Rumo a um Fórum Social da Internet:

Por que o futuro da Internet precisa de movimentos de justiça social

É agora, nessa "fase de projeto" da revolução de redes e dados, que o engajamento de movimentos sociais progressistas será mais frutífero.

08/11/2016
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1. Introdução

Assim como as mudanças tecnológicas anteriores, a Internet e a revolução da conectividade eletrônica em rede oferecem a promessa de um mundo melhor e mais equitativo para todos e todas. Contudo, é cada vez mais evidente que algumas elites estão utilizando os benefícios deste progresso em seu proveito, consolidando desta maneira suas posições gerais de controle. As corporações globais, frequentemente em associação com os governos, estão elaborando e construindo esta nova sociedade para responder a seus próprios interesses em detrimento de um interesse público mais amplo.

 

Diversos setores chave dos países ricos, dos países em vias de desenvolvimento e dos menos desenvolvidos já estão assistindo a grandes rupturas e a transformações importantes: o comércio varejista é afetado pela Amazon, os meios de comunicação pelo Facebook, a hotelaria pelo AirBnB e os taxis pelo Uber. Ademais, Google e Apple estão muito avançados na valorização digital e na mercantilização dos mais ínfimos aspectos de nossas vidas pessoais e sociais. Na superfície, muitos dos novos serviços e modelos de prestação parecem benignos e mesmo positivos. E, de fato, eles aportam benefícios tangíveis a algumas pessoas e instituições, ao ponto de muitos estarem dispostos a renunciar voluntariamente à proteção de dados pessoais e à privacidade.

 

Entretanto, uma análise mais profunda revela mudanças quase imperceptíveis que engendram mudanças sociais fundamentais, geram novas formas de desigualdade e aumentam as divisões sociais existentes. Sem um devido controle, estas mudanças podem ser precursoras de modelos comerciais e dinâmicas institucionais digitalmente guiadas, que atentam seriamente contra os direitos arduamente adquiridos pelos trabalhadores/trabalhadoras e cidadãos/cidadãs, assim como prejudicam significativamente os regimes de bem estar social e, em última estância, as instituições democráticas. O rigor analítico e o ativismo engajado devem ser aplicados para criticar esses modelos sociais e empresariais emergentes e para desenvolver alternativas apropriadas que promovam ativamente a justiça social

 

Isto é particularmente válido no que diz respeito à transformação interna dos diversos setores, graças à agregação e à análise de microdados a nível global. Os "Big Data" (macrodados) estão criando novos paradigmas em muitas áreas - por exemplo, a ideia de "cidades inteligentes" é apresentada como o novo modelo de governança baseada em dados que potencialmente suplantam processos políticos e democráticos. No entanto, essas mudanças - ao contrário daquelas ao nível do consumidor - são em grande parte invisíveis. Elas estão transformando os termos e as condições pelas quais as pessoas são empregadas e trabalham, o conhecimento a que têm acesso, as relações básicas de poder econômico e, finalmente, os direitos adquiridos pelos povos. A implementação destes paradigmas pode ter, e terá, um impacto generalizado, uma vez que sua influência se estende aos setores sociais e econômico, convertendo-se na corrente dominante em todos os países e em todas as classes socioeconômicas.

 

Desafiar essas dinâmicas é de vital importância e urgência, uma vez que encontramo-nos no rápido período formativo de um novo paradigma social, onde quase todas as instituições sociais da era industrial estão sendo minadas pela força transformadora de uma revolução de redes e dados. É agora, nessa "fase de projeto", que o engajamento de movimentos sociais progressistas será mais frutífero.

 

Contudo, enquanto os atores dominantes estão densamente conectados e bem encaminhados na estruturação da sociedade digital de acordo com seus interesses, as forças progressistas estão apenas nos estágios iniciais da definição dos contornos das questões e identificação dos problemas, geralmente em torno de uma questão específica; muito pouco progresso tem sido feito na criação de redes, no desenvolvimento de colaborações e alternativas adequadas, e na elaboração de estratégias e ações em um nível mais amplo.

 

O Fórum Social da Internet (FSI), através de seus diversos eventos e ações, oferecerá uma resposta a essas questões baseado nos verdadeiros combates daqueles que lutam pela justiça social. O FSI visa construir um espaço dinâmico e produtivo de diálogo e ação entre os diferentes setores sociais e grupos de interesse que possam sensibilizar, informar, educar e mobilizar a sociedade civil global para promover a mudança política. A partir deste espaço, buscaremos e implementaremos ativamente alternativas concretas e coerentes que orientarão e dinamizarão os movimentos sociais inovadores emergentes, conduzindo a um caminho de desenvolvimento mais sustentável que consolide os direitos humanos e as mudanças no âmbito da justiça social.

 

A ideia de lançar um FSI surgiu inicialmente como um legado das realizações da sociedade civil durante as duas Cúpulas Mundiais das Nações Unidas sobre a Sociedade da Informação (CMSI) em 2003 e 2005. Não obstante, desde uma análise retrospectiva, os membros do coletivo FSI percebem agora que a visão e o escopo que emergiram destas cúpulas focaram-se de forma muito restrita em preocupações relacionadas à Internet e às TIC e não suficientemente sobre como essas tecnologias poderiam transformar a vida cultural, política e econômica, como de fato o estão fazendo agora.

Como fórum temático do Fórum Social Mundial, e na persecução dos seus princípios, o FSI inspira-se em sua máxima: "Outro mundo é possível" também neste domínio.

 

O processo do FSI ainda está em seus albores, mas a maquinaria ideológica que anuncia uma nova ordem normal já se move em alta velocidade. Futuros utópicos estão sendo vendidos ao público: um mundo de serviços gratuitos e crescente ócio e lazer. Esta visão de futuro deve ser radicalmente criticada e denunciada pelo que realmente é: a mais recente onda de acumulação de capital promovida pela tecnologia. Esta onda é particularmente perigosa, dado o potencial de transformação dessas mudanças tecnológicas e sua aparição durante uma era em que o neoliberalismo - apesar de ter sofrido um descrédito teórico e prático - ainda impulsiona firmemente a agenda global.

 

À medida que o desafio de responder a questões sociais muito mais amplas adquire maior importância e o perigo de perder direitos arduamente conquistados em distintos âmbitos da justiça social (saúde, educação, meio ambiente, igualdade de gênero, desenvolvimento econômico, etc.) se torna mais real, o grupo de facilitação do FSI convoca movimentos de justiça social em todo o mundo, bem como outros indivíduos e organizações interessadas, a comprometerem-se com o processo ISF.

 

2. Tendências globais preocupantes

 

A sociedade global está agora à beira de uma mudança profunda, impulsionada pelo domínio emergente de uma nova espécie de entidade corporativa transnacional e neoliberal, dotada de um discurso persuasivo cujo propósito é sustentar o argumento de que a indústria privada não deve apenas desempenhar um papel, mas também liderar a resolução de muitos dos mais graves e urgentes problemas sociais. Preocupações sobre como a evolução da Internet está impactando o ambiente social e econômico, incluindo as novas áreas de risco como mineração de dados e vigilância, perdem significado face as possibilidades alarmantes que se apresentam à medida em que este novo paradigma de Big Data (macrodados) ocupa um lugar cada vez maior na trama e na estruturação formativa da economia, da sociedade e da cultura

 

A primeira geração de empresas transnacionais de Internet e de mídia social é acusada, com alguma razão, de enfraquecer a identidade coletiva, corroendo qualquer sensação de privacidade e diminuindo a capacidade de ação dos cidadãos ou mesmo dos consumidores. Outros agentes empresariais, desde a agroquímica até a hotelaria, muitos deles novos, voltam-se para a criação de novos modelos de negócios estruturados em rede e baseados em dados, prontos a explorar plenamente esta "nova normalidade", transformando um setor social e econômico após outro em máquinas de geração de lucros, frequentemente às custas de serviços e espaços públicos e de direitos e liberdades conquistados ao longo de muitas gerações.

 

Ademais, os algoritmos computacionais e a inteligência artificial desempenham um papel crescente não apenas na vigilância, mas também no policiamento, concessão de crédito, educação, emprego, saúde e muitas outras áreas, inclusive no setor público. Existe, portanto, um risco crescente de consolidação e enraizamento da tendência de coleta de dados pelas instituições, levando a um aprofundamento da discriminação racista, sexista, étnica, social ou de idade.

 

Os ativistas da justiça social e movimentos de toda parte devem preocupar-se com estas questões de fundamental importância assim como seus desdobramentos. Através de uma ação combinada, os ativistas da justiça social também serão essenciais para frear esta maré de inquietantes tendências e desenvolver perspectivas e opções alternativas.

 

No contexto global, as atuais estruturas de governança da Internet estão em grande parte sob o controle das corporações e de seus amigos na maioria dos governos. Essas parcerias estratégicas buscam remodelar as estruturas de governança global para que estejam mais alinhadas aos interesses corporativos e aos interesses do capital do que com o interesse público mais amplo, embora pareçam incluir todas as "partes interessadas" (stakeholders) como parceiros nas tomadas de decisões.

 

Em última análise, esta estratégia compõe uma agenda implícita mais ampla, com a intenção de substituir as existentes estruturas de governança global democrática (ainda que falhas), por uma governança ainda mais opaca e vertical ("top-down") modelada pelas corporações. Isso tornaria os governos nacionais cada vez mais impotentes contra as forças corporativas, mesmo que eles possam representar genuinamente o interesse público e processos democráticos "participativos" e "ascendentes" (bottom-up).

 

Em essência, estamos assistindo a um ataque de desenvolvimento lento mas inexorável, que ameaça numerosas frentes mas, sobretudo, a própria noção de justiça social. Seu resultado, se bem sucedido, reduzirá dramaticamente a importância das estruturas de democracia participativa como objetivos fundamentais e legítimos para a sociedade.

 

Para compreender plenamente os riscos que conservam estas tendências perturbadoras, para construir estrategicamente oposição a elas e desenhar e criar alternativas eficazes, precisamos iniciar e sustentar um processo de exploração profunda dessas dinâmicas, combinadas com um engajamento de longo prazo em ações voltadas para uma mudança sistêmica.

 

 

3. Construir alternativas, Juntos, através do FSI

 

Estrategicamente interconectados em todo o globo, os interesses neoliberais têm a intenção de apoderar-se dessas tecnologias para consolidar sua dominação. A alternativa não consiste apenas em retardar ou mesmo deter esse processo, mas recuperar essas tecnologias para que elas promovam e fomentem a justiça social.

 

Embora o digital esteja ligado à justiça social através de seu impacto em setores específicos - governança e democracia, educação, saúde, direitos trabalhistas, serviços públicos, incluindo bem estar social, igualdade de gênero, meio ambiente e assim por diante - não pode ser compreendido nem abordado dentro de cada um desses âmbitos de forma isolada. Além de uma compreensão e resposta específica para cada setor, é importante abordar o fenômeno como um meta nível ou elemento infraestrutural, pois envolve estruturas sociais e dinâmicas novas e emergentes em seu conjunto. A maior parte das respostas setoriais têm centrado-se nas aplicações práticas (ou, na melhor das hipóteses, em impactos adversos específicos) do fenômeno digital e não nas suas construções e orientações estruturais que, em qualquer caso, são difíceis de articular e abordar a partir de qualquer setor. No entanto, por sua própria essência e pela natureza de seu impacto, a revolução digital exige uma resposta holística e intersetorial.

 

É necessário um espaço que facilite e promova a aprendizagem e a ação reflexiva orientadas para a justiça social com vistas a compreender o significado de todo esse contexto e qual a melhor maneira de enfrentá-lo. Esta é a razão pela qual o FSI procura engajar-se com aquelas e aqueles que já estão envolvidos nas lutas por justiça social dentro de uma ampla gama de questões e setores. Análises e críticas minuciosas, bem como experiências de intervenção positiva, permitirão compreender como essas mesmas tecnologias podem ser voltadas para a justiça social e para a democracia. Entre as questões a serem abordadas estão:

 

  • O que significa justiça social no contexto das transformações digitalmente induzidas e no seio de diferentes problemáticas e setores? (meio ambiente, segurança pública, educação, transporte, saúde pública, segurança nacional, imigração, etc.)?

  • De que maneira estas tendências digitais já estão afetando os movimentos de justiça social em todo o mundo?

  • Como a novas práticas empresariais que dominam a era digital podem ser analisadas, criticadas e modificadas eficazmente?

  • Quais são as implicações destas tendências para governança global da Internet e para as estruturas de governança em um sentido mais amplo, assim como para a governança e para a democracia de modo geral?

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O coletivo FSI pretende descobrir, documentar e apoiar alternativas promissoras como as mencionadas na seguinte lista ilustrativa:

 

  • Formas em que o mundo da Internet, o "big data" (macrodados) e a "inteligência artificial" podem funcionar para o bem social, bem como as estruturas de governança necessárias para lograr êxito.

  • Meios de comunicação da sociedade civil e dos movimentos sociais que podem ser usados para educar, informar e fomentar a participação nas respostas e ações, tanto a nível local como a nível global.

  • Sistemas tecnológicos de propriedade comunitária que sirvam como alternativas às infraestruturas digitais controladas por governos e por corporações.

  • Projetos de commoning em todo o mundo (open source, open knowledge, etc.) e movimentos de economia solidária.

  • Ferramentas de Internet que deem suporte a movimentos de justiça social e maneiras de estabelecer ligações com ativistas da Internet para construí-las.

  • Exemplos de efetivo ativismo das partes interessadas (stakeholders) (por exemplo, avanços no terreno dos direitos na Internet e de privacidade, movimentos que promovam a neutralidade da rede e se oponham à taxa zero (zero-rating), ação social orientada para a justiça em todos os setores da indústria).

  • Combater a vigilância através do apoio à segurança com base na afirmação dos direitos fundamentais do utilizador final através de tecnologias de criptografia e do reforço da privacidade, em vez do discurso da segurança cibernética das empresas e dos governos.

  • Exemplos de êxitos em matéria de igualdade de gênero e de direito das mulheres na elaboração de políticas de TIC.

  • Perspectivas e abordagens específicas que os jovens possam trazer, enquanto "nativos digitais", uma vez que são o alvo principal das estratégias corporativas digitais, ao mesmo tempo em que representam um dos grupos construtores de alternativas mais articulados e criativos.

 

Outubro 2016

O coletivo FSI convida os grupos/pessoas interessados a entrarem em contato escrevendo para: secretariat@internetsocialforum.net

 

ISF Secretariat: 393, 17th Main 35th Cross, Jayanagar 4th T Block, Bengaluru  India 560 041

Local ISF Organiser: Swecha, Sy. No. 91, Greenlands colony, Hyderabad India 500032 

Website www.internetsocialforum.net/isf/ | Email secretariat@internetsocialforum.net

https://www.alainet.org/pt/articulo/181538
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