Atrocidades de Bill Clinton na guerra na Sérvia expostas em nova acusação

O «combatente da liberdade» favorito do presidente Bill Clinton acaba de ser indiciado por assassínio em massa.

03/07/2020
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
help_bosnia.jpg
Foto credit: Wikipedia
-A +A

A figura grotesca de Trump pode tentar a fazer esquecer as responsabilidades históricas dos seus antecessores no cargo. Mas, mesmo olhando apenas para os que assumiram a presidência dos EUA desde o final do século XX – Clinton, Bush, Obama – o traço comum é evidente: todos são responsáveis por criminosas agressões militares e guerras, pela destruição de países, pela morte e a condenação à miséria, à fome, ao abandono da sua terra de milhões de homens e mulheres. E todos se aliaram com a pior escória humana à face da terra.

 

O «combatente da liberdade» favorito do presidente Bill Clinton acaba de ser indiciado por assassínio em massa, tortura, sequestro e outros crimes contra a humanidade. Em 1999, a administração Clinton lançou uma campanha de bombardeamentos de 78 dias que matou até 1500 civis na Sérvia e Kosovo, naquilo que os media norte-americanos orgulhosamente retrataram como uma cruzada contra o preconceito étnico. Essa guerra, como a maioria das pretensões da política externa dos EUA, sempre foi uma farsa.

 

O presidente do Kosovo, Hashim Thaci, foi acusado de dez crimes de guerra e crimes contra a humanidade por um tribunal internacional em Haia, na Holanda, que acusou Thaci e nove outros homens de “crimes de guerra, incluindo assassínio, desaparecimento forçado de pessoas, perseguição e tortura.” Thaci e os outros suspeitos processados foram acusados de serem “criminalmente responsáveis por quase 100 assassínios” e a acusação envolveu “centenas de vítimas conhecidas Kosovo albanesas, sérvias, ciganas e de outras etnias e incluem opositores políticos”. Mas o ridículo preconceito e/ou a incompetência dos media norte-americanos acerca dessa guerra continua. O New York Times respondeu à acusação de Thaci com um tweet declarando que “o líder da Sérvia foi indiciado por crimes de guerra”.

 

A truculenta carreira de Hashim Thaci ilustra como o antiterrorismo é uma bandeira de conveniência para quem formula políticas em Washington. Antes de se tornar presidente do Kosovo, Thaci era o chefe do Exército de Libertação do Kosovo (KLA), lutando para forçar os sérvios a sair do Kosovo. Em 1999, a administração Clinton designou o KLA como “combatentes da liberdade” apesar de seu passado horrível, e deu-lhes ajuda maciça. No ano anterior, o Departamento de Estado condenara a “acção terrorista do chamado Exército de Libertação do Kosovo”. O KLA estava fortemente envolvido no tráfico de drogas e tinha laços estreitos com Osama bin Laden.

 

Mas armar o KLA e bombardear a Sérvia ajudou Clinton a autorretratar-se como um cruzado contra a injustiça e a desviar a atenção do público após o seu processo de impeachment. Clinton foi ajudado por muitos membros desavergonhados do Congresso, ansiosos por santificar as matanças EUA. O senador Joe Lieberman (D-CN) afirmou que os Estados Unidos e o KLA “representam os mesmos valores e princípios. Lutar pelo KLA é lutar pelos direitos humanos e pelos valores norte-americanos.” E como os representantes da administração Clinton compararam publicamente o líder sérvio Slobodan Milošević a Hitler, qualquer pessoa decente estava na obrigação de aplaudir a campanha de bombardeamento. (Alexander Cockburn foi um dos poucos jornalistas que na altura condenaram essa guerra injusta; uma coluna do Los Angeles Times em 1999 estabeleceu o padrão-ouro para apoiar o bombardeamento de Clinton sobre a Sérvia.)

 

Tanto os sérvios como os albaneses étnicos cometeram atrocidades no amargo conflito no Kosovo. Mas, para santificar sua campanha de bombardeamento, a administração Clinton acenou com uma varinha mágica e fez desaparecer as atrocidades do KLA. O professor britânico Philip Hammond observou que a campanha de bombardeamento de 78 dias “não foi uma operação puramente militar: a NATO destruiu também o que chamou de alvos de ‘uso duplo’, como fábricas, pontes urbanas e até o principal edifício de televisão no centro de Belgrado, numa tentativa de aterrorizar o país até à rendição.” A NATO lançou repetidamente bombas de fragmentação em mercados, hospitais e outras áreas civis. As bombas de fragmentação são dispositivos antipessoal projectados para se espalharem pelas formações de tropas inimigas. A NATO lançou mais de 1.300 bombas de fragmentação na Sérvia e Kosovo e cada bomba continha 208 granadas separadas que flutuavam para terra em paraquedas. Especialistas em bombas estimaram que mais de 10.000 granadas não explodidas estavam espalhadas pelo campo quando o bombardeamento terminou, e que mutilaram crianças muito depois do cessar-fogo.

 

Nos últimos dias da campanha de bombardeamentos o Washington Post relatou que “alguns assessores presidenciais e amigos estão a descrever o Kosovo em termos churchilianos”, como a “melhor hora de Clinton.” O Post relatou também que de acordo com um amigo de Clinton, “o que Clinton acredita terem sido os inequívocos motivos morais para a intervenção da NATO representaram uma oportunidade de aliviar mágoas instaladas na sua própria consciência. Disse esse amigo que Clinton tinha por vezes lamentado que a geração anterior à sua tivesse sido capaz de servir numa guerra com um objectivo claramente nobre, e que se sente “quase defraudado” por “quando chegou a sua vez, não ter tido a oportunidade de fazer parte de uma causa moral.” Pelos padrões de Clinton, massacrar sérvios era “suficientemente próximo” de uma “causa moral” como tarefa de governo.

 

Pouco depois do final da campanha de bombardeamento de 1999, Clinton enunciou o que seus assessores etiquetaram como doutrina Clinton: “Seja dentro ou fora das fronteiras de um país, se a comunidade mundial tem poder para o deter, devemos deter o genocídio e a limpeza étnica.” Na realidade, a doutrina Clinton era que os presidentes têm o direito de começar a bombardear terras estrangeiras com base em qualquer descarada mentira que os media norte-americanos regurgitarão. Na realidade, a lição do bombardeamento da Sérvia é que os políticos norte-americanos apenas precisam de recitar publicamente a palavra “genocídio” para obter uma licença para matar.

 

Após o término do bombardeamento, Clinton garantiu ao povo sérvio que os Estados Unidos e a NATO tinham concordado em manter as forças de paz apenas “no entendimento de que protegeriam os sérvios e os albaneses étnicos e que partiriam quando a paz se estabelecesse”. Nos meses e anos subsequentes as forças norte-americanas e da NATO permaneceram enquanto o KLA retomava a sua limpeza étnica, massacrando civis sérvios, bombardeando igrejas sérvias e oprimindo qualquer não-muçulmano. Quase 250 mil sérvios, ciganos, judeus e outras minorias fugiram do Kosovo depois de Clinton ter prometido protegê-los. Em 2003, quase 70% dos sérvios que viviam no Kosovo em 1999 haviam fugido, e o Kosovo era 95% etnicamente albanês.

 

Mas Thaci permaneceu útil para quem formula as políticas dos EUA. Embora tivesse sido amplamente condenado pela opressão e corrupção depois de assumir o poder no Kosovo, o vice-presidente Joe Biden saudava Thaci em 2010 como o “George Washington do Kosovo”. Alguns meses depois, um relatório do Conselho da Europa acusou Thaci e operacionais do KLA de tráfico de órgãos humanos. O The Guardian observou que o relatório alegava que o círculo próximo de Thaci ” depois a guerra, transportara para a Albânia cativos trazidos do outro lado da fronteira, onde se diz que numerosos sérvios teriam sido assassinados pelos seus rins, que eram vendidos no mercado negro”. O relatório afirmava que, quando os “cirurgiões de transplante” estavam “prontos para operar, os cativos [sérvios] eram individualmente trazidos para fora do ‘esconderijo’, sumariamente executados por um atirador do KLA e os seus cadáveres eram rapidamente transportados para a clínica onde era feita a operação”.

 

Apesar da acusação de tráfico de corpos, Thaci foi estrela participante na conferência anual Global Initiative da Clinton Foundation em 2011, 2012 e 2013, onde posou para fotos com Bill Clinton. Talvez isso tenha sido resultado do contrato de lobby de US $ 50.000 por mês que o regime de Thaci assinou com o The Podesta Group, cogerido pelo futuro gestor de campanha de Hillary Clinton, John Podesta, como noticiou o Daily Caller.

 

Clinton continua a ser um herói no Kosovo, onde uma estátua sua foi erguida na capital, Pristina. O jornal Guardian observou que a estátua mostrava Clinton “com a mão esquerda levantada, um gesto típico de um líder saudando as massas. Na mão direita, segura documentos onde está gravada a data em que a NATO iniciou o bombardeamento da Sérvia, 24 de Março de 1999.” Uma imagem mais precisa teria sido representar Clinton em pé sobre uma pilha de cadáveres de mulheres, crianças e outros mortos na campanha de bombardeamento dos EUA.

 

Em 2019, Bill Clinton e a sua fanaticamente pró-bombardeamento ex-secretária de Estado, Madeleine Albright, visitaram Pristina, onde foram “tratados como estrelas de rock” enquanto posavam para fotos com Thaci. Clinton declarou: “Amo este país e será sempre uma das maiores honras da minha vida ter estado ao seu lado contra a limpeza étnica (pelas forças sérvias) e pela liberdade”. Thaci concedeu medalhas da liberdade a Clinton e Albright “pela liberdade que nos trouxeram e pela paz em toda a região”. Albright reinventou-se como uma visionária alertadora contra o fascismo na era Trump. Na verdade, o único título honorífico que Albright merece é “Açougueira de Belgrado”.

 

A guerra de Clinton na Sérvia foi uma caixa de Pandora da qual o mundo sofre ainda. Como os políticos e a maioria dos media retrataram a guerra contra a Sérvia como um triunfo moral, foi mais fácil à administração Bush justificar o ataque ao Iraque, ao governo Obama bombardear a Líbia e ao governo Trump bombardear repetidamente a Síria. Todas essas intervenções semearam o caos que continua a amaldiçoar os supostos beneficiários.

 

O bombardeamento da Sérvia de Bill Clinton em 1999 foi uma fraude tão grande como George W. Bush a enganar o país para atacar o Iraque. O facto de Clinton e outros altos funcionários do governo dos EUA continuarem a glorificar Hashim Thaci, apesar das acusações de assassínio em massa, tortura e tráfico de corpos é outro sublinhar da venalidade de grande parte da elite política norte-americana. Irão os norte-americanos ser novamente crédulos da próxima vez que quem formula políticas em Washington e seus aliados nos media congeminarem pretextos da treta para rebentar com qualquer desgraçada terra estrangeira?

 

Fonte: https://www.counterpunch.org/2020/06/30/bill-clintons-serbian-war-atrocities-exposed-in-new-indictment/

 

03.Jul.20

https://www.odiario.info/atrocidades-de-bill-clinton-na-guerra/

 

 

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/207644
Subscrever America Latina en Movimiento - RSS