Argentina, vitória eleitoral e diplomacia futura

Integração latino-americana em prol de uma nova centralidade regional

05/11/2019
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Alberto Fernandes y Cristina Fernández de Kirchner la fórmula ganadora
Foto: Sergio Ferrari
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* Dois eixos programáticos: soberania nacional e multilateralismo

 

* Democratizar o Sistema das Nações Unidas

 

Buenos Aires.- Em seu discurso para milhares de pessoas na noite do domingo, 27 de outubro, o presidente eleito Alberto Fernández ratificou a demanda por “Lula Libre”, coerente com a solidariedade expressa ao ex-presidente brasileiro por ocasião de sua visita no início de julho na prisão de Curitiba. A vitória da peronista Frente de Todos, de centro-esquerda, abre uma nova perspectiva sobre as prioridades diplomáticas em um continente controlado, nos últimos quatro anos, por governos neoliberais, com forte dependência das diretrizes da Casa Blanca.

 

Poucos dias antes das eleições, em 8 de outubro, Alberto Fernández recebeu, em Buenos Aires, Daniel Martínez, candidato presidencial da Frente Amplio uruguaia insistindo na necessidade urgente de um reforço regional e do Mercosul. E antecipando a intenção da Argentina de se retirar do Grupo de Lima, mecanismo promovido por Washington para intervir na política interna da Venezuela e com o qual o Governo de Mauricio Macri se identificou plenamente durante seu mandato. Para o dirigente da Frente de Todos, a iniciativa Uruguai-México em relação à Venezuela continua a ser uma referência diplomática válida que deve ser imposta a qualquer explosão intervencionista.

 

Reforçar o eixo Argentina-México

 

A primeira viagem internacional de Fernández após as eleições será feita na primeira semana de novembro ao México, para se encontrar com Andrés Manuel López Obrador, antecipando o que, futuramente, poderá vir a ser um novo eixo integrador regional, equilibrando, de fato, a visão internacional totalmente diferente promovida pelo presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

 

Nos últimos meses, Bolsonaro não só boicotou abertamente a candidatura de Fernández -reiterando durante toda a campanha eleitoral o seu apoio ao agora derrotado Mauricio Macri- mas, na segunda-feira, 28 de outubro, ele voltou a atacar e a menosprezar o protagonismo popular na Argentina, argumentando que os “argentinos votaram mal”. Seu chanceler, Ernesto Araújo, foi mais longe e, horas depois, afirmou ter visto na eleição de Fernández “a ação das forças do mal”.

 

Este redesenho continental que começou a ser confirmado no ‘urnazo’ de 27 de outubro, embora surpreenda por sua rapidez, tem raízes na história recente do país e é coerente com a visão geopolítica promovida pelo kirchnerismo entre 2003 e 2015 (um governo de Nestor Kirchner e dois mandatos presidenciais de Cristina Fernández de Kirchner), que nutre o programa eleitoral da coalizão vencedora.

 

O kirchnerismo é um dos setores essenciais em torno do qual a Frente de Todos foi construída, ao conseguir reunificar quase todo o movimento peronista e ao integrar, entre outros, setores minoritários dos históricos partidos radical e socialista; o Partido Intransigente; o Partido Comunista, e também as forças de esquerda, como o Partido Solidario e o Nuevo Encuentro, que foram fundados há pouco mais de uma década.

 

Do Não à ALCA ao sim à integração regional

 

Em sua plataforma, a coalizão triunfante nas eleições argentinas salienta que “a tão declamada volta ao mundo do Governo da Aliança Cambiemos limitou-se ao retorno aos mercados internacionais de crédito que culminou com o retorno ao Fundo Monetário Internacional”. Em seu diagnóstico, a força liderada por Alberto Fernández, considera equivocada essa leitura da situação internacional, pois “levou a uma perda da centralidade do projeto de integração regional, a uma abertura comercial indiscriminada e a um ciclo acelerado de endividamento externo”.

 

Para a coalizão triunfante, se assiste ao "fim da ordem unipolar no sistema internacional" e ao surgimento de um “sistema multipolar com um maior número de atores-chave”, o que leva a maiores tensões porque as mudanças nas “hegemonias e nas correlações de força não ocorrem sem conflitos”.

 

Por trás de muitas dessas definições geopolíticas para o futuro, aparece o Não à Alca, de 2005. Foi em Mar del Plata, em novembro daquele ano, durante a IV Cúpula das Américas, que, por iniciativa de Nestor Kirchner, de Lula e de Hugo Chávez, decretou-se a morte da proposta de criação de uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca), com marcada supremacia estadunidense, promovida pelo presidente George W. Bush.

 

Tudo indica que a política externa promovida pelo novo governo argentino a partir de 10 de dezembro deste ano procurará fortalecer o Mercado Comum do Sul (Mercosul); relançar a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), bem como a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), reforçando a importância da região sul-americana em âmbito global e restaurando uma visão independente e autônoma das relações internacionais.

 

Nesse contexto, as relações privilegiadas da Argentina com o Brasil deveriam ser uma prioridade, apesar do discurso agressivo de Bolsonaro e de seus porta-vozes. Para os novos dirigentes argentinos, conforme está definido em sua base programática, é vital promover relações “com todos os países do mundo sob a premissa de uma clara defesa da soberania, do interesse nacional, da integração regional e do multilateralismo, promovendo a “democratização do Sistema das Nações Unidas”.

 

Os novos ventos que desde a Argentina sopram na região são, significativamente, reforçados em um mês de outubro atravessado por grandes mobilizações de protestos populares contra Lenin Moreno, no Equador, e as que persistem contra o presidente Sebastián Piñera, no Chile. Ambas presidentes são promotores de ajustes neoliberais ferozes e, nos últimos quatro anos, têm sido aliados fiéis do agora derrotado Mauricio Macri. Movimentos de resistência e de protesto social que se consolidam com a reeleição de Evo Morales como presidente da Bolívia, em 20 de outubro, -e sua aceitação de uma auditoria internacional dos votos-, bem como os resultados esperançosos nas eleições municipais da Colômbia, no último domingo de outubro.

 

*Tradução: Conchita Rosa de Lima

https://www.alainet.org/pt/articulo/203021
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