechaçou uma proposta de acordo similar, a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), feita pelos Estados Unidos em 2005. Na época, essa rejeição foi acompanhada por um intenso debate e mobilização social, o que não está ocorrendo agora.
 
Conscientes desse antecedente histórico, os líderes das atuais negociações tomam o cuidado de não falar de “acordos de livre comércio”, mas sim de “acordos de cooperação econômica”. O temor com o uso de eufemismos não é desprovido de razões. Acordos anteriores envolvendo a União Europeia não avançaram, em boa medida, pela recusa do setor agrícola europeu em abrir mão dos subsídios e mecanismos protecionistas de que goza há décadas. Os agricultores europeus estariam dispostos a abrir mão desses subsídios agora? Não há nenhuma razão visível para ser otimista a respeito.
 
Outra preocupação das organizações que acompanham essas negociações diz respeito ao impacto de um possível acordo sobre as assimetrias regionais dentro do bloco sul-americano. As negociações em curso não se limitam à agenda comercial, envolvendo temas como: serviços, patentes, propriedade intelectual, compras públicos, investimentos e competição. Uma eventual classificação de “nação mais favorecida” para os países da União Europeia poderia representar um obstáculo para o fortalecimento de empresas regionais e da diversificação de matrizes produtivas locais.
 
Outra consequência que preocupa é a inibição para os países do Mercosul de estratégias e políticas públicas de desenvolvida, utilizadas historicamente pelos países europeus, tais como: substituição de importações, priorizar as compras nacionais, oferecer linhas de crédito diferenciadas para o desenvolvimento de regiões ou setores nacionais mais desfavorecidos.
 
O economista argentino Jorge Marchini, professor titular de Economia da Universidade de Buenos Aires, manifesta preocupação com o atual rumo das negociações. Para Marchini, a importância estratégica das negociações em marcha para a assinatura de um acordo de liberalização econômica e comercial do Mercosul com a União Europeia exige que estas sejam conhecidas em forma ampla e postas em debate público. O economista defende que sejam eliminados imediatamente os níveis de confidencialidade exigidos pelos negociadores europeus. Existe o perigo, adverte Marchini, de se aceitar uma negociação firmada a portas fechadas e como fato consumado, para só depois ser posta à consideração pública e parlamentar.
 
Onde estão as análises custo-benefício? – pergunta ainda Marchini, que vem acompanhando as negociações. Para poder decidir que tipo de entendimento com a Europa é possível e conveniente para o Mercosul, acrescenta, é imprescindível que os governos, entidades setoriais, partidos e organizações sociais e acadêmicas que proclamam defender o interesse nacional e regional não se deixem levar por enunciações superficiais e se convoquem imediatamente análises sérias regionais e setoriais que incluam análises sobre efeitos estruturais de curto e longo prazo e possíveis alternativas.
 
O debate está completamente ausente da mídia e levantar esse véu de silêncio é um dos principais objetivos das organizações sociais e observadores que vêm acompanhando as conversas. Paraguai e Venezuela não estão participando oficialmente das discussões, mas acompanham o processo – o Paraguai por decisão do atual governo e a Venezuela por ter ingressado no Mercosul após a retomada, em 2010, das negociações.
 
A União Europeia aposta em um amplo acordo com o Mercosul e outros blocos regionais como uma forma para superar seus problemas econômicos. Mesmo sem um acordo, as transações comerciais entre Mercosul e União Europeia continuam crescendo em um ritmo forte. De 2002 a 2012, houve um aumento de 124% nas transações comerciais entre os blocos. A União Europeia é hoje o maior importador de produtos do Mercosul e maior exportador para a região, com 110 milhões de euros em transações (19,9% do volume de comércio do Mercosul com o resto do mundo).
 
17/jan/2014
https://www.alainet.org/pt/articulo/82471

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