Os farsantes se aproximam de Paul Ryan

23/04/2018
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Exemplo da Síndrome de Paul Ryan
Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Paul Krugman, num artigo publicado no jornal “El País” sobre a realidade política americana (15.04.18, pg.18), titulado “Paul Ryan: de farsante a fascista”, inspirou-se neste deputado republicano que anunciara, recentemente, que não iria mais concorrer à reeleição para a Presidência da Câmara de Representantes da União. O artigo de Krugman faz uma análise lapidar do deslocamento cínico das posições políticas da direita americana, quando esta transita do poder para a oposição e vice-versa. Krugman lembra que Ryan tagarelava sem parar, durante o Governo Obama, sobre “probidade fiscal”. E, concomitantemente, empenhava-se em sabotar os programas sociais do Presidente Obama, para depois – já na era Trump – aprovar e celebrar o forte rebaixamento de impostos para os ricos, que disparou o “déficit” orçamentário americano numa escala exponencial, comparativamente aos Governos anteriores.

 

Na verdade, a direita em nenhuma parte do mundo foi seriamente a favor da probidade fiscal “latu sensu”. Sempre que chegou aos governos, aumentou os gastos militares, subsidiou os mais ricos com o rebaixamento da massa salarial dos mais pobres, extinguiu “privilégios” (direitos) dos miseráveis, reduziu recursos para saúde, educação e segurança pública, promovendo as chamadas diminuições fraudulentas do “déficit”. Como assevera Krugman, a “perda” da arrecadação pública “sempre excedeu qualquer redução de gasto explícito”, transformando o “déficit fiscal” em “déficit social”, que depois retorna em dobro como “déficit fiscal”.

 

O autor do artigo também apontou a manipulação da mídia americana, durante as eleições, que fez uma falsa “equivalência” entre Hillary, democrata-liberal tradicional e Trump, dotado de ideias fascistas. Descreveu ainda, o autor, a indiferença da maioria da direita americana em relação à corrupção no seu próprio meio e sugeriu, finalmente, que não é gratuito o isolamento político sofrido pelos conservadores “decentes”, nos EUA, que certamente existem no Partido Republicano, pois Trump – ainda segundo Krugman- é o Presidente mais corrupto da história americana.

 

A semelhança com o que ocorre no nosso país é impressionante, com a exceção da “equivalência”, feita pela mídia, entre os dois concorrentes à Presidência americana, pois aqui no Brasil Lula, o PT e a esquerda, nunca foram tratados com a mínima “equivalência” pelo oligopólio da produção da opinião “livre”. É impressionante como a síndrome Paul Ryan tem tudo a ver com o comportamento dos governos conservadores-liberais”, na América Latina, no Brasil e também no Rio Grande do Sul. Aqui no RS, o silêncio eloquente dos peemedebistas históricos em relação à destruição da FEE – por exemplo -, com o pagamento em triplo a uma instituição privada de fora do Estado, para realizar serviços que aquela sempre fez de maneira exemplar, é uma minúscula amostra do que está acontecendo em todo o país.

 

O Rio Grande do Sul, que pela maioria da sua população hipnotizada pelo Jornal Nacional, apoiou o impedimento da Presidenta Dilma viu, recentemente, o seu provecto ex-senador anticorrupção (cujo Partido governa o país com Temer), festejar a prisão de Lula, sem dizer uma palavra sobre o seu Presidente da República, acossado por vários inquéritos sobre temas cinquenta vezes mais graves do que o caso do “triplex”, que levou à prisão – sem trânsito em julgado da sentença – um dos maiores e melhores Presidente que o Brasil já teve. Será isso o sinal de um sintoma de transição, de uma parte do “liberalismo democrático”, para uma aliança com os fascistas, que estão aplicando as leis com interpretações ao gosto das suas necessidades políticas?

 

A comparação com os Estados Unidos de Trump pode ser vista em aspectos estruturais, pois no Governo Federal daqui, uma Confederação de Investigados, Processados e “Gravados Pedindo Propina”, assumiu o poder com a cumplicidade vergonhosa do oligopólio da mídia, violou frontalmente a soberania popular, aumentou brutalmente a dívida pública, reformou -com o aparelhamento da maioria congressual instada pela mídia- a legislação de proteção ao trabalho (sem qualquer discussão pública), e cercou o Poder Judiciário de tal forma que a Primeira Instância de Curitiba passou a ser o Foro principal de interpretação da Constituição. Tudo isso foi feito tendo como pano de fundo um Golpe que buscava, em nome da probidade fiscal, a proteção do interesse público identificada com o mercado.

 

Registre-se, fazendo-o com a interpretação partidarizada da Constituição, estimulada por contrapartidas de prebendas midiáticas e homenagens privadas do Império, com a recriação da Constituição sem qualquer vínculo com seu Preâmbulo ou com o poder constituinte, subordinada apenas aos movimentos contingentes da luta política. Como ocorreu em Weimar, como ocorreu na “Marcha Sobre Roma”, como ocorre nos EUA, de Paul Ryan, a criação da lei “em movimento” -que Krugman vê chegar no fascismo através da falsa “probidade fiscal”- já estamos vendo aqui, também através de métodos mais violentos no cotidiano dos pobres, exemplares no atentado à vida de Lula, no tiroteio do Paraná, no assassinato de Marielle no Rio, e nas chacinas que recomeçaram no campo.

 

O dilema ético brutal que vive a sociedade brasileira, com a destruição programada da esfera da política, vai presidir ainda por um longo tempo, os nossos conflitos políticos, informados por uma dupla falsidade, que atualmente nos afeta como conjunto e nação: a primeira falsidade, é que temos -atualmente- um Governo legítimo que pode nos tirar da crise; e a segunda falsidade, é que poderemos ter um Governo de direita, que vai nos tirar da crise, se Lula for vetado como candidato. O Golpe midiático-parlamentar do liberal-rentismo nos meteu neste buraco. Poderemos sair dele, sem guerra e sem violência similar a uma guerra civil? Tomara que sim!

 

O golpe nos apresentou de forma transparente a sua utopia do mercado sem proteção social, que é, como diz a Professora Maria Fariñas Dulce (Universidade Carlos III de Madrid) a “radicalização do individualismo possessivo até o isolamento da ansiedade radical, do individualismo da falta de pertencimento, da conversão do público em privado” (…) “do triunfo da privacidade sobre a coletividade”, que fazem atual a imprecação de Daniel Blake: “Sou um cidadão, nada mais e nada menos!”. Ao que o golpismo tem respondido: “És um dado do mercado, só isto, não mais, talvez menos!” Para sairmos deste buraco escuro, promotor do ódio e do “apartheid” social naturalizado pelo liberal-rentismo, precisamos bem mais do que a docilidade compensatória da socialdemocracia assistencialista. Esta, transformou a solidariedade social de classe, da velha socialdemocracia do início do século XX, em prateleiras políticas de primeiras-damas sem causa. E de Governos inteiros. Sem causa e sem humanidade.

 

- Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.

 

Abril 22, 2018

https://www.sul21.com.br/colunas/tarso-genro/2018/04/os-farsantes-se-aproximam-de-paul-ryan/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/192433
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