Geopolítica da COVID

Nova variante ômicron expôs desigualdades na política internacional de combate à covid-19

África do Sul, alvo de restrições internacionais de viagens, defendeu quebra de patentes de vacina em outubro de 2020.

03/12/2021
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O mundo parecia se preparar para dizer adeus à pandemia de covid-19, mas uma nova variante colocou as autoridades em alerta no fim de novembro.

 

Embora a ômicron (designação da nova variante) tenha sido identificada em Botsuana, norte da África, no dia 11 de novembro, ainda não se sabe a origem da nova cepa, que também foi detectada em pacientes holandeses entre os dias 19 e 23 de novembro.

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) foi notificada pelo governo sul-africano no dia 24 de novembro e, passados dois dias, classificou-a como uma cepa preocupante, o que significa que pode haver maior facilidade de propagação e gravidade da doença.

 

Um dado que chamou a atenção foi que a nova variante possui 32 mutações na proteína S (spike). Para se ter uma ideia, na variante delta, considerada até duas vezes mais infecciosa que a cepa original do vírus e agora predominante no mundo, foram encontradas oito mutações. As implicações disso ainda serão estudadas, mas a OMS considera que o risco de reinfecção pode ser maior.

 

O organismo pediu cooperação da comunidade internacional para aumentar os estudos in loco sobre o comportamento da nova cepa. Também solicita que os países publiquem dados sobre sintomas de pacientes contaminados pela variante e possíveis avanços na descoberta do seu genoma em uma plataforma da OMS de livre acesso às nações. "Compreender o nível de gravidade da variante ômicron levará de dias a várias semanas", publicou OMS em comunicado.

 

Nos casos observados por Angelique Coetzee, médica sul-africana que identificou a nova variante, os pacientes possuíam taquicardia, febre e fadiga intensa.

 

“O mundo só estará seguro da pandemia quando houver uma vacinação mais homogênea”, defende o biomédico e pesquisador da rede CoVida, Tiago Graf.

 

Em quase dois anos de pandemia, 262 milhões de pessoas foram contaminadas pela covid-19 e 5,2 milhões faleceram pela doença, segundo a OMS.

 

“Também é complicado dizer que essa variante surgiu na África. Ela foi identificada lá, mas pode ter surgido em outro lugar. Ela se espalha mais nas regiões com menos cobertura de vacinas”, analisa o imunologista e pesquisador do Instituto Adolfo Lutz, Cyro Brito.

 

Além dos casos na Bélgica, Reino Unido, Alemanha, Áustria, Holanda, Dinamarca e Itália já tiveram contágios da ômicron na Europa. No Brasil, São Paulo apresentou o terceiro caso confirmado nesta quarta-feira (1). Países como Japão e Austrália já registraram casos.

 

Um fechamento de fronteiras técnico?

 

Japão e Israel fecharam completamente suas fronteiras, enquanto outros países impuseram restrições para cidadãos ou turistas vindos do sul do continente africano.

 

O governo de Cyrill Ramaphosa, da África do Sul, qualificou as medidas de injustas, danosas à economia e um castigo pela velocidade com a qual identificaram a nova variante do vírus.

 

“A África do Sul fez um ótimo trabalho, identificaram o genoma logo nos primeiros casos e qual foi o prêmio? Fronteiras fechadas. Todo mundo fala no mundo que é necessário haver vigilância genômica: encontrar as variantes de preocupação e disponibilizar seu genoma para o mundo, só que as políticas não podem desestimular essa prática”, afirma o biomédico e pesquisador da Rede CoVida, Tiago Graf.

 

Os especialistas defendem que o mais indicado seria aumentar a realização de testes e normas biossanitárias, mas o fechamento de fronteira é um tipo de medida ineficaz.

 

“O correto seria aumentar o controle, talvez exigir o teste negativo para covid-19, mas não proibir a entrada de turistas dessa região. Isso porque hoje a cepa está mais presente na África do Sul, mas amanhã pode estar na Europa ou na Argentina”, defende Brito.

 

“O que aconteceu com a (variante) delta no Brasil é um bom exemplo. Houve controle dos voos e navios da Ásia, mas a delta entrou com tudo no Brasil. E de onde ela veio? Da Europa”, reforça o biomédico Tiago Graf.

 

Monopólio de vacinas

 

A África do Sul e a Índia foram os dois países que propuseram, ainda em outubro de 2020, o fim das patentes para fórmulas de imunizantes contra o vírus sars-cov2. O debate não avançou na Organização Mundial do Comércio pela falta de apoio dos Estados Unidos, Europa e do Brasil. 

 

"A aparição de uma nova cepa é um exemplo eloquente de como o vírus continua mutando, particularmente diante a falta do acesso equitativo às ferramentas médicas para tratar a covid-19", publicou a ONG Médicos Sem Fronteiras da África do Sul em um comunicado que exige e reitera a necessidade da suspensão imediata das patentes.

 

No último ano foram aplicadas cerca de 8 bilhões de doses de distintos imunizantes em todo o globo, mas somente 7,3% da população africana completou o ciclo de imunização, segundo levantamento do site Our World in Data.

 

A África do Sul tem um dos maiores índices de imunização da África, com cerca de 28% da população vacinada. Com baixos índices de infecção, o turismo se reativou nos último meses no país. Mas nas duas últimas semanas, o número de infecções aumentou - de cerca de 100 por dia, no início de novembro, para mais de 2.500 novas infecções, o que pode sugerir o início de uma quarta onda da pandemia.

 

"É de vital importância que as desigualdades no acesso às vacinas covid-19 sejam tratadas com urgência para garantir que grupos vulneráveis ​​em todos os lugares, incluindo profissionais de saúde e idosos, recebam sua primeira e segunda doses, juntamente com acesso equitativo a tratamento e diagnóstico", aponta a OMS.

 

O especialista em imunologia, Cyro Brito também reforça “se não houver acesso às vacinas para todos, todos serão afetados, inclusive os países ricos que conseguiram comprar”.

 

O Bureau de Presidentes da África, presidido pelo chefe de Estado sul-africano Cyril Ramaphosa, concordou que os Estados membros deveriam ter como meta a vacinação de 60% de suas populações. Para isso, criaram, em dezembro do ano passado, a Equipe Tarefa de Aquisição de Vacinas da África (Avatt). De lá pra cá, a União Africana conseguiu assinar contratos de 510 milhões de doses para os 55 países do continente africano.

 

“Ficou muito claro em dezembro [2020] que a esperança de que todos nós, como uma comunidade global, comprássemos vacinas juntos por meio desta estrutura chamada Covax não estava sendo respeitada, especialmente por nações ricas e poderosas”, disse Strive Masiyiwa, o presidente da Avatt, em uma entrevista coletiva em 1º de julho de 2021.

 

Tiago Graf, que realizou pós-doutorado na Escola de Medicina Nelson Mandela na Universidade KwaZulu-Natal na África do Sul, relata que o fechamento das fronteiras também gera escassez de reagentes químicos usados nos estudos do genoma da nova variante ômicron.

 

“A África do Sul está muito bem posicionada em relação à investigação científica. Tem tradição em pesquisa em virologia. Agora na questão econômica não. É mais um país africano que sofre com toda a desvantagem de interesses internacionais”, conta.

 

Em 2020, pesquisadores da África do Sul também haviam sequenciando a variante beta. Houve uma série de restrições à entrada de sul-africanos no mundo, o turismo entrou em colapso, e o Produto Interno Bruto do país finalizou o ano com uma retração de 17,8%.

 

Mercado x Saúde

 

Consórcio Covax foi criado pela OMS, em conjunto com outras associações, para distribuir 4,5 bilhões de doses de vacinas, suficientes para imunizar 20% da população de seus  172 países membros. No entanto, de março a setembro de 2021, o Covax conseguiu distribuir apenas 240 milhões de doses a 139 países.

 

Após o anúncio da OMS sobre a nova cepa, a China prometeu doar 1 bilhão de doses à África. A empresa chinesa Sinovac, responsável pela fórmula Coronavac, está reunindo informações para desenvolver uma nova vacina. Caso seja necessário, "temos capacidade para uma produção a grande escala para satisfazer a demanda", indicam.

 

A Pfizer promete lançar uma nova vacina em até 100 dias, enquanto o Instituto Gamaleya afirma que poderia ter uma nova versão da fórmula russa Sputnik em 45 dias.

 

BioCubaFarma, responsável pelo desenvolvimento de cinco fórmulas em Cuba, também já iniciou estudos para um novo imunizante.

 

“Nos próximos anos deveremos ter mais avanços tanto no aspecto de estratégia das vacinas, como na cobertura contra variantes predominantes”, comenta o imunologista Cyro Brito.

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/214510
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