A hipocrisia sobrevoa a Nicarágua

Entre 2010 e 2020, a USAID transferiu impressionantes US$ 68,4 milhões para a direita nicaraguense para ajudá-la a desacreditar o governo (interna e externamente) enquanto treinava novos "líderes" e criava uma massa crítica de oponentes.

19/07/2021
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Illustration : La Voix des Amériques (capture d’écran)
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Na Nicarágua, “a espiral repressiva ‘decapita’ a oposição”, é a manchete do diário francês Le Monde (17 de junho de 2021), referindo-se à detenção de treze dirigentes "a quatro meses das eleições presidenciais". O nome do jornal é puramente uma particularidade curiosa: sejam de direita, de esquerda, de centro, ou mesmo aqueles que professam “imparcialidade”, quase todos os meios de comunicação, como um “partido único”, denunciam “o desvio do regime de Daniel Ortega para a criminalidade”. Essa unanimidade deveria nos colocar em dúvida. Ou a Nicarágua se transformou realmente no “Gulag centro-americano", como disse o diário espanhol El País (27 de junho), ou esse surpreendente consenso é uma perversa (ou indolente) abstração da realidade.

 

Herdeiro da luta de libertação contra a ditadura de Anastásio Somoza (1979) e depois da resistência à guerra de baixa intensidade imposta por Ronald Reagan (1981-1989) e George H.W. Bush (1989-1993), a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) voltou ao poder, pelas urnas, desde 2007 na pessoa de Ortega. Sem fazer milagres, e com uma política pragmática, com seu lado bom e também outro não tão bom, ele resgatou os nicaraguenses menos afortunados do grande pesadelo em que a direita neoliberal os mantinha desde a chegada à presidência, em 1990, da teleguiada de Washington, Violeta Chamorro. Esta é a razão pela qual Ortega foi reeleito duas vezes com uma cômoda maioria sandinista no Congresso.

 

Apesar de ainda não ter anunciado oficialmente, é dado como certo que em novembro Ortega se apresentará novamente à reeleição (como Helmut Kohl ou Angela Merkel, que permaneceram no poder por 16 anos na Alemanha). Entretanto, para não destoar com o que está se convertendo numa mania suja dentro da direita continental, a oposição "Nica" denuncia antecipadamente uma "farsa eleitoral". Isto acontece apesar de todas as pesquisas darem como vencedor o atual chefe de Estado (independentemente da orientação política do instituto de pesquisas, incluindo o CID Gallup, que realizou duas sondagens). Daí a busca obsessiva: como, e por que meios, livrar-se do sandinismo e de Ortega?

 

A oposição tentou fazê-lo, em 2018, por meios violentos. Mas não conseguiu resultados concretos, fora um número muito elevado de mortos: 220, entre eles 22 policiais e 48 sandinistas, segundo a Comissão da Verdade do Governo. Ao contrário do que afirmam os sandinistas, não se tratou de uma tentativa de "golpe de Estado". Para que haja um "golpe", uma ou várias instituições de Estado - as Forças Armadas, a Polícia, o Judiciário, o Parlamento - devem participar na derrubada do presidente - como na Venezuela com Hugo Chávez em 2002 (facções militares), em Honduras com Manuel Zelaya em 2009 (Parlamento, Suprema Corte de Justiça, Exército), no Paraguai de Fernando Lugo em 2012 e no Brasil de Dilma Rousseff em 2016 (Parlamento), na Bolívia de Evo Morales em 2019 (Polícia, Exército) - com uma contribuição mais ou menos discreta do USG (Governo dos EUA)…

 

Voltando a 2018, todas as instituições se mantiveram fiéis ao poder legítimo, prova, se fosse necessário, da fortaleza do sistema democrático na Nicarágua. Por outro lado, houve uma tentativa inconstitucional de derrubar o presidente eleito. O que no geral têm sido descritas como "manifestações pacíficas" tinham todas as características de uma rebelão antidemocrática levada a cabo por intermédio da violência insurrecional. A ela se opuseram, de maneira igualmente dura, o governo e sua base social sandinista, um movimento organizado de massas, calejado por uma longa história de agressões, e subestimado tanto pela oposição quanto pelo cartel de "observadores" a ela subservientes. [1]

 

Desde então (e inclusive antes), a direita, com dificuldade de enfrentar o casal Ortega-Murillo (Daniel, presidente; Rosario Murillo, sua esposa e vice-presidenta) "com justiça", só pode culpar a si mesma. Nostálgica da época em que os "mendigos" eram aniquilados por suas políticas, não creem ser necessário elaborar e propor um programa ou um projeto para o país que faça seus compatriotas esquecerem o desastre social que causaram no passado. Nada - exceto o ódio a Ortega! E as ambições pessoais. Inclusive ambições familiares, no caso do clã Chamorro - Cristiana, Carlos Fernando, Juan Sebastián, Pedro Joaquín - que, como herdeiros de uma dinastia de presidentes conservadores [2], se consideram os legítimos donos da Nicarágua. De modo que, além dos grandes discursos destinados essencialmente aos estrangeiros, a confraria de personalidades, que supostamente combatem o sandinismo, se dedica a brigar entre si.

 

Da crise de 2018 sobrevieram duas correntes. Uma, a Alianza Cívica por la Justicia y la Democracia (ACJD), foi criada por bispos conservadores visando um suposto "diálogo nacional" realizado em maio e junho de 2018. Desde o início, a ACJD conta em seu seio com o setor empresarial e dos empregadores. Por seu lado, a Unión Nacional Azul y Blanca (UNAB) [3] representa, grosso modo, a "sociedade civil", um punhado de “autoconvocados”, organizações não governamentais (ONGs) que defendem desde o "feminismo" até supostos "direitos humanos", passando por um amontoado de partidos políticos sem representação na Assembleia Nacional, entre eles o Movimiento de Renovación Sandinista (MRS). Esses "dissidentes" da FSLN se converteram nos mais ferrenhos inimigos do antigo compañero Ortega desde que foram derrotados em um congresso extraordinário do partido em 1994.

 

Apresentando-se como a oposição "de esquerda", o MRS não vacilou em apoiar a direita mais extremista nas eleições de 2008, 2011, 2012 e 2016. Pondo fim a uma ambiguidade mantida desde 1995 em torno do adjetivo "sandinista", o partido renegou finalmente sua origem ao se rebatizar como Unión de Renovación Democrática (Unamos) em janeiro de 2021. Em 3 de março, sua presidenta Suyen Barahona, assim como Tamara Dávila, membro de sua comissão executiva e do Conselho Político da UNAB, assumiram abertamente seu matiz político ao participar de uma reunião virtual com o autoproclamado presidente Juan Guaidó para falar sobre "a luta pela democracia" tanto na Nicarágua quanto na Venezuela.

 

Em outubro de 2018, a ACJD e a UNAB anunciaram alegremente seu casamento. Sem concordarem com nada. A UNAB pedia uma greve geral [4] a fim de “derrubar Daniel”. A ACJD – que tem como diretor executivo Juan Sebastián Chamorro – preferia a pressão diplomática internacional visando impor reformas ao chefe de Estado com o menor dano possível aos setores econômicos. Assim teve início a uma interminável, às vezes grotesca, novela. Em janeiro de 2020, a ACJD anuncia sua separação “amistosa” com a UNAB para formar..."uma grande coalizão nacional". Segundo José Pallais, seu diretor executivo (ex-ministro do Exterior de Violeta Chamorro), a ACJD estava "superando uma etapa de unidade" e passando para "uma etapa superior de integração". Por sua parte, Medardo Mairena, líder de uma facção de camponeses antissandinistas, reclama autonomia. Diante tanta falta de coerência, até a conservadora revista britânico The Economist prevê que, devido à volta à normalidade e a paulatina recuperação da economia, Ortega vencerá as eleições de 2021.

 

Em 25 de fevereiro de 2020, com as mesmas pessoas e outras mais, surge uma Coalición Nacional, sem na verdade ter nascido. Seus estatutos incluem um "artículo" que estabelece que os “desacordos e dúvidas pendentes” podem ser discutidos posteriormente e que as diferenças fundamentais devem ser resolvidas por consenso. Racha do antigo Partido Liberal Constitucionalista (PLC), dos ex-presidentes conservadores Arnoldo Alemán (1997-2002) e Enrique Bolaños (2002-2007), a aliança Ciudadanos por la Libertad (CxL), ligada ao grande setor privado, nega-se a integrar o bloco e convida a todos os opositores a se unirem a um… "movimento unitário", que ela liderará! Entretanto, a Coalición Nacional decola finalmente em 25 de junho, com a força da UNAB, a ACJD, o Movimiento Campesino, uma facção da Frente Democrática Nicaraguense (FDN; ex-contras [5] e alguns partidos políticos, o PLC, Restauración Democrática - PRD; evangélico - e Yátama - Indígenas da Costa Atlântica. Salta aos olhos o projeto político altamente democrático do agrupamento: “o fim último da coalizão”, confessou Alexa Zamora, do conselho político da UNAB, “não são as eleições [de 2021], nosso objetivo é tirar Ortega, nosso inimigo comum”. Medardo Mairena, do Movimiento Campesino, confirmou que “esta é uma nova etapa para unirmos e derrubar este regime ditatorial que tanto sofrimento causou” [6].

 

Entre todas essas belas pessoas já é possível encontrar uma dúzia de aspirantes à presidência no “pós Ortega". E as brigas não param. Em 26 de outubro de 2020, a ACJD formaliza sua saída da Coalición para “promover uma plataforma política e eleitoral unitária e inclusiva”. Juan Sebastián Chamorro quis fazer acreditar que não se tratava de uma ruptura. “Queremos ter uma relação respeitosa com todos os opositores, mas nossa opção é voltar à questão da unidade, e a unidade não é só a Coalición Nacional”, disse seriamente. Em desacordo com esta particular concepção de unidade, dirigentes das cidades de León, Estelí, Madriz, Chontales entre outras abandonaram a ACJD e permanecem na Coalición. Mas em julho, foi o líder camponês Medardo Mairena que se desligou da Coalición em uma reunião virtual com o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA). E explicou: os dirigentes da Coalición “se retiraram do Zoom da reunião (do grupo) e se conectaram ao Zoom de Luis Almagro, sem sequer se preocupar em nos perguntar ‘se vocês estivessem com Luis Almagro o que diriam’ e tampouco nos convidaram para participar” [7].

 

E então, para não ficar para trás, a chamada Coalición expulsa o PLC em 30 de novembro, o acusando de estar “sob o controle e e a influência” do "orteguismo"… Sabendo que dentro desse mesmo PLC um presidente de fato, Miguel Rosales, se opõe a María Fernanda Flores de Alemán (esposa do ex-presidente), que também tem suas ambições.

 

O primeiro passo para qualquer reflexão razoável sobre a Nicarágua, e que todos estrategistas sabem, é que não se deve lutar de forma dispersa. Diante de tamanha desordem, um bloco unido e disciplinado, com forte identidade e liderado por um reconhecido “líder”, tem todas as chances de vencer. Para ser vitorioso nas eleições de novembro de 2021, Ortega e a FSLN não precisam "decapitar" a oposição. Ela mesma cortará suas cabeças. No exterior (exceto talvez nos Estados Unidos), isso é ignorado. Na Nicarágua, até os líderes de direita estão bem cientes disso. Novamente em outubro de 2020, quando o Movimento Boliviano pelo Socialismo (MAS) frustrou o golpe e trouxe à presidência Luis Arce, sucessor de Evo Morales [8], o ex-deputado Eliseo Núñez Morales, membro da ACJD, alertou: “A oposição nicaraguense deve aprender uma lição, devemos deter as guerras internas, parar esses ataques permanentes que existem entre todos os grupos de oposição e gerar uma alternativa a Ortega".

 

Nas campanhas eleitorais de 2001 e 2006, embaixadores estadunidenses alertavam aos nicaraguenses que era preciso impedir a qualquer custo a volta dos sandinistas. Que uma vitória de Ortega levaria à suspensão da ajuda e da cooperação. A ameaça era tanto mais ouvida porque, em 2001, por exemplo, dos 6,5 milhões de nicaraguenses, 10% viviam nos Estados Unidos, de onde enviaram dezenas de milhões de dólares em “remessas”. Ainda assim, o descontentamento popular era tanto que a chantagem deixou de funcionar. Em novembro de 2006, na pessoa do ex-banqueiro Eduardo Montealegre, a direita foi derrotada. Depois disso, Washington relançou sua "diplomacia paralela” (da força).

 

O universo midiático francês - Le Monde, Médiapart, Radio France etc. - sempre se gaba da suposta prática de "jornalismo investigativo". Quando se trata de cobrir a América Latina, essas chamadas "Forças Tarefa" da informação se caracterizam sobretudo pelo conformismo e pelo “copiar e colar”. Felizmente, alguns profissionais… estadunidenses - Max Blumenthal, Ben Norton etc.- em mídias alternativas - The Grayzone [9], Behind Back Doors [10], The Intercept - salvam a honra da profissão promovendo um rigoroso trabalho de pesquisa. Então ... são ignorados por seus queridos colegas da mídia chamada "mainstream". De quem seriam arrancados a língua, caneta, teclado, microfone ou câmera se simplesmente mencionassem as informações, mesmo não citando a fonte, sobre os métodos usados por Washington e seu "poder brando" (soft power) para desestabilizar a Nicarágua (assim como muitos outros países da região, começando por Cuba e Venezuela).

 

Os principais atores desta guerra não convencional “made in USA” são: a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID); a Nova Fundação para a Democracia (NED), criada em 1983 por Reagan para substituir a CIA na organização de ações "não armadas" [11]; o Instituto Nacional Democrata (NDI;) e o Instituto Republicano Internacional (IRI), dependentes do Congresso estadunidense; a Freedom House, a Open Society de George Soros; e alguns comparsas menos conhecidos. O objetivo é se infiltrar (se for necessário), criar, financiar, formar, controlar e instrumentalizar as instituições da mítica "sociedade civil": sindicatos, partidos políticos, instituições acadêmicas ou profissionais e, especialmente, a imprensa e as ONGs.

 

Entre 2010 e 2020, a USAID transferiu impressionantes US$ 68,4 milhões para a direita nicaraguense para ajudá-la a desacreditar o governo (interna e externamente) enquanto treinava novos "líderes" e criava uma massa crítica de oponentes. Dois anos antes do levante "espontâneo" de 2018, acrescentou outros US$ 8 milhões.

 

No centro da trama, a Fundação Violeta Barrios de Chamorro para a Reconciliação e a Democracia (FVBCH ou, para abreviar, a Fundação Chamorro) serviu de base para a redistribuição de parte substancial desse prêmio de loteria, US$ 14,6 milhões. Filha do respeitado Pedro Joaquín Chamorro, assassinado pela ditadura de Somoza poucos meses antes do triunfo da revolução sandinista, e de sua esposa Violeta, posteriormente presidente (1990-1997), Cristiana Chamorro (67 anos) está à frente da fundação. Durante a presidência de sua mãe, dirigiu a comunicação do governo assim como o jornal "da família" desde 1926, La Prensa.

 

Desde a FVBCH, que "promove a liberdade de imprensa", colocaram os primeiros fluxos de dólares ofertados pela USAID, a NED e o IRI - a caridade começa em casa - nas contas dos membros da família: Carlos Fernando Chamorro, seu irmão, proprietário do semanário Confidencial e do Centro de Investigación y Comunicación (CINCO), próximo ao ex-MRS; Jaime Chamorro Cardenal, seu tio, redator chefe de La Prensa (da qual Cristiana é vice-presidenta), que tem uma linha editorial claramente definida: "As grandes vitórias dos Contras sobre o Exército Popular Sandinista", foi a manchete do diário em 16 de dezembro de 2020, enaltecendo os tempos sombrios da agressão estadunidense [12].

 

Ao mesmo tempo, a fundação alimentou os canais de televisão: 10, 11 e 12, Vos TV, Radio Corporación, Radio Show Café con Voz. Assim como financiou as plataformas digitais: 100% Noticias, Artículo 66, Nicaragua Investiga, Nicaragua Actual, BacanalNica e Despacho 505… Deixaremos de mencionar, para não aborrecer o leitor [13], o grande número de jornalistas "independentes" que são regiamente remunerados para difundir, aberta ou subliminarmente, uma mensagem que tem o mérito da simplicidade: "Ortega tem de cair!" Como coroamento, a campanha incendiária de 2018 para exacerbar os ânimos instrumentalizando (em nome do meio ambiente) um grave incêndio ocorrido na Reserva da Biosfera Índio Maíz e, depois, (em defesa da justiça social) uma reforma da Previdência Social (retirada rapidamente diante dos protestos). A princípio, isso fez com que multidões de jovens saíssem às ruas, acreditando sinceramente que lutavam pela liberdade, sem saber a que interesses realmente serviam. O confronto mudou de alma e natureza quando a mesma “Camorra midiática” encorajou, apoiou e encobriu, sem qualquer distanciamento, as ações irresponsáveis de criminosos hiperviolentos e assassinos.

 

USAID – Fundação Chamorro – 100% Noticias

 

Desde 2009, a USAID destinou US$ 10 milhões aos meios de comunicação da oposição - dos quais mais de US$ 7 milhões passaram pela Fundação Chamorro de 2014 a 2021. Sabendo-se que, além disso, ela recebeu uma doação de 831.527 euros (mais de um milhão de dólares) da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID). [14] Temendo que esse fluxo de inocentes contribuições fosse pouco, um programa "Nicaragua Media" da Family Health International (FHI), uma organização com sede na Carolina do Norte e parcialmente financiada pelo governo dos Estados Unidos, concedeu 45 subvenções, que vão de US$ 10 mil a US$ 15 mil, aos meios de comunicação antissandinistas num total de US$ 2,8 milhões.

 

Em dez anos, o canal 100% Noticias recebeu uma subvenção (que chegou a US$ 43.100 em 2015) da USAID através da Fundação Chamorro. Ao difundir "fake news", incitar à violência e conclamar as pessoas a pegarem em armas contra os sandinistas, esse meio de comunicação teve um papel central nos acontecimentos de 2018. Seu diretor, Miguel Mora, continua pedindo uma intervenção militar dos EUA na Nicarágua, semelhante à realizada em 1989 no Panamá.

 

O número e a diversidade de conexões estabelecidas para travar essa guerra não convencional são impressionantes. Além da mídia, existe um exército de ONGs de todos os tipos que, desde o fim dos conflitos armados da década de 1980, se abate sobre a América Central. É uma verdadeira teia de aranha.

 

A presidenta da fundação que leva o nome de sua mãe, Cristiana Chamorro, é também vice-presidenta das Voces Vitales Nicaragua, à qual sua organização aporta fundos da USAID. Berta Valle é a diretora da ONG Voces Vitales Nicaragua e proprietária da Voces en Libertad, dirigida por seu marido, Félix Maradiaga, que também é sócio de Javier Meléndez no Instituto de Estudos Estratégicos e Políticas Públicas (IEEPP, fundado por Maradiaga).

 

Em 25 de junho de 2020, ao ser perguntado na CNN em espanhol sobre a origem do dinheiro que financia sua revista “investigativa” Expediente Público, Javier Meléndez, engasgou mais do que respondeu: "Eehhh. Garanto que não vem da Venezuela nem de narcotraficantes… garanto que são fontes... como te explico... são fontes que cumprem uma linha de absoluta transparência, mas devido à crise na Nicarágua, os colaboradores nos pediram para não revelar a origem dos fundos que recebemos…”. Pode-se entender sua relutância em revelar a origem e o destino do dinheiro recebido. Sua esposa, Deborah Ullmmer, é diretora de programas para a América Latina e Caribe no NDI (Congresso dos Estados Unidos).

 

Deve-se acrescentar que muitos dos empregados de Meléndez, que trabalha desde Washington, também colaboram com a CINCO, uma plataforma dirigida por Carlos Fernando Chamorro (que é igualmente dono do semanário Confidencial), e que a ONG Voces Vitales Nicaragua tem sua sede no mesmo endereço da Fundação Chamorro - Km 8, Carretera Sur, Plaza San José -. Tanta proximidade e tanta falta de transparência sugere algumas perguntas. Por exemplo: essa falta de transparência não permitiria o desvio de centenas de milhares de dólares para particulares? Ou por que, ao invés de financiar diretamente Voces Vitales Nicaragua (e a outras muchas ONG), a USAID e o NDI a financiam através da fundação [15]?