O preço da água

14/11/2015
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No sudeste do Pará, a concessão do abastecimento para a Odebrecht Ambiental veio acompanhada de tarifas altas; moradores de baixa renda têm de decidir entre pagar a conta ou garantir a alimentação das crianças

 

A água, tão central na cultura amazônica, tem se transformado em um bem caro e até mesmo perigoso em São João do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e Xinguara, no sudeste do Pará. O líquido que chega às torneiras das casas está sob a responsabilidade da Odebrecht Ambiental, que detém as concessões do serviço de abastecimento nas três cidades e em outros sete municípios paraenses. Moradores de baixa renda, que precisam do Bolsa Família para sobreviver, têm sentido dificuldade para pagar as contas todo mês. Também existem reclamações de que a empresa usa cloro em excesso no tratamento, o que traz mal-estar às crianças.

 

Alguns pais enfrentam o dilema entre deixar as contas em dia ou manter a família, o que pode resultar em cortes até na alimentação. Há moradores que viram a fatura alcançar metade do orçamento, chegando a valores próximos de R$ 200. Nos três municípios, 4.107 pessoas vivem com até um quarto do salário mínimo por mês (o equivalente a R$ 197), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A saída é gerenciar a economia doméstica, em uma eterna corda bamba, que onera sobretudo as crianças.

 

Muitos recorrem a fontes alternativas de água, como poços artesianos e rios da região, que podem estar contaminados. Isso expõe as crianças ao risco de ter diarreia e doenças como febre tifoide, hepatite A e parasitoses. “A tarifa da água aperta demais o orçamento. Muitas vezes tive que deixar de comprar coisas para as meninas, como comida ou material de escola. Houve meses em que tive que pedir dinheiro para a minha sogra para colocar comida na mesa”, afirma a dona de casa Ana Carolina Dias Palone, de Xinguara, que tem duas filhas, de 5 e 7 anos. “Muitas vezes tenho que deixar uma conta pendente para o próximo mês, para dar tempo de sobrar um dinheirinho e conseguir comprar o que elas precisam comer.”

 

Os valores das tarifas de água foram definidos pelas prefeituras e pelas empresas nos contratos de concessão. Os moradores, principais afetados pela mudança, tiveram oportunidades restritas de participar da definição dos preços. “Não há no Pará uma agência reguladora que discuta com a prefeitura e com a população os valores. Eu, daqui, tenho que garantir que minha empresa continue funcionando. Somos uma companhia privada e visamos ao lucro. Não adianta ser hipócrita”, diz uma das engenheiras da empresa, que teve a identidade preservada.

 

Cada município atendido pela Odebrecht Ambiental possui obrigações específicas, descritas no respectivo plano de água e esgoto. “A região amazônica tem minério, terra, água. Tudo isso. As empresas vêm com a intenção de se apropriar da água e do bem público. A lógica da Odebrecht é mercantilizar a água, torná-la mercadoria”, afirma Cristiano Medina, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). A empresa ressaltou, via assessoria de imprensa, que, pelo modelo de concessão adotado nos municípios paraenses, assume a operação sob supervisão da prefeitura e deve assegurar investimentos e prestação de serviços. Após 30 anos, as benfeitorias implantadas ficarão com os municípios.

 

Empresas públicas e privadas de saneamento têm as mesmas obrigações, previstas nos planos diretores das cidades onde atuam. “A diferença principal é que as empresas privadas veem na água uma forma de obter lucro, enquanto as estatais têm o objetivo de desenvolver a região e prestar um serviço de saúde. Assim, uma empresa estatal pode reduzir as tarifas ou subsidiar regiões pobres sem aumentar os preços para as outras pessoas. Já a empresa privada terá que cobrar mais caro de alguém para garantir seu lucro”, exemplifica o diretor regional do Sindicato dos Urbanitários do Pará, Otávio Barbosa.

 

Compro comida ou pago água?’

 

A notícia da chegada de duas pessoas de São Paulo correu depressa na zona rural do pequeno município de São João do Araguaia. Famílias inteiras saíam de suas casas de madeira, ultrapassavam o quintal de terra batida e esperavam junto às cercas de madeira ou arame farpado, em um modelo de construção quase padronizado no local. Nas mãos, tinham as contas de água dos últimos meses, anexas aos avisos de corte do abastecimento. No rosto, uma clara esperança de resolver o problema que tira o sono – e sustento – de crianças e adultos da cidade: o valor a ser pago pela água.

 

“Não… Nós não somos da Odebrecht. Eu sou repórter e ele é fotógrafo.” A apresentação decepcionava aqueles que aguardavam uma resposta para o problema. Nas pequenas residências com banheiros inacabados, repletas de crianças e com sustento vindo basicamente do Bolsa Família, os valores das contas de água atingem parte significativa do orçamento familiar. “Minha conta vem por volta de R$ 18, porque nunca ultrapassei a primeira faixa de consumo. O valor pode parecer baixo, mas, para mim, que sustento a casa com R$ 200, é muito. A gente acaba tendo que tirar dinheiro do Bolsa Família para pagar a água e esse era um dinheiro que deveria ser para a comida das crianças”, conta a dona de casa Ednalda Moreira Gomes, que vive com o marido e dois filhos, de 10 e 13 anos.

 

Desempregado, o trabalhador rural José Reis recebeu em setembro uma conta de água de R$ 48,03 para um consumo de 26 metros cúbicos. Ele mora em uma casa de três cômodos, sem banheiro, com a esposa e mais três filhas. “Antes nós não pagávamos nada pela água. Agora, começamos a pagar e nem fomos consultados sobre o preço que pagaríamos. Ficou caro. Muitas vezes tiro dinheiro da merenda das minhas meninas para dar conta desse gasto”, lamenta. Ele aguarda uma vistoria da empresa para verificar a existência de vazamentos. “Está muito pesado para a gente que vive desempregado. Estou sem pagar, porque não tenho condições. O dinheiro que recebemos do Bolsa Família vai todo para comida e material escolar. Eu não posso mexer nisso.”

 

O dinheiro que recebemos do Bolsa Família vai todo para comida. Eu não posso mexer nisso”, lamenta o trabalhador rural desempregado, José Reis. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Instituto Alana

 

A renda da família da dona de casa Marines Cardoso de Oliveira também vem do Bolsa Família, que paga R$ 35 por criança, até o teto de R$ 175 – R$ 33 a menos que o valor da conta de água de junho, de R$ 208,87, por 62 metros cúbicos. “Às vezes é preciso escolher: comprar comida para as crianças ou pagar a água”, explica. Ela vive em uma casa de um cômodo com um banheiro inacabado, com o marido e nove filhos, três deles com deficiência mental. “O Bolsa Família só dá para comprar comida para os meninos, e vez ou outra algo para eles vestirem”, diz. Com a conta atrasada, seu maior medo é ter o serviço cortado e precisar recorrer à água de um pequeno lago próximo a sua casa, usado pelo gado de criadores da região. “Já me deram o aviso que, se eu não pagar, vão cortar minha água. Como vou fazer?”, questiona.

 

A história se repete de casa em casa, entre pelo menos 100 pessoas que vivem no bairro Vila José Martins Ferreira, na zona rural de São João do Araguaia. Quem não consegue bancar o preço da água recorre a fontes alternativas, e pouco seguras, como os rios da bacia amazônica e poços artesianos – onde muitas vezes a água, mal armazenada e sem tratamento, oferece riscos pela presença de micro-organismos nocivos à saúde. As crianças acabam sendo as mais contaminadas por doenças bacterianas e verminoses, como confirmam funcionários da saúde pública da região. Apesar da percepção dos trabalhadores do setor, a Secretaria Estadual de Saúde do Pará não contabiliza o número de crianças que apresentam os principais sintomas – diarreia e vômito – pois os problemas não são de notificação compulsória ao Ministério da Saúde.

 

A servente de escola Raimunda Carvalho dos Santos vive em três cômodos com o marido e três filhos, com apenas um salário mínimo. “Tem que tirar dos meninos, não tem jeito”, diz. Na conta de julho, o valor era de R$ 168 por 55 metros cúbicos. “A renda é pouca. Então, para pagar a água, nós temos que tirar da alimentação das crianças e do material da escola. Como eu vou pagar se não fizer assim?”, lamenta olhando para o chão, quase envergonhada. “Se cortarem, vou ter que pegar água no poço do vizinho para dar para as crianças. Mas ela não é boa. Fico entre a cruz e a espada.”

 

A lógica da Odebrecht é mercantilizar a água”, diz Cristiano Medina, do MAB. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Instituto Alana

 

O valor da tarifa média por metro cúbico em São João do Araguaia é de R$ 2,22. Todo o lucro da Odebrecht Ambiental vem da tarifa cobrada dos usuários. A Agência Pública solicitou o valor médio recebido pela empresa por mês, porém a informação não foi fornecida. Em São João do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e Xinguara, os contratos não preveem a tarifa social. Ela é aplicada por decisão da empresa. Podem ter acesso ao benefício clientes da categoria residencial, com casas enquadradas no padrão baixo de construção (área construída de até 100 metros quadrados, sem forro, com apenas um banheiro ou instalações precárias) e que tenham renda familiar igual ou inferior a um salário mínimo e meio. Apesar de muitos dos entrevistados se enquadrarem nesse perfil, nenhum deles era contemplado com o benefício.

 

“Percebemos que muitas das contas vêm com um consumo muito alto de água. A empresa faz verificação de vazamentos quando os moradores reclamam, mas não há um controle mais rigoroso sobre possíveis desperdícios. Mesmo nos casos de vazamentos e das famílias de baixa renda, não conseguimos negociar um valor menor para a conta”, afirma o vereador Benisvaldo Bento da Silva (PMDB), que vem organizando os moradores e conduzindo reuniões com a Odebrecht Ambiental.

 

Na mira da Lava Jato

 

A empreiteira Odebrecht, membro do grupo da Odebrecht Ambiental, é uma das empresas investigadas na Operação Lava Jato. Em julho, comprovantes de depósitos bancários encaminhados pela Procuradoria da Suíça a integrantes da Força Tarefa da Polícia Federal comprovaram transferências entre contas pertencentes à Odebrecht e ex-diretores da Petrobras. No mesmo mês, o juiz Sérgio Moro, responsável pelos inquéritos, aceitou a denúncia do Ministério Público Federal contra o presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, e mais quatro executivos. Ele se tornou réu, sob acusação de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa e segue preso em Curitiba, desde 19 de junho.

 

Em 20 de outubro, a defesa do empresário entrou com novo pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF), pelo qual ele pedia “socorro”, em tom inflamado. O ministro Teori Zavascki, relator dos processos da Operação Lava Jato no STF, negou o pedido de liberdade por entender que a prisão preventiva é necessária, uma vez que o executivo teria orientado supostas atividades criminosas de outros réus e que supostamente atuou para evitar o levantamento de provas. No dia 26 de outubro, advogados da empresa entraram com recurso no Tribunal Penal da Suíça para tentar evitar que extratos bancários em contas no país europeu sejam remetidos oficialmente ao Ministério Público do Brasil.

 

Água para quem?

 

A empresa tocantinense Hidro Forte Administração e Operação Ltda venceu a concorrência, seguindo o critério principal de oferecer o menor valor de tarifa. Três meses depois de assumir a concessão, a empresa foi comprada pela Odebrecht Ambiental, em setembro do ano passado. A possibilidade de mudar a empresa prestadora do serviço não estava prevista no edital, como manda a Lei de Licitações (8.666/93). “Neste caso, para ser legal, a possibilidade deve estar descrita no contrato de prestação de serviço”, explica Flávio Guberman, advogado especialista em direito administrativo e societário. Não foi possível obter o contrato, pois o secretário de Administração de São João do Araguaia, Emiliano Soares, não respondeu à reportagem.

 

O prefeito afirmou que a administração municipal “possui toda a documentação”. “Nós optamos por ter uma água de qualidade, porque as águas estão muito poluídas. A Odebrecht tem conhecimento, tem mais recurso e uma trajetória em saneamento básico. Preferimos migrar”, disse. A empresa informou, pela assessoria de imprensa, que, desde que assumiu o serviço, reformou a Estação de Tratamento de Água e regularizou as redes de distribuição e as ligações domiciliares, além de eliminar ligações clandestinas e fazer a clorificação da água. O teor de cloro atinge o máximo permitido pela Portaria 2.914/11 do Ministério da Saúde, de 2 miligramas por litro.

 

“De repente fomos surpreendidos pelos contratos com a Odebrecht. Não pudemos fazer audiência pública nem consultar a população sobre essa mudança. Quando o serviço era público, a prefeitura não cobrava e a água do rio era distribuída para a população por um sistema municipal. A Odebrecht não faz ainda o tratamento completo da água, mas já cobra caro”, reclama o vereador Benisvaldo. “Passaram-se três meses e a conta que chega nas casas das famílias fica entre R$ 150 e R$ 300. Tem pessoas que não têm renda nenhuma e têm que pagar isso”.

 

A tarifa mínima cobrada em São João do Araguaia é de R$ 18,28 para um consumo de 0 a 12 metros cúbicos, o equivalente a R$ 1,52 por metro cúbico. O valor aumenta de acordo com o consumo, chegando a R$ 5,73 por metro cúbico para as residências que usam mais de 50 metros cúbicos. Na cidade de São Paulo, por exemplo, o preço é de R$ 20,62 para um consumo de 0 a 10 metros cúbicos, sendo que, pela opção da tarifa social, voltada para as famílias de baixa renda, o valor cai para R$ 7 nessa faixa de consumo. No município paraense, é de R$ 12. Apesar disso, 30,41% das famílias de São João do Araguaia vivem com até um quarto do salário mínimo por mês, contra apenas 2,88% em São Paulo.

 

O Pará – onde muitos municípios ainda mantêm sistemas públicos de distribuição de água – tem a segunda tarifa média mais barata do país: R$ 1,64 por metro cúbico, atrás apenas do Maranhão (R$ 1,62), segundo o Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgoto de 2013, do Ministério das Cidades. O estado com a tarifa mais alta é o Rio Grande do Sul (R$ 4,18), seguido por Amazonas (R$ 3,75) e pelo Distrito Federal (R$ 3,73).

 

Cidade alagada

 

O projeto terá duas eclusas e um lago de 3.055 quilômetros quadrados. Serão inundados 1.115 quilômetros quadrados de terras de seis municípios do Pará (Marabá, São João do Araguaia, Bom Jesus do Tocantins, Brejo Grande do Araguaia, Nova Ipixuna, Palestina do Pará), três do Tocantins (Ananás, Esperantina e Araguatins) e dois no Maranhão (São Pedro da Água Branca e Santa Helena). A obra tem custo previsto de R$ 12 bilhões e terá capacidade de produção de 2.160 megawatts.

 

A Odebrecht não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre por que investir em saneamento em uma cidade que será alagada, por considerar uma informação estratégica para a empresa. “Por questões estratégicas a Odebrecht Ambiental não fornece esses dados”, disse a assessoria de imprensa.

 

“Isso passa por controle do território, mercantilização dos recursos naturais e controle dos rios”, acredita Cristiano Medina, do MAB. “São as mesmas empresas que disputam e administram tudo aqui. A Amazônia tem uma reserva vantajosa mineral, energética e de água e as empresas chegam aqui para controlar esses recursos.”

 

Água mineral

 

Apesar de Xinguara ser a cidade mais desenvolvida entre as visitadas – única com Índice de Desenvolvimento Humano médio (0,659) –, o distrito de Rio Vermelho, popularmente conhecido como Gogó da Onça, é composto por algumas poucas casas de madeira, que se espalham na beira da estrada. “Mãe, mãe, o retratista pode tirar retrato de eu mais o papagaio?”, pergunta, muito alegre, a pequena Rafaela Dias Palone, de 7 anos, enquanto corre para dentro de casa. Mãe da menina, Ana Carolina Dias Palone estava atarefada, cuidando da filha mais nova, de 5 anos, que há uma semana sofria com fortes dores no estômago e nos rins. O motivo, segundo o diagnóstico médico, era o cloro na água. “O médico perguntou se eu dou água da rua para ela e, quando confirmei, ele disse tinha certeza que era isso, porque já tinha outros casos. Desde então estamos comprando água mineral, mas é muito caro”, conta a dona de casa.

 

Criança de 5 anos sofre com fortes dores no estômago e nos rins pelo cloro na água, segundo diagnóstico médico. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Instituto Alana

 

Uma dosagem excessiva de cloro para consumo humano pode levar, por exemplo, à degradação da flora intestinal e a problemas estomacais, segundo o especialista em química ambiental e tratamento de água, Jorge Antonio Barros de Macedo. “Além disso, se a água não for filtrada antes de receber o cloro, o contato de alguns tipos da substância com matéria orgânica pode resultar na formação de substâncias cancerígenas, chamados trialometanos”, diz.

 

Uma das enfermeiras que trabalham diariamente no posto de saúde do distrito – e que não quis se identificar – confirmou que muitas crianças adoecem devido ao cloro usado na água. Ela reconhece, contudo, que houve uma diminuição do problema desde o começo do ano. “As pessoas adoeciam mais, porque os níveis de cloro eram muito altos. Para ter uma ideia, a faxineira nem estava usando água sanitária para lavar os lençóis do posto”, conta. “Depois de muita reclamação melhorou, mas as pessoas mais sensíveis, sobretudo as crianças, ainda sentem dores de estômago, diarreia e vômito. Algumas também chegam com irritações na pele, porque tomaram banho com água com cloro forte.”

 

Nem a Secretaria de Saúde Estadual do Pará nem a de Xinguara contabilizam os casos de adoecimento em função da água ou do cloro, segundo a secretária adjunta de Saúde de Xinguara, Maria da Glória Barbosa. O levantamento fica por conta da observação dos funcionários da saúde. “Aqui temos pelo menos três casos de diarreia em crianças por semana. A maior parte é devido à contaminação por giárdia, que é um protozoário transmitido pela água que não é tratada adequadamente. Nós sabemos que muitos municípios do estado são carentes na questão do tratamento de água e enfrentamos esse desafio no nosso dia a dia”, conta a enfermeira-chefe de um dos postos de saúde do município, Ecilene Fera.

 

De acordo com a secretária adjunta de Saúde de Xinguara, Maria da Glória Barbosa, o município não contabiliza os casos de adoecimento em função da água ou do cloro. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Instituto Alana

 

A Odebrecht Ambiental disse que “obedece a todos os padrões de tratamento de água em atendimento ao preconizado pelo Ministério da Saúde” e que realiza monitoramentos constantes de qualidade da água por meio de exames laboratoriais. “O teor de cloro estabelecido pela legislação deve ficar entre 0,2 e 2 miligramas por litro, sendo que utilizamos o valor de 0,9 miligrama por litro”, informou.

 

A prefeitura, no entanto, não tem realizado sua análise da água para checar os dados coletados pela empresa. Esse acompanhamento deveria ser feito mensamente, por meio de amostras colhidas em diferentes locais da cidade, enviadas depois para um laboratório central, no município de Conceição do Araguaia. “A última coleta foi realizada em maio e não tivemos acesso aos resultados ainda. Está parada por causa de uma licitação para compra de materiais”, explica o coordenador do sistema de monitoramento na prefeitura, Marconi Ribeiro.

 

Devido ao cloro e ao valor elevado da conta (mínimo de R$ 27,80 para quem consome de 0 a 10 metros cúbicos e uma média de R$ 3,32 por metro cúbico, considerando todas as faixas tarifárias), algumas famílias voltaram a recorrer à água de poços. “A água que a gente coleta tem coliformes fecais, sobretudo a dos poços, que em geral ficam perto das fossas. O saneamento básico e o esgoto são ruins. Por isso, mesmo nas famílias de baixa renda, o pessoal acaba tendo que consumir galões de água mineral”, diz Ribeiro.

 

Em Xinguara, a água que chega às casas pelo sistema de distribuição operado pela Odebrecht Ambiental vem de uma barragem feita em um pequeno córrego. Apenas 30% da população do município tem acesso à água tratada. A empresa está investindo na ampliação da barragem, que deve duplicar de tamanho e permitir uma captação de água três vezes maior que a atual, além de aumentar a rede de distribuição para a cidade. “Não temos mais atendimento porque o córrego é pequeno. No período de estiagem, a qualidade dessa água fica muito ruim, com matéria orgânica, escura e temos que usar muitos produtos químicos. Com um lago maior, de profundidade maior, a qualidade melhora”, disse uma engenheira da Odebrecht. “Trabalhamos com meta desafiadora, porque atendemos a um percentual muito pequeno. Até 2017 temos que atingir 70% de atendimento.”

 

A água de qualidade também é um problema a 200 quilômetros dali, no município de São Geraldo do Araguaia, que, junto com Xinguara, capta água de superfície dos rios. Muitos moradores dizem que precisam comprar água mineral para beber. Segundo eles, a água da rua tem qualidade ruim e também chega às casas com cheiro forte de cloro ou suja, ainda com resíduos de matéria orgânica. De acordo com a empresa, o teor de cloro utilizado na água do município também é de 0,9 miligrama por litro. A prefeitura de São Geraldo não realizou nenhuma avaliação da qualidade da água neste ano, por falta de equipamentos como o reagente ou o coletor, segundo a Secretaria de Saúde do município. De acordo com o órgão, o teor de cloro no município variou entre 0,2 e 2 miligramas por litro, mas já chegou a 5 miligramas por litro.

 

Os moradores do município pagam uma das contas de água mais caras da região: R$ 31,10 para quem consome entre 0 e 10 metros cúbicos e uma tarifa média de R$ 3,73. Segundo a Odebrecht Ambiental, as diferenças de valores nas tarifas dos municípios “se devem às especificidades presentes no equilíbrio financeiro de cada uma destas concessões e obedecem a parâmetros presentes nos contratos de concessão com cada município”. Antes de a Odebrecht assumir a sistema de água no município, a responsável era uma empresa de capital misto chamada Companhia de Saneamento de São Geraldo do Araguaia (Cosanga). O primeiro contrato foi feito com uma empresa chamada Saneatins, que posteriormente foi adquirida pela Odebrecht Ambiental.

 

Com o valor alto da conta de água em São Geraldo do Araguaia, população continua utilizando o rio para lavar louças e roupas. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Instituto Alana

 

Devido às recorrentes queixas sobre a qualidade e o preço da água no município, o promotor de Justiça de São Geraldo do Araguaia, Agenor de Andrade, organiza, desde agosto, quatro procedimentos jurídicos contra a Odebrecht Ambiental, de quatro diferentes regiões da cidade. Três deles vieram com abaixo-assinados que reuniram 160, 110 e 70 assinaturas de moradores, reclamando de cheiro de esgoto na água, da cor barrenta ou do interrompimento constante da distribuição, sem aviso. “Várias pessoas estão passando mal com diarreia, infecções por bactérias, vômitos e crises estomacais”, diz o enunciado de um dos abaixo-assinados.

 

“Os moradores me encaminharam uma garrafa com uma amostra da água que chega à casa deles e ela veio realmente muito suja e barrenta. Por isso, vou convocar, junto à Câmara Municipal, uma audiência pública, para ouvir os munícipes e cobrar respostas da empresa”, diz Andrade. “Colheremos informações e instauraremos procedimento administrativo para subsidiar uma eventual ação civil pública contra a Odebrecht.”

 

Uma das alternativas que a população encontra para driblar a tarifa e os problemas na qualidade da água é o rio, sem tratamento. Na pequena São Geraldo, com suas casas de madeira e ruas de terra, onde além das pessoas circulam também galinhas e porcos, tudo acontece nas margens dos Araguaia, entre a lavagem de roupa e a pescaria. “A água da rua vem suja ou cheia de cloro. Para tudo que preciso uso o rio”, reclama a pescadora Silva Moreira, que mora em uma casa onde só há uma torneira e um vaso sanitário, sem descarga.

 

Às vezes a água vem muito suja, outras com bastante cloro. Chega a arder para beber”, conta a dona de casa Rosa Maria. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Instituto Alana

 

“Uma vizinha contou que colocou a roupa de molho e no dia seguinte apareceu manchada, porque é muito cloro”, conta a dona de casa Rosa Maria, que tem uma filha de 10 anos e outra de 9 meses. “Às vezes a água vem muito suja, outras vezes com bastante cloro. Chega a arder para beber. Acabamos tendo que comprar água mineral para dar para a bebê, porque a da rua é muito forte para ela. Mas infelizmente não temos dinheiro para as duas. O que vamos fazer?”

 

* Essa matéria é resultado do concurso de microbolsas para reportagens investigativas sobre Crianças e Água promovido pelo projeto Prioridade Absoluta do Instituto Alana em parceria com a Agência Pública.

 

http://goo.gl/hi9Mc8

https://www.alainet.org/pt/articulo/173638
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