Como a imprensa hegemônica equatoriana relatou os protestos massivos no país
- Análisis
Ele vive num abacaxi no fundo do mar e foi o assunto mais comentado entre os equatorianos nas redes sociais, nos últimos dias. Sim, estamos falando do personagem de desenho infantil Bob Esponja Calça Quadrada.
Você se perguntará: como pode isso ser o tema mais citado em um país durante aquelas jornadas de massivos protestos, com centenas de milhares de pessoas expressando nas ruas sua indignação contra o pacote de austeridade imposto ao país pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e executado pelo obediente mandatário local, Lenín Moreno? A resposta parece insólita, mas é que Bob Esponja foi justamente o que passou em um dos canais de televisão mais importantes do Equador, a Tele Amazonas, durante o fim de semana de protestos: uma maratona de mais de quatro horas, e mais de vinte episódios consecutivos da série.
Poucos meios internacionais falaram sobre esse tema, embora muitos tenham sim mostrado que alguns manifestantes foram à sede do canal Tele Amazonas e atiraram coquetéis molotov sobre a sua principal antena de transmissão. Sem a contextualização, foi fácil mostrar a ação dos que protestavam como um ato de vandalismo. A verdade é que se tratou de uma reação ao ocultamento dos protestos por parte do canal.
Contudo, não foi a única modalidade de censura utilizada pelos meios de comunicação –que, obviamente, apoiam o pacote de medidas de austeridade, e atuaram mais em defesa desses interesses econômicos do que o governo de Moreno em si. Outra forma bastante observada foi a da retirada de microfones.
Era bem simples, e também insólito: o repórter abordava pessoas na rua, pedindo sua opinião sobre os acontecimentos, e quando esta era crítica ao governo ou às medidas implementadas, ele simplesmente retirava o microfone sem deixar o entrevistado terminar de responder. Um comportamento que vai muito além da total falta de ética jornalística, porque também envolvia uma seletividade com elementos racistas, já que pessoas que criticavam as manifestações nunca tinham o microfone cortado, nem mesmo quando insultavam as comunidades indígenas que marcharam até a capital, mostrando todo o seu preconceito.
Também foram poucos os meios internacionais que mostraram que um dos gritos da multidão que marchou pelas ruas de Quito no último domingo dizia “imprensa corrupta, imprensa corrupta…”, justamente pelos episódios descritos acima, que evidenciam a distorção que grande parte dos meios hegemônicos do Equador fez ao abordar as manifestações.
Por sua parte, o governo equatoriano também usou os meios de comunicação como bode expiatório, em sua estratégia para terceirizar a culpa pelos acontecimentos dos últimos dias. A ideia foi acusar alguns meios estrangeiros que não necessariamente se mostraram críticos às medidas do governo, mas que deram voz aos manifestantes, sem retirar o microfone se uma opinião é assim ou assada.
Dentro dessa estratégia, o meio escolhido para ser o alvo prioritário das críticas governamentais foi o canal estatal russo RT. A ministra de Governo (cargo similar à Casa Civil no Brasil) María Paula Romo, fez essa incrível acusação contra o meio estrangeiro: “chama a atenção que os protestos tenham sido transmitidos ao vivo pelo canal público da Rússia”.
Não se trata de defender ou não o canal RT, mas sim de constatar que este é um meio de comunicação que fez cobertura similar às que fazer outros meios como CNN, BBC, Fox News, Al Jazeera, TeleSur, Deutsche Welle e tantos outros. Portanto, ao fazer uma diferenciação ao canal russo, a ministra Romo promove uma segregação que soa também como intimidação a um meio que mostrou vozes que não eram as que o governo equatoriano queria que fossem escutadas.
A resposta russa foi com um vídeo de humor jornalístico realizado por Inna Afinogenova, uma das jornalistas estrela da emissora, ironizando todas as situações descritas acima, incluindo a hostilidade da ministra de Lenín Moreno para com o próprio canal:
18/10/2019
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