Alex Saab: refém dos EUA em Cabo Verde

O enviado especial venezuelano Alex Saab está preso em Cabo Verde desde junho de 2020, quando se dirigia ao Irã em missão humanitária para adquirir alimentos, combustível, remédios e equipamentos médicos necessários à Venezuela para enfrentar a pandemia de Covid-19.

02/06/2021
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Qualquer cidadão consciente do mundo sabe que a tentativa dos EUA de extraditar da Inglaterra o jornalista Julian Assange é uma retaliação por suas denúncias, via Wikileaks, dos crimes de guerra do exército norte-americano. Os vídeos dos macabros assassinatos estão públicos no YouTube. Por isso, e pela pressão internacional mobilizada, não conseguiram até agora extraditá-lo.    

 

Algo semelhante está acontecendo na República de Cabo Verde. Alex Saab, Enviado Especial do governo da Venezuela, foi detido no dia 12 de junho de 2020, durante uma escala técnica no Aeroporto Amilcar Cabral de Cabo Verde sem que existisse qualquer base legal ou real para esta arbitrariedade.  As tentativas posteriores dos EUA para extraditá-lo também têm fracassado pelo mesmo motivo.

 

É público que os governos dos EUA adotam medidas coercitivas unilaterais ilegais contra qualquer governo que desenvolva políticas independentes e soberanas. Deixando de lado a figura grotesca de Donald Trump, foi o simpático Barack Obama, numa entrevista de 2015, quem confessou, sem meias palavras: "Temos o Exército mais forte do mundo e às vezes temos que torcer os braços dos países se eles não quiserem fazer o que queremos por meio de métodos econômicos, diplomáticos e às vezes militares".

 

Na extensa lista dos países que os EUA tentam dominar, encontra-se Cuba. Sua eterna obsessão. Inclui até mesmo sua aliada Alemanha, sancionada pela construção do gasoduto Nord Stream 2 com a Rússia, o que lhe garantirá o abastecimento de gás de maneira segura e barata. Mas é a Venezuela, sua mais nova obsessão, o alvo principal da injustiça que está ocorrendo em terras africanas.

 

As sanções criminosas que a Venezuela vem enfrentando foram anunciadas nas declarações dadas em 2018 por William Brownfield, embaixador dos EUA à época do golpe contra o Presidente Chávez em 2002, quando afirmou que para acabar com o governo bolivariano, “... a melhor solução seria acelerar o colapso, embora produza um período de sofrimento maior, por um período de meses ou quiçá anos”.

 

As agressões contra a Venezuela começaram desde a chegada do Comandante Chávez ao poder em 1998, mas aumentaram em intensidade a partir de uma Ordem Executiva assinada em 2015 por Obama. Sem armas nucleares, nem nada que se pareça, a Venezuela foi declarada “uma ameaça inusual e extraordinária para a segurança nacional dos EUA”.

 

O sofrimento que o povo venezuelano vem padecendo por causa do bloqueio ficou exposto pela Relatora Especial da ONU Sobre Medidas Coercitivas Unilaterais e Direitos Humanos, Alena Douhan. Depois de visitar a Venezuela em fevereiro de 2021, viu-se no dever ético de pedir aos EUA, à União Europeia e outros Estados que retirassem as sanções contra o país dado o “efeito devastador” que estavam causando. Entre outras questões, o informe revela que “Os impedimentos à importação de alimentos que constituem mais de 50% do consumo de comida, tem provocado o crescimento constante da desnutrição nos últimos 6 anos”.

 

Para enfrentar os padecimentos do povo venezuelano, seu governo bolivariano tem tomado diversas iniciativas para furar o bloqueio. O Enviado Especial Alex Saab participava de uma delas quando foi preso pela Interpol em Cabo verde, numa operação evidentemente articulada pelos serviços de inteligência norte-americanos. Dirigia-se à República Islâmica do Irã numa missão humanitária para a aquisição de alimentos, combustíveis, medicinas e equipamentos médicos necessários na Venezuela para enfrentar a pandemia de Covid-19.

 

Para que essa prisão fosse legal, deveria existir um Código Vermelho na Interpol contra Alex Saab e que estivesse vigente. Como não existia tal código e estava flagrante a ilegalidade da detenção, no dia seguinte (13 de junho), como passe de mágica, apareceu uma ordem de captura contra Alex Saab solicitada pelos EUA. No mesmo dia, a Chancelaria venezuelana emitiu sua primeira nota de protesto, denunciando o fato e o agravante: foi ignorada a imunidade diplomática que é concedida a um Enviado Especial de qualquer Governo Soberano.

 

Na segunda nota de protesto da Venezuela (9/8/2020) foi incluída a denúncia que o Chanceler Jorge Arreaza fez à União Africana e ao governo de Cabo Verde pelas as torturas sofridas por Alex Saab desde que foi preso. Via Twitter, @jaarreaza afirmou que se tratava de “uma clara violação a seus Direitos Humanos” e enfatizou que “tudo tem sido constatado por seus advogados”, uma equipe de defesa encabeçada pelo nigeriano Femi Falana, especialista em direitos humanos e ex-presidente do Colégio de Advogados da África Ocidental. De repente, um país soberano como Cabo Verde, com uma admirável história de lutas e que reivindica o respeito às normas e procedimentos democráticos, vê-se arrastado por pressões estrangeiras a agir com práticas que estão fora do direito internacional. As circunstâncias lembram o modus operandi da Prisão de Guantánamo, essa pérola de violação sistemática dos direitos humanos construída por EUA no território ocupado de Cuba.

 

Acuados pela pressão norte-americana, as autoridades cabo-verdianas tinham se negado até setembro de 2020, entre outras coisas, que fosse permitida a Alex Saab “a visita imediata de um médico forense”, como demandou o Chanceler da Venezuela.

 

Enquanto Alex Saab permanece preso nas piores condições, a mídia comprometida com essa infâmia lança notícias falsas e mentiras requentadas. Retomaram antigas acusações contra Alex Saab nunca comprovadas para apresentá-lo como um personagem perverso, um "testa-de-ferro do regime" que estaria acobertando "atos de corrupção" do governo venezuelano. Tudo isso acompanhado de narrativas próprias dos filmes de espionagem dos tempos da Guerra Fria, onde em nome de seu conceito de “liberdade” os EUA cometem as maiores atrocidades. Calunias vindas de uma mídia que já sustentou em 2002 o relato da “existência de armas de destruição massiva” para justificar a invasão genocida ao Iraque.

 

Em mais duas notas (11 e 24 de dezembro de 2020), a Chancelaria venezuelana exortou o governo cabo-verdiano a acatar a ordem “de imediato cumprimento” do Tribunal Comunitário da Comunidade Econômica de Estados da África Ocidental (CEDEAO), do qual a República de Cabo Verde é integrante pleno e ativo. A ordem contém uma série de medidas relativas à saúde do cidadão venezuelano Alex Saab e outras que lhe concedem acesso e sem restrições à sua família, aos informes médicos e acompanhamento consular completo. Foi aprovada por unanimidade, incluindo o voto favorável da Honorável Juíza cabo-verdiana, Januária Tavares Silva Moreira Costa, detalhe que revela as flagrantes arbitrariedades contra Alex Saab. Embora emitida no dia 2 de dezembro de 2020, o governo tem se negado a cumpri-la até o momento.

 

Recentemente, no dia 1º de março de 2021, a Associação de Advogados da África (AFBA), através de seu Presidente, Sr. Hannibal E. Uwaifo, fez um pedido público para que o governo de Cabo Verde libere, de forma imediata, o diplomático venezuelano Alex Saab. Em nota da Chancelaria (5 de março de 2021), a Venezuela se somou a esse pedido.

 

Esses são os fatos que até o presente momento resumem as injustiças vividas por Alex Saab. Neles se percebem o mesmo processo kafkiano que enfrenta Julian Assange. Quando as condições não permitem aos EUA destruir seus adversários pela violência pura e direta, aplicam todas as modalidades possíveis da guerra de desgaste, buscando a destruição moral e espiritual dos indivíduos e dos povos que ousam enfrentá-los. Por isso, toda solidariedade a Alex Saab e sua família é importante.

 

Quando as autoridades cabo-verdianas se colocam como cúmplices dessa agressão dos EUA contra um representante do povo irmão da Venezuela, desrespeitam a memória daqueles que deram suas vidas pela justiça e a independência de Cabo Verdes. Mas sobretudo, tornam letra morta o pensamento anti-imperialista do seu grande herói nacional, que dá o nome ao aeroporto onde Alex Saab foi preso, Amilcar Cabral: “A nossa luta não é apenas contra o colonialismo português, nós queremos no quadro da nossa luta contribuir de maneira mais eficaz para acabar para sempre, com a dominação estrangeira em nosso continente”.

 

As mulheres e os homens identificados com as causas dos povos que lutam por Justiça, Paz, Independência e Soberania, ficam convocados a se somarem nessa campanha pela libertação do venezuelano Alex Saab. Defender a quem defende dignamente a Pátria de Bolívar é um convite para que todas e todos defendam seus países com a mesma dignidade. O governo de #CaboVerde deve abandonar sua subordinação e cumplicidade com os EUA. Escrevamos ao Presidente José Carlos Fonseca @PresidenciaCV e ao Primeiro-Ministro de Cabo Verde José Ulisses Correia @pm_ucs para que corrijam, o quanto antes, essa mancha que afronta a identidade, dignidade e o orgulho nacional dos cabo-verdianos.

 

#LiberdadeParaAlexSaab

#LibertadParaAlexSaab

#FreeAlexSaab

 

(*) Anisio Pires é venezuelano, sociólogo (UFRGS/Brasil), professor da Universidade Bolivariana da Venezuela (UBV).  

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/212492
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