O falso alerta transgênico contra a segurança alimentar

28/07/2016
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 arroz falso
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Manifesto de cientistas apresenta argumentos inconsistentes em defesa do arroz dourado

Teve ampla repercussão a notícia recente de um manifesto assinado por mais de cem ganhadores do Prêmio Nobel, afirmando que o Greenpeace ameaça a segurança alimentar mundial.1, 2 E o que levou esses signatários — inclusive físicos e ganhadores do prêmio nas modalidades de Física, Literatura e da Paz — foi o fato de essa entidade ambientalista criticar o arroz dourado transgênico, o Golden Rice.3

Há muito o que comentar sobre esse manifesto. A começar pelo fato de que ser um Nobel em Física ou Literatura não qualifica, em princípio, ninguém para fazer julgamentos na área de biologia. E muito menos de forma tão veemente e dogmática, o que coloca em dúvida não só seus argumentos, mas também o verdadeiro motivo oculto por trás da defesa do Golden Rice.4 É questionável também, por sua área de atuação, a entidade que organizou e financiou a reunião da qual resultou o citado manifesto.5

Dos organismos geneticamente modificados (OGMs) consumidos no mundo, mais de 99% consistem em soja resistente a herbicida e em milho com a toxina Bt para combater lagartas e outros insetos. O Golden Rice não ultrapassa 0,1% das áreas cultivadas com OGMs. Pouco importa se o Greenpeace se posiciona contra ou a favor desse cultivo. No final das contas, essa estranha defesa do arroz dourado parece ser um pretexto para desacreditar a atuação dessa entidade ambientalista por sua oposição aos outros dois OGMs amplamente usados e consumidos, a soja e o milho transgênicos.

O entusiasmo em torno do desenvolvimento do Golden Rice por meio da transformação molecular não pode nos fazer esquecer de um fato importante: a pequena quantidade de betacaroteno encontrado neste tipo transgênico em comparação com aquele existente em fontes tradicionalmente baratas para populações pobres, como é o caso da batata doce.6

Surge então a questão: produzir esse tipo de arroz compensa os gastos financeiros?

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendam, para a vida saudável de crianças de um a três anos, a ingestão diária de 400 miligramas de vitamina A, e, para adultos, 500 a 850 miligramas. Para cada um grama de arroz de ouro há 1,6 miligrama de betacaroteno. Por sua vez, a batata doce, o alimento mais barato e abundante para populações pobres e disponível em todo o mundo, possui 11,4 miligramas desse nutriente por grama!

Como o índice de conversão de betacaroteno para vitamina A é de 6 para 1, será preciso ingerir 1,5 kg de arroz de ouro diariamente para ter o nível médio de vitamina A recomendado pela FAO!
Durante milhões de anos, a seleção natural proporcionou para as plantas uma estrutura genética equilibrada com as condições naturais onde elas vivem.

É difícil mudar a estrutura genética de plantas que vivem sob as mesmas condições naturais. Os trabalhos clássicos de cientistas da evolução, como Theodosius Dobzhansky (1900-1975), nos ensinam muito sobre isso. Os organismos geneticamente modificados não são apenas variações genéticas novas introduzidas pela manipulação humana, isto é, simples mutações induzidas pelo homem com esperança de ela sobreviver. Essas mutações não poderão prosseguir sob condições naturais, pois lhes falta aptidão para propagarem sob condições naturais. A aptidão é adquirida pela ação da seleção natural durante milhões de anos, e não pode ser formada da noite para o dia. As mutações úteis para seres vivos foram mantidas e preservadas nos organismos e constituem suas estruturas genéticas atuais. Quando cientistas tentaram aumentar o conteúdo de beta-caroteno do arroz dourado, o novo tipo não sobreviveu e não deu sementes. O arroz dourado que sobreviveu tem muito pouco betacaroteno. Tentativas de aumentar a porcentagem desse nutriente fracassaram, e a planta não conseguiu sobreviver, pois ficou desequilibrada com o ambiente atual onde a seleção natural atuou.

Isso nos alerta para não deixar que a biodiversidade natural e os recursos genéticos naturais já existentes não se extingam, pois essa biodiversidade nos fornece, de forma barata, os genes dos quais precisamos.

Essa biodiversidade já contribuiu no passado, contribui no presente e contribuirá no futuro para uma alimentação mais saudável. As corporações que ganham com a fabricação dos tóxicos transgênicos querem nos fazer esquecer isso.

NAGIB NASSAR, Ph. D. em genética pela Alexandria University (1972), no Egito, é professor emérito da Universidade de Brasília. Na década de 1970 desenvolveu híbridos de mandioca que ajudaram a salvar países da fome e são plantados em

mais de 4 milhões de hectares no oeste e no leste da África. Recebeu em 2014 o prestigiado Prêmio Kuwait Internacional e o dedicou integralmente ao apoio de

pesquisas de jovens cientistas sobre mandioca e à Fundação Nagib Nassar para o Desenvolvimento Científico e Sustentável.

 Referências

  1. Joel Achenbach, “107 Nobel laureates sign letter blasting Greenpeace over GMOs”, The Washington Post, 30/jun/2016.

  2. Mais de cem prêmios Nobel criticam ONGs por posição contra transgênicos”, Folha de S.Paulo, 1/jul/2015.

  3. Laureates Letter Supporting Precision Agriculture (GMOs)”, Support Precision Agriculture.

  4. Silvia Ribeiro, “Premios Nobel al Servicio de Monsanto y Syngenta”, La Jornada, México, 5/jul/2016.

  5. Jonathan Latham, “107 Nobel Laureate Attack on Greenpeace Traced Back to Biotech PR Operators”, Independent Science News, 1/jul/2016.

  6. USDA-NCC Carotenoid Database for U.S. Foods – 1998”.

Fonte: http://www.diretodaciencia.com/2016/07/27/o-falso-alerta-transgenico-contra-a-seguranca-alimentar/


 

https://www.alainet.org/pt/articulo/179117

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