Lawfare na Bolívia

02/06/2020
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Arturo Murillo, ministro de governo
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Atualmente, são mais de seis meses, quase 200 dias, nos quais sete ex-autoridades do governo do presidente Evo Morales estão confinadas no edifício da Embaixada do México, em La Paz. A ditadura dominante não concedeu autorizações seguras para que essas pessoas possam ir ao México, ter seu asilo político.

 

O ex-ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana Taborga; o ex-ministro da Defesa, Javier Zavaleta López; o ex-ministro do governo, Hugo Moldis Mercado; o ex-ministro da Justiça, Héctor Arce Zaconeta; a ex-ministra das Culturas, Vilma Alanoca Mamani; o ex-governador do departamento de Oruro, Victor Hugo Vasquez, e o ex-diretor da Agência de Tecnologia da Informação, Nicolás Laguna; todos eles permanecem dia e noite dentro desta residência, guardados por um contingente de 40 policiais e mais de 5 veículos por turno.

 

Além disso, a cerca de 500 metros da residência, o governo boliviano instalou uma vigília de civis hostis, que monitoram dia e noite que nenhum asilado saia da residência. Essa vigília não foi retirada nem durante a quarentena total, decretada em função da pandemia de covid-19, há quase dois meses.

 

Todas essas pessoas entraram na residência da Embaixada do México no mesmo dia 10 de novembro, para salvar suas vidas, ao serem ameaçadas de morte, assim como suas famílias, que estão sendo severamente perseguidas e ameaçadas. Na maioria dos casos, suas casas foram invadidas, saqueadas, destruídas e até queimadas.

 

Graças a esse refúgio no edifício da Embaixada do México (e à recepção generosa e solidária das autoridades desse país), nenhum desses ex-funcionários públicos teve um processo aberto e nenhum mandado de prisão contra si. Com o passar dos dias e das noites, uma série de procedimentos legais foram montados e fabricados. A marca patética, sórdida e pestilenta do lawfare. Lá, na Bolívia.

 

O ministro de governo da ditadura indicou publicamente que as autoridades governamentais constitucionais do governo de Evo seriam “caçadas” e presas antes que os mandados de prisão fossem emitidos. Hoje, processos e investigações absolutamente políticos e implausíveis são comuns, mesmo sendo impossíveis de justificar senão pelo ódio demonstrado pelos atuais autocratas, que além de negar um direito fundamental, constantemente fazem declarações ofensivas e ultrajantes, com a convicção segura de que sua condição de asilados não lhes permite se expressar publicamente.

 

A ditadura boliviana mantém essas sete ex-autoridades reféns, negando-lhes, sem justificativa ou razão, salvaguardas para que eles possam deixar o país. Pior: viola abertamente o Direito Internacional. A Bolívia e o México fazem parte da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), que em seu artigo 22.7 estabelece o direito de procurar e receber asilo: “Toda pessoa tem o direito de procurar e receber asilo em território estrangeiro em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns relacionados à política, e de acordo com a legislação de cada Estado e com as convenções internacionais”. A adoção de um catálogo de tratados relacionados ao asilo diplomático e territorial por razões políticas levou ao que é comumente chamado de “tradição latino-americana de asilo”.

 

A ditadura emitiu mais de uma dúzia de salvo-condutos, incluindo ex-ministros, autoridades e familiares, mas, por razões políticas, mantém essas sete ex-autoridades no limbo legal, com o objetivo de causar sofrimento e dor, situação que viola os mais básicos direitos humanos consagrados na Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia e na CADH.

 

Por fim, os conspiradores do Estado boliviano de “não-direito” tampouco levaram em conta que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em suas “Observações Preliminares”, após sua visita à Bolívia (em 10 de dezembro de 2019), solicitou textualmente, em sua parte final, o seguinte: “entregar salvo-condutos às pessoas que buscam asilo nas embaixadas do México e da Argentina, ou em outras sedes diplomáticas, para que possam exercer seu direito humano de obter asilo e refúgio, de modo que não fragmentem seus núcleos familiares”.

 

Denunciamos ao mundo esta grave violação dos direitos humanos de sete pessoas que, hoje, são incapazes de viver como seres humanos com dignidade e liberdade inerentes, por decisão arbitrária e ilegal do atual desgoverno, pela força bruta que governa a Bolívia. Essas pessoas são vítimas diretas e a prova da guerra judicial, do lawfare, que impõe uma vida de medo e tristeza no país sul-americano.

 

- Raúl Zaffaroni é professor emérito de direito da Universidade de Buenos Aires

- Raúl Gustavo Ferreira é professor titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires

 

*Publicado originalmente em 'Página/12' | Tradução de Victor Farinelli

 

31/05/2020

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Lawfare-na-Bolivia/6/47662

https://www.alainet.org/pt/articulo/206938

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