‘A Assembleia é do povo e ele tem que participar dos debates que ocorrem aqui’

31/01/2017
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Maia Rubim/Sul21
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Trinta e um anos depois de Adão Pretto ser eleito deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores, tornando-se o primeiro pequeno agricultor a assumir uma cadeira na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, o deputado Edegar Pretto (PT), um dos nove filhos de Adão, assumirá a presidência do parlamento gaúcho. Será o primeiro deputado de oposição ao governo José Ivo Sartori (PMDB) a assumir a presidência da Assembleia na atual legislatura. Em entrevista ao Sul21, Edegar Pretto fala sobre quais devem ser as prioridades de sua gestão e sobre o contexto político estadual e nacional no qual ela se desenvolverá. “Estou com uma enorme disposição para aproximar mais o Parlamento das pessoas. A Assembleia precisa se preparar estrutural e politicamente para poder receber bem as pessoas. Afinal de contas, aqui é a casa do povo. As pessoas precisam ser bem acolhidas no Parlamento”.

 

Questionado sobre os episódios de fechamento da Assembleia em votações polêmicas e o cerco da mesma pelo batalhão de choque da Brigada Militar, o deputado rejeita esse tipo de prática. “Eu não defendo a presença de servidores da segurança pública para entrar em confronto com colegas seus, nem aqui na Assembleia nem em lugar nenhum. A segurança pública tem outras funções a cumprir. A Casa é do povo e ele tem que participar dos debates que ocorrem aqui dentro. Acredito que com muito diálogo e conversa é possível encontrar outro caminho”.

 

O novo presidente da Assembleia destaca três causas que pretende promover por meio de debates em Porto Alegre e no interior: qual é o papel do Estado; o modelo agrícola vigente, com atenção especial para a relação entre produtor e consumidor, o uso excessivo de agrotóxicos e a qualidade dos alimentos que consumimos; igualdade de gênero e violência contra a mulher. “Em quatro anos, 278 mulheres foram assassinadas no Rio Grande do Sul, a maioria dentro de sua própria casa. Essas são algumas das causas que queremos eleger e buscar soluções para as mesmas em conjunto com os demais poderes do Estado e com a população”, exemplifica.

 

 

Sul21: O que representa para o senhor, pessoal e politicamente, assumir a presidência da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul?

 

Edegar Pretto: Estou assumindo uma tarefa que a minha bancada me delegou. Será a terceira vez que o PT assumirá a presidência da Assembleia Legislativa, segundo o acordo de gestão compartilhada, pelo qual as quatro maiores bancadas podem presidir a Casa por um ano. A nossa bancada que, nas últimas cinco legislaturas, vem sendo a maior bancada, tem conquistado essa possibilidade nas urnas. Pessoalmente, assumo como uma tarefa de enorme responsabilidade por ser o primeiro deputado de oposição que vai presidir a Assembleia na atual legislatura.

 

Isso ocorrerá em um momento difícil da conjuntura estadual e nacional, com o crescimento da intolerância e dos discursos de ódio. Há uma onda que tenta, a todo momento, afastar o povo da política. Em parte, isso ocorre por culpa de parte dos políticos de praticamente todos os partidos, inclusive o nosso, envolvidos em atos de corrupção. Acho que é o momento de um esforço coletivo dos partidos que querem seguir fazendo política em defesa dos interesses da maioria da população brasileira. A atual conjuntura exige uma reflexão e uma autocrítica, como estamos fazendo internamente no PT. Outros partidos também estão fazendo isso. Sinto que há uma disposição de parte das lideranças de vários partidos para ouvir mais a população.

 

Sul21: Em que medida a Assembleia Legislativa pode participar desse esforço?

 

 Edegar Pretto: A situação da Assembleia não é diferente. Está cada vez mais difícil as pessoas se sentirem representadas nos parlamentos. Recuperar a credibilidade perdida é uma enorme tarefa que está a nossa frente. Eu estou com uma enorme disposição para aproximar mais o Parlamento das pessoas. É dessa forma que pretendemos trabalhar, promovendo debates sobre temas que dizem respeito à vida da população. Qual é mesmo o papel do Estado? Há, grosso modo, duas visões que disputam esse tema. Uma delas entende que o Estado atrapalha a economia e tem que ser enxuto e lucrativo. Outra sustenta que o papel do Estado não é dar lucro, mas sim prestar bons serviços especialmente para aqueles que mais precisam. O Estado é de todos, mas, na minha visão, tem que estar com a mão mais estendida para os menores, para as camadas de baixo, como se diz.

 

É neste cenário que vamos assumir. Já visitei todos os chefes de poderes, com exceção do Executivo, pois é um costume da Casa o presidente visitar o governador após ser empossado. E farei isso. Fiquei muito entusiasmado com a receptividade que tive a essa avaliação do momento político que estou fazendo e à necessidade de os poderes estarem mais próximos da população. Creio que ter um deputado de oposição presidindo o Poder Legislativo será bom para a democracia do Rio Grande do Sul, sabendo da minha responsabilidade enquanto chefe de um poder e presidente de 55 deputados. Vou respeitar a pluralidade do parlamento e do Estado. Acho que será um bom exercício coletivo para todos.

 

Sul21: A função do presidente da Assembleia é institucionalmente diferente daquela de um deputado integrante da bancada de oposição. Como pretende trabalhar com essa mudança no atual contexto de crise política e econômica pela qual passam o Estado e o País? Qual marca crê ser possível de deixar neste um ano de presidência da Assembleia?

 

Edegar Pretto: Promover uma aproximação do poder Legislativo junto à população. A Assembleia precisa se preparar estrutural e politicamente para poder receber bem as pessoas. Afinal de contas, aqui é a casa do povo. As pessoas precisam ser bem acolhidas no Parlamento. Quanto à atuação institucional como presidente, cabe lembrar que a Assembleia Legislativa tem um regimento que não é presidencialista, diferente do que ocorre na Câmara Federal. Lá, o presidente tem a prerrogativa de definir, por exemplo, a ordem de votações. Aqui, temos um colegiado de líderes, formado por representantes dos partidos. Esse colegiado é que define a ordem das votações e a tramitação dos projetos aptos para ir à votação. A mesa diretora também tem um colegiado próprio que define questões relacionadas à organização da Casa.

 

Então, por um lado, vou seguir as regras que a Assembleia estabelece. Politicamente falando, além da aproximação do Parlamento com a população, queremos marcar a nossa gestão pelo debate de grandes causas que dizem respeito à vida cotidiana das pessoas. Citei antes a questão do papel do Estado. Outro tema é a democracia que vem sendo atacada constantemente no Brasil.

 

Queremos debater ainda a questão agrícola, especialmente no que diz respeito à relação entre produtor e consumidor. Uma das principais bases econômicos do nosso Estado é a agricultura, mas vivemos um modelo agrícola, dominado por grandes empresas transnacionais que, muitas vezes, jogam para cima do produtor um pacote que não tem só sementes, mas também produtos químicos e agrotóxicos em excesso. O Rio Grande do Sul e o Brasil viraram uma espécie de depósito de lixo químico de outros países. Das 50 marcas de veneno mais usadas no Brasil, 25 delas estão proibidas nos Estados Unidos. Boa parte delas não é utilizada em nenhum país da Europa. O consumidor, por outro lado, vai ao supermercado e leva para suas casas alimentos sem nenhuma informação sobre que substâncias foram utilizadas para a produção dos mesmos. Hoje, vivemos um aumento dos casos de câncer e de outras doenças que eram raras e atualmente não são mais.

 

Precisamos achar uma saída para essa situação. Há muitas empresas nacionais e mesmo multinacionais que estão trabalhando nesta direção. Em um recente encontro nacional de produtores de defensivos naturais, promovido pela Embrapa em Pelotas, a Bayer, uma das maiores produtoras mundiais de medicamentos e agrotóxicos do mundo, apresentou o defensivo natural que desenvolveu e está pronto para ser lançado no mercado. Esse defensivo causa o mesmo efeito que o químico nas pragas da lavoura, com a diferença que não faz mal para a saúde.

 

A igualdade de gênero é outro tema que nos interessa. Não podemos achar que é normal, em pleno século 21, depois de tudo o que já foi conquistado em termos de igualdade de direitos, ver mulheres trabalhando no mesmo cargo que homens e recebendo menos porque são mulheres. Tampouco podemos aceitar que, em quatro anos, 278 mulheres foram assassinadas no Rio Grande do Sul, a maioria dentro de sua própria casa. Essas são algumas das causas que queremos eleger e buscar soluções para as mesmas em conjunto com os demais poderes do Estado e com a população.

 

Sul21: Neste tema da aproximação do Parlamento com a população, os últimos dois anos tiveram vários episódios de tensão e conflito na Praça da Matriz, com o fechamento da Assembleia, em mais de uma ocasião, e seu cerco pelo batalhão de choque da Brigada Militar, durante votações de projetos polêmicos do governo Sartori. Há outros projetos do pacote encaminhado pelo governo no final de 2016 que devem ser votados este ano. Como pretende lidar com essa questão?

 

 Edegar Pretto: A minha origem é nos movimentos sociais. Ao longo da minha vida, já participei de muitos protestos e já sentei em muita mesa de negociação. Sei o que é você reivindicar uma pauta numa negociação e, às vezes, não ter avanço nenhum, mesmo com o povo organizado e mobilizado. Eu vou lutar e conversar muito para que a gente possa encontrar um caminho para resolver os problemas que nos desafiam. A Casa é do povo e ele tem que participar dos debates que ocorrem aqui dentro. Isso não é nenhum favor. O povo tem essa prerrogativa e precisa ter o acesso liberado ao Parlamento.

 

Por outro lado, como chefe do Poder Legislativo, terei a obrigação de encaminhar o trâmite das matérias enviadas à Casa. Há um rito que é preciso cumprir. Acredito que com muito diálogo e conversa é possível encontrar um caminho. As pessoas verão que não precisam ficar posando aqui, pois no outro dia a Casa vai estar aberta. Se elas tiverem essa garantia, certamente poderemos chegar a um bom termo. Eu não defendo a presença de servidores da segurança pública para entrar em confronto com colegas seus, nem aqui na Assembleia nem em lugar nenhum. A segurança pública tem outras funções a cumprir. Precisamos fazer um esforço coletivo para deixar a segurança pública fazer o que é a sua função que é proteger a comunidade neste momento em que estamos sofrendo um quadro de insegurança pública.

 

Eu já fui governo. No governo Tarso Genro, fui líder da nossa bancada na Assembleia. Também governamos em meio a uma situação de crise, que não é de hoje. Há 43 anos que o Estado é deficitário. Nós soubemos governar sem atrasar o salário dos servidores. Fizemos concursos públicos e investimos no setor produtivo com essa visão de enfrentar a crise apostando no crescimento. No período do nosso governo, a economia gaúcha cresceu três vezes acima da média nacional. É claro que temos um Estado pujante e um povo trabalhador, mas isso também é resultado de políticas que implementamos. Há outras possibilidades, portanto.

 

Além de conversar com líderes dos outros poderes do Estado, visitei também movimentos sociais, centrais sindicais e entidades de empresários. Fiquei muito animado com a disposição que há em todos esses setores em participar da busca de saídas para os problemas que enfrentamos.

 

Sul21: No dia 31, além da posse oficial na Assembleia, também está programado um ato popular de posse na Praça da Matriz com a presença de movimentos sociais e sindicatos de trabalhadores. Como será esse ato?

 

Edegar Pretto: É a tradição da nossa base social. Será uma celebração organizada pelos companheiros dos movimentos sociais, especialmente da Via Campesina. Além de serem acolhidos pela casa legislativa e de participarem desse momento tão importante e especial, eles decidiram organizar esse ato popular onde, perante a nossa base social, assumirei os meus compromissos de saber representar bem a quem delegou a mim executar essa tarefa.

 

Isso ocorrerá em um momento muito grave do país, onde há uma tentativa de retirar direitos que foram conquistados com muita luta. A Reforma da Previdência que está sendo proposta é exatamente isso. Querem fazer os trabalhadores e trabalhadoras trabalharem quase até morrer para se aposentar. Eu me criei acompanhando a minha mãe, Dona Otília, nos protestos e nos atos para que a mulher da roça tivesse direito ao menos ao auxílio maternidade e a receber um salário mínimo. Até a Constituição de 88, a mulher da roça não tinha auxílio maternidade e se aposentava com meio salário mínimo. Há uma grave ameaça de retrocesso no horizonte que era impensável até bem pouco tempo. Esse é o golpe que está sendo executado contra o povo brasileiro. Querem retirar direitos históricos já conquistados. A história política do Rio Grande do Sul tem uma tradição de assumir posições. Tentarei, como sempre procuro fazer, agregar pessoas e setores da população para lutar contra esses retrocessos.

 

Sul21: No final do ano, circularam alguns rumores sobre a possibilidade de uma quebra do acordo que estabelece o rodízio na presidência da Assembleia entre as quatro maiores bancadas. Houve, de fato, esse movimento, ou ficou mais no plano do rumor e do boato?

 

Edegar Pretto: Eu nunca nem me manifestei sobre isso. Confio nos acordos firmados nesta Casa. O Parlamento do Rio Grande do Sul tem uma tradição de cumprir acordos. Esse acordo existe desde 2007. Nunca acreditei nessa possibilidade. Ela teria um preço muito caro para o Parlamento e para a democracia aqui no Estado. Outros parlamentos olham para a Assembleia gaúcha como um exemplo inovador. Não há nada mais legítimo do que as urnas determinarem qual é o espaço de cada partido no Parlamento. Para mim, nenhum partido e nenhum deputado assumiu essa possibilidade de um golpe no acordo. Está se concretizando o que nós esperávamos, honrando a tradição do Rio Grande do Sul de um parlamento cumpridor de acordos.

 

30/jan/2017

http://www.sul21.com.br/jornal/a-assembleia-e-do-povo-e-ele-tem-que-participar-dos-debates-que-ocorrem-aqui/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/183207
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