O “Black Lives Matter” em 2015

Ano de resistência e internacionalismo

12/04/2015
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Artigo publicado em espanhol na Revista América Latina en Movimiento No. 501: El Decenio Afrodescendiente 10/02/2015

O atual movimento afro nos Estados Unidos emergiu como uma resistência internacionalista baseada na consciência da diáspora mundial.

 

A violência sistemática do ano 2014 expôs as raízes históricas do racismo anti-negro dos Estados Unidos (EUA) e das Américas.  O genocídio dos homens, das mulheres, pessoas trans e crianç@s negr@s pelas mãos do Estado conduziu o movimento em favor da justiça e da liberação negra nos EUA.

 

A consciência e a liderança política da comunidade negra estadounidense representam um processo histórico de solidariedade com a diáspora africana.

 

O chamado Black Lives Matter  (As vidas negras importam), encarna o movimento de libertação e do poder negro.  A luta rompe fronteiras em nome da libertação negra e avança construindo solidariedade com os povos oprimidos do mundo.

 

Origens da libertação negra do século XXI

 

#BlackLivesMatter (BLM) chegou em um momento transcendental de nossa história.  Três mulheres pretas e queer, Alicia Garza, Patrisse Cullors e Opal Tometi, Co-fundaram o lema em 2013 após o julgamento de George Zimmerman na Flórida pela morte de Trayvon Martin, um jovem afro de 17 anos.  O júri absolveu Zimmerman de todas as acusações.

 

Apesar disso, o hastag transformou-se em um movimento um ano mais tarde quando o policial branco Darren Wilson matou Michael Brown, um jovem de 18 anos em Ferguson, Missouri.  A morte de Brown abriu uma ferida em nossa América negra.

 

A organizadora do BLM em Los Angeles, Povi-Tamu Bryant, explica: “O sistema que existe agora e no qual o povo negro existe por séculos nos Estados Unidos tem em suas raízes e em seu ser a desvalorização da vida negra”.

 

Revisar as estatísticas comprova sua declaração.  A Cada 28 horas um homem, mulher ou criança negra morre pelas mãos da polícia ou de seguranças privados.  Aproximadamente 25 por cento das mulheres negras nos EUA vivem em condições de pobreza, número mais elevado do que qualquer outro grupo.  Além disso, a expectativa de vida para uma negra transgênero é de 35 anos.

 

Para BLM, a violência sancionada do Estado não se traduz somente nas execuções extrajudiciais do povo negro, mas se manifesta nos milhões de pessoas negras encarceradas; pobreza desproporcional das comunidades negras; ataques às mulheres negras e suas famílias; violência contra os corpos queer e trans assim como @s 500.000 negr@s sem documentos, predominantemente do Caribe e da América Central, que estão relegados às margens da sociedade americana.

 

Garza escreve em "A Herstory of the #BlackLivesMatter Movement, “BLM é uma intervenção política e ideológica em um mundo onde as vidas negras são intencionalmente conduzidas ao seu disaparecimento. [BLM] é uma afirmação da contribuição do povo negro à sociedade e à resistência contra a opressão mortal”.

 

Fundamentalmente, BLM, “se concentra nas pessoas que foram marginalizadas dentro dos movimentos pela libertação negra. É uma tática para (re)construir o movimento do libertação negra…[ e] levantar as vidas negras conectando as lutas através da raça, da classe, gênero, nacionalidade, sexualidade e discapacidade”.

 

Embora a luta contra a violência sancionada pelo Estado saiu de uma experiência histórica e particular dos EUA, @s organizador@s e ativistas reconhecem que existem condições similares entre as comunidades dos afrodescendentes do mundo. A luta para libertar as comunidades negras nos EUA é parte de um chamado internacional para reafirmar a humanidade do povo afrodescendente e para transformar as condições para os povos de descendência africana em todo o mundo.

 

A luta do povo palestino é a luta negra. 

 

Palestina levantou-se em solidariedade com o povo negro de Ferguson e do resto dos EUA em agosto de 2014, um mês, duas semanas e em quatro dias após o genocídio israelita contra o povo e o território ancestral palestino.

 

 Milhares de mensagens enviadas da Palestina foram publicadas em redes sociais.  Nós podemos imaginar mais os milhares de mensagens que não chegaram por falta de acesso à internet.

 

“A solidariedade com Ferguson desde nossa Gaza ocupada, sitiada e ensanguentada. As vidas palestinas importam. As vidas negras importam. Todas as vidas devem importar”, indica uma mensagem.

 

Mais adiante, em novembro, uma delegação de dez estudantes ativistas da Palestina visitou Ferguson e St. Louis para encontrar-se com o povo nas ruas.  Quando retornaram, @s estudantes organizaram uma série de eventos na Cisjordânia para conscientizar suas comunidades sobre a luta negra.

 

Foi então que os Dream Defenders, uma organização dos EUA, ratificaram unanimemente uma resolução de apoiar o movimento palestino para o boicote, desinvestimento e sanções à Israel.

 

Após esta demonstração de solidariedade, uma delegação histórica de organizador@s afro e latin@s viajou a Palestina para expressar sua solidariedade com os povos que vivem sob a ocupação israelita.  @s organizador@s de BLM, Dream Defenders, Black Youth Project 100, New York Justice League e outras participaram deste intercâmbio solidário para conectar as lutas dos povos oprimidos do mundo.

 

O diretor legal dos Dream Defenders e co-organizador da delegação, Ahmad Abuznaid disse em uma entrevista para a revista Ebony: “os objetivos principais foram permitir aos membros de um grupo experimentar e ver em primeira mão a ocupação, limpeza étnica e brutalidade que Israel impôs ao povo palestino, e também construir relações reais com as pessoas da vanguarda da luta por libertação".

 

O próprio processo político de Abuznaid foi inspirado pela luta preta e agregou, “no espírito de Malcolm X, Angela Davis, Stokely Carmichael e outros, nós pensamos que as conexões entre o movimento afro-estadounidense e palestino tinham que ser restabelecidos e fortificados”.

 

De Ferguson ao Haiti

 

Haiti representa um testemunho para todos os povos que lutam pela liberdade.  O movimento de base, Lavalas, desafia dia após dia a invasão estrangeira e defende o território original do povo.  A violência sancionada do Estado e a repressão global contra o povo estão em seu pleno apogeu.

 

Apesar disso, o povo haitiano preserva a liberdade que declarou com o triunfo da Revolução Haitiana em 1º de janeiro de 1804, momento no qual o Haiti se transformou na primeira república negra e independente do hemisfério ocidental, conduzida por cimarrones (povos africanos autoliberados da escravidão).

 

O 12 de janeiro de 2015 marcou o quinto aniversário do terremoto devastador que deixou aproximadamente 316.000 mort@s; mais de 300.000 ferid@s e cerca de 1,5 milhão de sem teto.  Desde então, o povo haitiano manteve sua resistência firme contra a ocupação internacional militar e o investimento neoliberal.

 

Depois do terremoto, as eleições fraudulentas de 2010 excluíram o partido político mais popular do Haiti, Lavalas, e ganhou Michel Martelly, um ex-ton ton macoute (o esquadrão da morte da ditadura de Duvalier).  Com menos de 20 por cento do eleitorado participando das eleições, reapareceu a brutalidade duvalierista no Haiti.  A política de extrema direita e perseguição política de líderes populares retornaram com toda a força.

 

A administração de Martelly aprovou leis que aumentam a vigilância e a repressão permitidas pelo Estado através da nova Corte de Segurança Estatal, por exemplo.  Além disso, o Estado criminaliza a liberdade de pensamento, da expressão e da associação, puníveis com pena de morte.  Dezenas de líderes haitian@s foram encarcelad@s sem o devido processo sob o governo de Martelly.

 

Mesmo assim, com o apoio dos EUA, Martelly cancelou as eleições municipais e parlamentárias diversas vezes dentro dos últimos três anos.  A última oportunidade foi programada para o 26 de outubro de 2014, mas não cumpriu.  Como resultado, o poder legislativo está em um estado inconstitucional. Os mandatos de muitos políticos expiraram à meia-noite de segunda-feira 12 de janeiro de 2015. Um outro terremoto agitou o país quando, por decreto, Martelly começou a comandar com poder absoluto.

 

O 12 de janeiro de 2015, BLM em Los Angeles realizaram seu primeiro fórum público em solidariedade com o Haiti facilitado pelo organizador Todd Harris.

 

“Quando o povo haitiano se livrou da sufocação escravista, inspirou a milhões de africanos a lutarem pela liberdade. Mostrou ao mundo que a supremacia branca não era eterna”, Harris explica.

 

Agregou, “Tudo isto preparou as bases para a rebelião em Ferguson e o movimento emergente dos EUA. Uma vitória para a democracia no Haiti é uma vitória para o povo afroestadounidense.  A luta é sem fronteiras.  A pergunta é já como fortalecer estas relações através da solidariedade”.

 

BLM fez eco em seu comunicado chamando “à solidariedade de todo o povo afronorteamericano para apoiar a luta pela democracia e pela soberania do povo haitiano. Sua luta é parte de nosso grito para por fim à violência sancionada do Estado contra o povo negro.  #Todasasvidasnegrasimportam”.

 

Assim, o chamado à resistência em 2015 da BLM é somente uma das múltiplas bandeiras que os povos de descendência africana estão levantando nesta década.  Este movimento é chave para as conversações e as ações mundiais na luta pela justiça e pela autodeterminação dos povos negros do mundo.

 

Jeanette Charles é educadora popular, jornalista e filha da diáspora haitiana. Forma parte de um coletivo de jovens afro e latin@s.

 

Referências

Abulhawa, S. (2013). The Palestinian struggle is a black struggle. Electronic Intifada. http://electronicintifada.net/content/palestinian-struggle-black-struggle/12530Black Lives Matter (2015) ao #BlackLivesMatter from Ferguson to Los Angeles to Haiti. Comunicado de imprensaBrignac-Cullors, P. (entrevista, 1 de dezembro de 2014)Bryant, P.T (entrevista, 1 de dezembro de 2014)

Davis Bailey, K. (2015). Dream Defenders, Black Lives Matter & Ferguson Reps Take Historic Trip  to Palestine. Ebony Magazine. http://www.ebony.com/news-views/dream-defenders-black-lives-matter-ferguson-reps-take-historic-trip-to-palestine #axzz3PT7Ooo44

Charles, J. (2014). Black Lives Matter  and 21stCentury Abolition. teleSUR . http://www.telesurtv.net/english/analysis/Black-Lives-Matter-and-21st-Century-Abolition-20141208-0028.html

Donaghy, R. (2014). Palestinians send messages of solidarity to #Ferguson protestors. Middle East Eye. http://www.middleeasteye.net/news/palestinians-send-messages-solidarity-...

Forster, C. (2014). In América, Haiti is Palestine. Unpublished manuscript.

Garza, A. (2014). A Herstory of the Black Lives Matter Movement. Black Lives Matter.  http://blacklivesmatter.com/a-herstory-of-the-blacklivesmatter-movement/

Harris, T.E. (comunicação pessoal, 20 de janeiro de 2015)

Khalek, R. (2015). Assista: Ferguson activists bring message of  “love and struggle” to Palestine. Electronic Intifada. http://electronicintifada.net/blogs/rania-khalek/watch-ferguson-activists-bring-message-love-and-struggle-palestine

Loudon, T. (2015). Intifada EUA? American Radicals Build Ties to "Palestinian" Revolutionaries. Noisy Room. http://noisyroom.net/blog/2015/01/17/intifada-usa-american-radicals-build-ties-to-palestinian-revolutionaries/

 

Artigo publicado na América Latina en Movimiento , No. 501: http://alainet.org/publica/501.phtml

https://www.alainet.org/pt/articulo/169248

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