China: êxito na retomada econômica e na luta contra a extrema pobreza

27/11/2020
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A China, sob comando do PCCh desde 1949
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Em plena recessão econômica global e com projeções nada otimistas, a China acaba de superar a extrema pobreza no país. Apesar do conturbado contexto econômico e político imposto pela pandemia da Covid-19 mundo afora, o desafio secular foi designado como prioritário na estratégia nacional chinesa e alcançado antes mesmo do prazo que o Conselho de Estado havia fixado para si.

 

No que se refere ao atual contexto socioeconômico, vale destacar que de acordo com o mais recente relatório do Fundo Monetário Internacional, o “World Economic Outlook”, continua a projeção de uma recessão profunda em 2020. O crescimento global é projetado em -4,4%. E a previsão para economias avançadas em 2020 é de -5,8%, seguido por uma recuperação no crescimento para 3,9% em 2021. Ato contínuo a esta retomada, o crescimento econômico deverá desacelerar gradualmente para cerca de 3,5% no médio prazo, o que expressa uma perda permanente na produção. Assim, esta perda cumulativa, em relação à trajetória projetada pré-pandemia, aumentará de 11 trilhões neste ano e próximo a 28 trilhões, no final de 2025.

 

Entretanto, a despeito da recessão global narrada, a produção chinesa já está ultrapassando os níveis de 2019 neste ano e continua a crescer cumulativamente em 10% entre este e o próximo ano, contrariando a produção nas economias avançadas, emergentes e em desenvolvimento – que devem ficar abaixo dos níveis de 2019 até 2021, com retorno gradual em 2022 ou 2023.

 

E justamente em meio à pandemia e à guerra comercial sino-estadunidense – que já se arrasta desde 2018 – o país ultrapassou os Estados Unidos e tornou-se a maior economia do mundo sob o critério do tamanho de seu Produto Interno Bruto, por paridade de poder de compra (PPC)[1], e venceu a batalha que travava contra a extrema pobreza em seu território.

 

A participação do PIB chinês, em PPC, no PIB mundial chegou a 17,4% – cujo valor atingiu 24,7 trilhões de dólares – enquanto a participação do PIB (PPC) estadunidense encontra-se em 15,9%.

 

Extrema pobreza

 

Outro dado alarmante exposto pelo relatório do FMI é que “os pobres estão ficando mais pobres, com cerca de 90 milhões de pessoas que deverão entrar em privação extrema neste ano”. No mesmo sentido, o Banco Mundial afirma que 150 milhões de pessoas deverão tornar-se extremamente pobres até 2021.

 

A China, sob comando do Partido Comunista Chinês desde 1949, estabeleceu em seu programa “Dois Objetivos do Centenário” a meta de construção de uma “sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos” até o centenário do PCCh, em 2021, e ainda transformar a China em uma “sociedade socialista harmoniosa” até 2049, no centenário de sua Revolução Popular Socialista.

 

Logo, importante verificar que o êxito conquistado em novembro de 2020 compõe uma agenda centenária de planejamento e de coordenação de uma série de políticas estatais voltadas para setores estratégicos da economia, cujo objetivo de construção da “sociedade moderadamente próspera” fora composto prioritariamente pela superação da extrema pobreza.

 

Desde as notórias “Reformas e Abertura”, de 1978, o Estado chinês tem trabalhado na empreitada de alívio à pobreza, mas é a partir de meados da década de 1990 que a pauta ganha contornos próprios e concretos na estratégia nacional chinesa, com a implementação de uma série de projetos de médio e longo prazo: o Programa de Sete Anos para Tirar 80 Milhões de Pessoas de Pobreza (1994-2000); o Esboço para o Alívio da Pobreza Orientado para o Desenvolvimento nas Áreas Rurais da China (2001-2010); e o Esboço para o Alívio da Pobreza Orientado para o Desenvolvimento nas Áreas Rurais da China (2011-2020). No 18º Congresso Nacional do PCCh, em 2012, se fixa formalmente a tarefa de eliminação da pobreza rural e reabilitação de todos os condados empobrecidos até 2020.

 

No que se refere às linhas da pobreza adotadas pela China, e pelo Banco Mundial, a chinesa em comparação é ainda mais rigorosa. Enquanto que a linha de pobreza utilizada mundialmente como parâmetro é a “pobreza extrema” do Banco Mundial, definida como viver com menos de 1,90 dólares americanos por dia (a preços de 2011), atualizada em outubro de 2015, a linha oficial da pobreza utilizada pela China é um padrão que foi estabelecido em 2011 como uma renda anual per capita de 2.300 yuans (6,3 yuans por dia) a preços constantes de 2010 (340 dólares americanos pela taxa de câmbio do mercado de 2010).

 

Partindo destes parâmetros, a população rural da China, que vive abaixo da linha de pobreza atual, diminuiu de 770 milhões em 1978 para 16,6 milhões em 2018, e a incidência da pobreza rural na China caiu de 97,5% para 1,7% e agora, em novembro de 2020, foi superada.

 

Porém, de acordo com a linha de pobreza adotada pelo Banco Mundial, já havia saído da pobreza, entre 1978 e 2018, mais de 800 milhões de chineses, representando mais de 70% da cifra global no mesmo período.

 

Assim, a China tornou-se o primeiro país em desenvolvimento a realizar o objetivo de redução da pobreza das Metas de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas. O secretário-geral da ONU, António Guterres, elogiou a China como o país que mais contribuiu para a redução da pobreza global. Em 2018, a Assembleia Geral da ONU adotou uma resolução sobre a eliminação da pobreza rural, que incluía a teoria e prática planejada de redução da pobreza iniciada pela China.

 

Diante disto, sintomático que entre 1949 e 2018, a expectativa de vida do povo chinês aumentou de 35 para 77 anos, caracterizando-se enquanto uma expectativa mais alta do que a média mundial de 72 anos, além de que, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em relatório de 2018, entre 2006 e 2017 o gigante asiático experimentou o crescimento salarial mais rápido do mundo.

 

Além disto, de acordo com um relatório de bem-estar global[2] produzido pelo Boston Consulting Group (BCG) em 2018, a classificação da China subiu 25 lugares na última década, figurando como a taxa mais rápida entre os 152 países avaliados.

 

Outros dados que chamam a atenção são os que se referem ao emprego, renda e consumo. Anualmente o país adiciona em regra mais de 10 milhões de novos postos de empregos urbanos – segundo Relatório de Trabalho de 2020 – foram criados cerca de 13,52 milhões de empregos em 2019 – sendo que de acordo com a OIT[3], entre 2006 e 2017 o gigante asiático experimentou o crescimento salarial mais rápido do mundo.

 

Consequência direta da industrialização e urbanização[4], das políticas de alívio à pobreza, além das política voltadas para o emprego e renda, foi o incremento da renda da população chinesa. E ato contínuo, o aumento do potencial de consumo desta população que conta com uma força de trabalho de cerca de 900 milhões de pessoas, com mais de 700 milhões inseridas no mercado de trabalho[5].

 

Entre 2006 e 2011 a porcentagem da população chinesa com acesso ao seguro-saúde mais do que dobrou, passando de 43% para 95%. Vale destacar que, em 2011, os investimentos estatais nas áreas rurais e agrícolas estiveram em torno de 3 trilhões, dez vezes o valor investido em 2004. Além disto, há evidências de que as desigualdades urbano-rural e costeira-interior estagnaram e podem começar a diminuir[6].

 

Assim, se contar com uma população de 1,4 bilhões de pessoas já era fator atrativo por si só para os investimentos externos – que buscam acesso ao mercado consumidor chinês – atualmente tal fator se intensifica[7], uma vez que o país desenvolveu um grupo de renda média de mais de 420 milhões de pessoas, que compõem o maior mercado do mundo, respondendo por cerca de 30% do consumo global[8]. Ainda neste sentido, segundo dados de 2019, o consumo foi agente responsável por mais de 60% do crescimento econômico da China[9].

 

Dado estatístico que também expressa o aumento da classe média e seu potencial de consumo é o referente ao setor de turismo: nos últimos anos a China tem se colocado como a maior fonte de turistas estrangeiros, sendo que em 2018 o número de turistas chineses no exterior foi de cerca de 150 milhões[10].Ademais, entre 2007 e 2016 houve um aumento de 275% nas viagens domésticas da população.

 

Em 2002 a classe média chinesa era de apenas 4% de sua população, entretanto atualmente conta com cerca de 31% de sua população[11]. Este dado nos remete diretamente à pesquisa de longo prazo empreendida pelo Ash Center for Democratic Governance and Innovation, de Harvard, a qual buscou debruçar-se sobre a satisfação dos cidadãos chineses no que se refere à performance do Estado chinês entre o anos de 2003 e 2016, além de fazer um exame mais detalhado da opinião pública em três áreas-chave: prestação de serviços públicos, corrupção e meio-ambiente[12].

 

Isto porque, diante dos dados apresentados até aqui, não é surpreendente a conclusão geral que a pesquisa chegou: entre 2003 e 2016 houve aumento quase universal da satisfação do povo chinês quanto à performance estatal – em seus quatro níveis governamentais.

 

A pesquisa que foi aplicada a mais de trinta e um mil chineses presencialmente, tanto na zona urbana, quanto na rural, em oito ciclos entre 2003 e 2016, demonstrou que o aumento da satisfação popular, e a avaliação de que a atuação estatal nunca foi tão eficiente e competente, se aplica tanto às amplas políticas nacionais levadas à cabo pelo Governo Central chinês, quanto às autoridades locais.

 

Outro ponto evidenciado pela pesquisa diz respeito à condição socioeconômica dos entrevistados: grupos historicamente marginalizados e empobrecidos, que vivem mais ao interior do país, demonstraram uma propensão ao aumento da satisfação. Fato este que revela, segundo a pesquisa, que o aumento da satisfação popular chinesa se relaciona com as mudanças concretas no bem-estar material, e que assim, que houve de fato uma melhora concreta e relevante para o povo chinês.

 

Assim, avaliando a satisfação geral acerca da atuação do Governo Central, demonstrou-se que, em 2003, 86,1% dos entrevistados encontravam-se satisfeitos, já em 2016 chega-se a 93,1% destes. No nível providencial passou de 75%, em 2003, para 81,7%, em 2016; no nível de condado os números passam de 52% para 73,9% que relataram satisfação; e no nível municipal foram de 43,6%, em 2003, para 70,2%, em 2016.

 

Outro fator importante e que compõe o aumento da satisfação popular chinesa diz respeito às avaliações progressivamente positivas acerca da expansão dos serviços públicos prestados pelo Estado chinês, sendo que justamente a população do interior do país – e historicamente vítima da desigualdade costa-interior – foi a que relatou grande aumento no acesso a vários programas de seguridade e bem-estar social. Segundo a pesquisa, o acesso de aldeões rurais ao seguro médico básico passou de 32%, em 2.005, para 82,8%, em 2.011, além de que o acesso a planos de previdência básicos para trabalhadores passou de 36,8% para 71,3%.

 

Diante dos dados não só de precoce e vigorosa retomada econômica, mas também do êxito no combate à extrema pobreza, é possível verificar uma estratégia político-econômica excepcional, que se contrapõe tanto à prática, quanto aos receituários que há algumas décadas os países do capitalismo central tem executado e orientado os países em desenvolvimento, ou subdesenvolvidos.

 

Com amplo poder sobre os principais ferramentais macroeconômicos para o processo de acumulação – notadamente juros, crédito, câmbio e sistema financeiro – o Estado chinês forjou não só seu êxito no combate à pandemia de Covid-19 com rigorosas e vigorosas políticas sanitárias e econômicas, de isolamento e prevenção – como o caso icônico do isolamento de mais de 11 milhões de habitantes da cidade de Wuhan, medida caracterizada como sem precedentes pela Organização Mundial da Saúde – como também forjou sua recuperação econômica, e o êxito em sua batalha centenária contra a extrema pobreza. Parece cada vez mais inquestionável que há algo de novo, e pedagógico, na experiência do processo de desenvolvimento econômico chinês.

 

- Melissa Cambuhy é professora universitária, pesquisadora e advogada, é graduada em Direito, com habilitação especial em Direito e Desenvolvimento, e mestra em Direito Político e Econômico, cuja agenda de pesquisa tem como foco o processo de desenvolvimento nacional chinês, e as mediações entre Estado, Economia e Direito. Professora do curso online Introdução ao Socialismo de Mercado Chinês, na plataforma de formação política Caixa de Ferramentas.

 

[1] A PPC permite-nos reduzir os dados sobre o consumo e o rendimento de cada país a termos comparáveis a nível mundial. A PPC é calculada na base de dados de preços de todo o mundo cabendo ao International Comparison Program, um programa estatístico independente com um escritório global localizado no Banco Mundial, a responsabilidade de determinar um certo ano para a PPC.

[2]BCG, “Striking a Balance Between Well-Being and Growth: The 2018 Sustainable Economic Development Assessment”, setembro de 2018.

[3]International Labor Organization (ILO). 2018. Global Wage Report 2018 / 19: What Lies Behind Gender Pay Gaps. https://www.ilo.org/global/publications/books/WCMS_650553/lang

en/index.htm.

[4]Em Relatório de Trabalho de 2.020, do Conselho de Estado chinês, informa-se que pela primeira vez os residentes urbanos permanentes ultrapassaram 60% da população chinesa.

[5]Cf. China and the World in the New Era. Disponível em http://www.xinhuanet.com/english/2019-09/27/c_138427541.htm Acesso em 30/09/2020

[6]Understanding CCP Resilience. Disponível em < https://ash.harvard.edu/files/ash/files/final_policy_brief_7.6.2020.pdf> Acesso em 30/09/2020

[7]Marketers have eye on China’s middle class . Disponível em http://www.chinadaily.com.cn/a/201903/27/WS5c9b97eda3104842260b2f05.html Acesso em 30/09/2020

[8]China and the World in the New Era. Disponível em http://www.xinhuanet.com/english/2019-09/27/c_138427541.htm Acesso em 30/09/2020

[9]Economic Watch: A new epic — Chinese economy in 2020s. Disponível em http://www.xinhuanet.com/english/2020-01/19/c_138718792.htm Acesso em 30/09/2020

[10]China and the World in the New Era. Disponível em http://www.xinhuanet.com/english/2019-09/27/c_138427541.htm Acesso em 30/09/2020

[11]China Power Team. “Quão bem está a classe média da China?” China Power. 26 de abril de 2017. Atualizado em 26 de agosto de 2020. Acessado em 28 de setembro de 2020. https://chinapower.csis.org/china-middle-class/

[12] Understanding CCP Resilience: Surveying Chinese Public Opinion Through Time. Disponível em https://ash.harvard.edu/files/ash/files/final_policy_brief_7.6.2020.pdf Acesso em 30/09/2020

 

26 de novembro de 2020

https://diplomatique.org.br/china-exito-na-retomada-economica-e-na-luta-contra-a-extrema-pobreza/

 

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/209963
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