Não ligamos para o governo moribundo de Donald Trump

14/12/2020
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Ilustracion: Madhuri Shukla (EE. UU.)
Wring [Estrujar]
2020.
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Na noite anterior às eleições para a Assembleia Nacional na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro falou com um grupo de visitantes no Palácio Miraflores, em Caracas. Ele contou sua experiência como membro da Assembleia Constituinte, formada em 1999, que estabeleceu a estrutura legal do sistema político da Venezuela. Maduro contou aos visitantes que foi membro da Assembleia Nacional durante o primeiro e segundo mandato (2000-2005 e 2005-2010, respectivamente), sendo o presidente da Casa durante o segundo pleito antes de ser convidado a assumir o cargo de ministro das Relações Exteriores. Durante a eleição do quarto mandato da Assembleia Nacional (2015-2020), o Partido da Unidade Socialista da Venezuela (PSUV), liderado por Maduro, perdeu a maioria na Assembleia Nacional “porque cometemos erros”, disse. “Sejamos claros”.

 

Quando a quarta Assembleia Nacional tomou assento em Caracas, ela foi usada pelo governo dos EUA e por um setor da direita venezuelana na tentativa de derrubar o governo de Maduro e a Revolução Bolivariana. De dentro da Assembleia Nacional, o governo estadunidense e os elementos mais radicais da oposição venezuelana alçaram um político obscuro, Juan Guaidó, e escolheram-no como seu instrumento para deslegitimar a política venezuelana. O Departamento de Estado dos EUA estranhamente nomeou Guaidó como presidente da Venezuela, sua autoridade derivou quase inteiramente dos pronunciamentos do Secretário de Estado, Mike Pompeo. Todas as tentativas de derrubar o governo do presidente Maduro fracassaram, ainda que a escalada das sanções e a apreensão forçada de ativos venezuelanos fora do país tenham afetado gravemente o povo venezuelano e a capacidade do país de exercer plenamente sua soberania.

 

De acordo com a Constituição venezuelana, a quarta Assembleia Nacional terminou em dezembro de 2020, o que significa que uma nova eleição deveria ser realizada para eleger a quinta Assembleia Nacional. Isso ocorreu em 6 de dezembro. Pouco antes das eleições, encontrei-me com uma série de líderes políticos em Caracas que se opõem ao governo do presidente Maduro e contestam as eleições para a Assembleia Nacional contra os candidatos do PSUV. “Nós somos a oposição invisível”, disse Pedro José Rojas, um líder da Acción Democrática (AD), que, ao lado do Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (Copei), formam a partidocracia, o antigo establishment político. Esses partidos são contra o governo, mas não se opõem ao sistema político e tampouco apoiam a oposição extremista de Guaidó ou da tentativa dos EUA de derrubar o atual governo.

 

As sanções unilaterais dos EUA, disse Rojas, “tiveram um impacto devastador para o povo venezuelano. Elas não cumpriram seu propósito”, a saber: conduzir a mudança de regime por meio de uma série de técnicas de guerra híbrida empregadas pelo governo dos EUA contra a Venezuela desde que Hugo Chávez foi eleito pela primeira vez, em 1998. Juan Carlos Alvarado, um líder do Copei, disse que “o bloqueio teve um impacto terrível no país”. Na verdade, toda a oposição que participa das eleições e acredita que a via democrática é a única forma de avançar, afirmam que em 2021 gostariam de trabalhar com o presidente para constituir uma comissão para investigar o duro impacto dessas sanções dos EUA a todos os venezuelanos.

 

Guaidó e a oposição extremista e antidemocrática – ao lado do governo dos EUA e da União Europeia – argumentaram antes mesmo das eleições que o pleito de 6 de dezembro era fraudulento; após a eleição, tanto os EUA quanto a União Europeia fizeram estéreis declarações de condenação. O Departamento de Estado dos EUA interferiu em várias ocasiões nas eleições, sancionando os funcionários do Conselho Eleitoral Nacional (CNE), incluindo o seu presidente, ratificando os candidatos da oposição e elaborando um enredo centrado em alegações de fraude não comprovadas. Políticos da oposição, como Bruno Gallo (Avanzada Progresista) e Timóteo Zambrano (Cambiemos), me disseram que não há fraude nesta eleição, mas apenas as irregularidades normais (por exemplo, favorecimento dos candidatos ligados ao oficialismo pela mídia estatal; embora a mídia privada favoreça a oposição). Gallo disse que passou dez anos examinando atentamente a CNE em busca de fraude, com a intenção de miná-la, mas não conseguiu encontrar nenhuma evidência. Esta foi uma eleição justa, disseram.

 

O resultado veio ao cair da noite: o PSUV conquistou a maioria das cadeiras, embora tanto a oposição de direita quanto a de esquerda tenham obtido um terço dos votos. Em um adorável dia de dezembro em Caracas, mais de 5 milhões de pessoas compareceram aos centros de votação em todo o país. A participação – cerca de 32% – é a média para uma eleição não presidencial, ao que se soma a pandemia, a escassez de combustível (que atrapalha o transporte) e a atmosfera de medo criada pelos chamados da extrema direita a boicotes. Em comparação, uma eleição na Romênia no mesmo dia teve um comparecimento de 30% e as eleições municipais na Costa Rica em fevereiro deste ano levaram 34% do eleitorado às urnas. Não houve violência no país, tampouco queixas graves de fraude à CNE. Na manhã seguinte às eleições, o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, disse sobre a campanha eleitoral e a votação que o país concluiu uma “jornada pacífica onde a democracia e o povo venezuelano triunfaram”.

 

Desde a campanha eleitoral promovida por um movimento popular liderado por Hugo Chávez em 1998, os Estados Unidos e seus aliados travaram uma guerra híbrida contra a possibilidade de um futuro diferente para a Venezuela e para a América Latina. O termo “guerra híbrida” é um conceito-chave de nosso trabalho no Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, uma vez que ajudou a concentrar nossa atenção nas muitas novas táticas usadas pelos Estados Unidos e seus aliados contra qualquer pessoa que desafie a autoridade estadunidense. Nosso dossiê de janeiro de 2021 fornecerá uma análise conjuntural da situação mundial e tratará do conceito de guerra híbrida.

 

Em vez de realizar um ataque militar frontal contra seus adversários, os EUA foram à guerra por meio da diplomacia, comunicações e comércio. Por exemplo, o controle das organizações de mídia estadunidenses para moldar a narrativa dos assuntos mundiais tem sido usado como uma arma contra adversários, como a Venezuela, cujo governo é descrito por esta mídia como um “regime” e não um “governo”, e cujas lutas em um mundo complexo são atribuídas inteiramente à política governamental ou à “corrupção”, e não ao impacto do colonialismo, à intensificação das desigualdades pelo sistema capitalista mundial e ao duro ataque das potências imperialistas – incluindo o regime de sanções.
Como parte desta guerra informacional, uma frente da guerra híbrida, é importante para os EUA e União Europeia deslegitimarem a cultura política da Venezuela e, portanto, rechaçar estas eleições; as declarações divulgadas pela UE e pelos EUA foram provavelmente escritas dias antes do pleito propriamente dito, pois não refletem de nenhuma forma os acontecimentos ocorridos em 6 de dezembro. A UE não enviou observadores à Venezuela e, por isso, baseou sua declaração nos seus preconceitos, e não em relatórios confiáveis feitos in loco. Fui observador eleitoral da CNE e gostaria de dizer – na minha opinião pessoal e profissional – que não vi evidências de fraude nas eleições. Essa também foi a opinião dos líderes da oposição que me disseram categoricamente que não acreditam que tenha ocorrido qualquer tipo de fraude.

 

A guerra híbrida assume muitas formas e nenhuma delas é fácil de visualizar. Nesta quarta e última Exposição de Cartazes Anti-imperialista: Guerra Híbrida, 39 artistas de 18 países contribuíram com criações que ajudam a dar expressão visual a esse conceito definidor de nossos tempos. Esta exposição foi lançada no dia 3 de dezembro em solidariedade ao povo da Venezuela, antes das eleições para a Assembleia Nacional. Ela examina como a guerra híbrida liderada pelos EUA se manifesta, da Venezuela à Índia, de Cuba à China, passando pelo Brasil e além. Esses cartazes são um testemunho vivo da luta dos povos contra o imperialismo.

 

Na noite anterior às eleições, o Presidente Maduro disse ao povo venezuelano que esperava que os EUA negassem a validade da eleição e impedissem os representantes políticos venezuelanos de encaminharem a agenda necessária para resolver os graves problemas que o povo enfrenta. “Os EUA disseram que não aceitam os resultados das eleições muito antes de as eleições ocorrerem”, me contou Maduro em Miraflores. “Não ligamos para o governo moribundo de Donald Trump”.
A nova Assembleia Nacional tomará posse em 5 de janeiro, quinze dias antes da transferência do poder nos EUA (onde Trump também alegou fraude). Os EUA, disse Maduro, “não decidem o que fazemos na Venezuela”. Isso é verdade politicamente, mas devido ao domínio estadunidense sobre as informações e a atividade econômica por meio do controle de partes do sistema financeiro e de sistemas de renegociação de dívidas, os EUA restringem a possibilidade de a Venezuela agir em nome de seu povo. Hugo Chávez costumava dizer “viveremos e venceremos”. Esse é o sentimento dentro da Venezuela em várias linhas políticas; é o que dá esperança ao povo.

 

Edição: Daniel Lamir

 

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/210169
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