Política dos EUA para China se materializa sob Biden

As medidas apontam para o apoio bipartidário a propostas relacionadas com a busca pela liderança americana nos setores de ponta, em um contexto de acirramento da disputa tecnológica entre Estados Unidos e China.

28/07/2021
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Wendy Sherman e Wang Yi
Foto: Xinhua/Li Ran
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A vice-secretária de Estado norte-americana, Wendy Sherman, tornou-se a segunda representante de mais alto escalão do governo Biden a visitar a China desde o primeiro encontro do secretário de Estado, Antony Blinken, com autoridades chinesas no Alasca, em março, e da ida do enviado especial para o clima, John Kerry, à Xangai, em abril.

 

Sherman viajou até a cidade de Tianjin, no nordeste da China, onde se encontrou, durante os dias 25 e 26 de julho, com o ministro chinês das Relações Exteriores, Wang Yi, e com o vice-ministro das Relações Exteriores, Xie Feng.

 

Vale notar que tal parada não havia sido anunciada quando da confirmação do giro de oito dias da vice-secretária pela Ásia, onde visitou o Japão, a Coreia do Sul e a Mongólia. As especulações sobre negociações para uma visita de fato à China começaram posteriormente, até a confirmação oficial, que sinalizava a parada no gigante asiático como parte dos esforços estadunidenses para uma “troca sincera” com representantes chineses em áreas de interesse e de preocupação mútuas, como divulgado pelo Departamento de Estado.

 

Troca sincera depois de acusações formais?

 

Tal anúncio se deu, contudo, dias após a acusação formal dos Estados Unidos de que a China teria apoiado – ou pelo menos feito vista grossa – ataques de hackers chineses, no que configuraria ciberespionagem, à Microsoft Exchange, em março deste ano. Segundo reportado por uma fonte da Casa Branca, tal ação teria levado a “bilhões de dólares americanos de governos e negócios em propriedade intelectual roubada, pagamento de resgates e esforços de mitigação em cibersegurança”.

 

As acusações foram apoiadas quase simultaneamente pelos principais aliados dos Estados Unidos, como Reino Unido, Canadá e Japão, com destaque para as declarações emitidas pela União Europeia (EU) e pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) nesse sentido. Para a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, esse movimento ressalta a coordenação e a aproximação entre essas instâncias sob o governo Biden e suas crescentes preocupações comuns em relação à China e suas alegadas atividades de espionagem. Pequim negou todas as acusações.

 

Se tal momento já não fosse suficiente para tensionar o quadro bilateral antes da viagem, acrescenta-se os comentários do secretário de Estado, em 12 de julho, sobre o compromisso dos Estados Unidos com a defesa marítima das Filipinas e com sua demanda de que a China interrompa toda e qualquer ação que possa ser considerada um ato de provocação no Mar do Sul da China.

 

Pontos discutidos na viagem

 

Em entrevista após o encontro, Wendy Sherman afirmou que as conversas foram um passo importante no processo de trabalho em conjunto com a China em áreas críticas, mas que “não há como saber, nos estágios iniciais dessa relação em construção, se chegaremos a todos os lugares que almejamos”. O mais importante, segundo comunicado oficial, é que linhas de diálogo se mantenham abertas.

 

Dentre os pontos discutidos, nos quais há clara dissonância, constavam as acusações feitas pelos Estados Unidos e seus aliados a ataques cibernéticos chineses, as demandas chinesas sobre Taiwan e no Mar do Sul da China e as interferências que ameaçam a democracia em Hong Kong. A vice-secretária de Estado afirmou, no entanto, que há espaço para maiores avanços e para colaboração na agenda ambiental e em temas regionais, como Afeganistão, de onde os Estados Unidos se retiram depois de anos de campanha militar, e Mianmar.

 

As contrapartes chinesas deixaram claro, por sua vez, que enxergam o atual quadro bilateral com desconfiança. Vale mencionar que o Ministério das Relações Exteriores publicou, enquanto o encontro ainda se desenrolava, uma nota em que questionava a empreitada americana de culpar – ou “demonizar”, nas palavras oficiais – a China quando convém e esperar que Pequim mude suas políticas de acordo com requisitos e interesses americanos. Xie Feng foi enfático nesse sentido, ao jogar com a mesma moeda e requerer que os “Estados Unidos mudem sua mentalidade altamente equivocada e suas políticas perigosas”.

 

À espera dos próximos passos

 

A viagem da vice-secretária se deu em um momento em que os contornos da política dos Estados Unidos para a China, que já eram claros, começam a se materializar: espera-se que Kurt Campbell, coordenador da área de assuntos relacionados ao Indo-Pacífico junto ao Conselho de Segurança Nacional, conclua um documento que fornecerá recomendações para a política de Washington para a China. Enquanto o documento oficial não é emitido, aumentam as expectativas para que, enfim, Biden se encontre com o presidente Xi Jinping em outubro, às margens da cúpula do Grupo dos 20.

 

E, importante notar, tudo isso se dá em meio à crescente assertividade não apenas de instâncias do Executivo, mas também do Legislativo, para que medidas mais duras sejam adotadas contra a China nos mais diversos âmbitos. Destaca-se, nesse sentido, alguns exemplos mais recentes, como i) o pacote aprovado pelo Senado e encaminhado à Câmara de Representantes, em 8 de junho, o qual autoriza mais de US$ 190 bilhões a serem investidos no fortalecimento de pesquisa e tecnologia americanas, com mais de US$ 54 bilhões destinados exclusivamente para pesquisa e produção de semicondutores e outros equipamentos de alta tecnologia, e ii) a aprovação, na Câmara, de um projeto de lei que impediria que cientistas e acadêmicos participassem de projetos de pesquisa com fundos americanos, caso também participassem de projetos, ou recebessem financiamento chinês.

 

Ambas as medidas apontam para o apoio bipartidário a propostas relacionadas com a busca pela liderança americana nos setores de ponta, em um contexto de acirramento da disputa tecnológica entre Estados Unidos e China. O tema não escapou das discussões da viagem de Wendy Sherman e, certamente, permeará os próximos encontros.

 

- Rúbia Marcussi Pontes é doutoranda e mestra em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), professora de Relações Internacionais das Faculdades de Campinas (FACAMP) e pesquisadora do INCT-INEU. Contato: rubiamarcussi@gmail.com.

 

27.07.2021

https://www.opeu.org.br/2021/07/27/politica-dos-eua-para-china-se-materializa-sob-biden/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/213251
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