A Hora e a Vez de um Programa Camponês

Para preservar, fortalecer, reconstruir (com acesso a conquistas civilizatórias contemporâneas, entre elas, a inclusão digital) as comunidades camponesas.

25/03/2015
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A agricultura Camponesa não se reduz a um conceito econômico. É muito mais: é social, é territorial, cultural, antropológico. É uma forma de viver e existir, que também produz bens e serviços, principalmente, na forma de alimentos saudáveis e na preservação da natureza.

 

Mas o principal resultado desta forma de viver é um tecido social saudável, que vem sendo esgarçado e destruído nas últimas décadas no Brasil pelo avassalador avanço do agronegócio e das monoculturas. O êxodo rural, principalmente das novas gerações, é uma das mais brutais consequências desta realidade, comprometendo a produção de alimentos em futuro próximo. O agravo da questão urbana e suas mazelas sociais é a outra consequência.

 

Mas a destruição das comunidades camponesas com suas formas convivência, costumes, sistemas produtivos, lazer, esporte, educação, cultura é a face mais perversa do avanço do agronegócio sobre os territórios camponeses.

 

Preservar, fortalecer, reconstruir (com acesso a conquistas civilizatórias contemporâneas, entre elas, a inclusão digital) as comunidades camponesas é o principal objetivo de um Programa Camponês. Produzir alimentos saudáveis, com preservação ambiental e transição agroecológica, para o abastecimento nacional e exportação, é o segundo e não menos importante. Estes dois objetivos se completam e um não existe sem o outro.

 

O PRONAF vive sua fase de esgotamento como política pública massiva de ascensão social, mudança do modelo tecnológico em direção da agroecologia e universalização do acesso. Nos últimos anos o Pronaf foi sequestrado pela lógica bancária, transformou-se em formas de transferência de lucros para as indústrias de tratores e máquinas agrícolas, de agrotóxicos, de adubos químicos e multinacionais das sementes transgênicas. Afastou-se da lógica camponesa e fortalece o agronegócio da classe média rural e da indústria de venenos.

 

Diante desta realidade, o Movimento dos Pequenos Agricultores elaborou, discutiu e consolidou uma proposta ampla e global para o desenvolvimento da agricultura camponesa, uma meta síntese e uma estratégia de transformação: O PLANO CAMPONÊS.

 

A formulação do plano se desdobrou em luta social e política. No Rio Grande do Sul, os movimentos da Via Campesina, operários metalúrgicos, movimentos populares e de juventude, abraçaram a proposta e a transformaram em uma reivindicação concreta e prática de ampla repercussão social e econômica. Um Programa Camponês como política de Estado, estruturante da produção e da vida camponesa. A exitosa experiência se traduz como reivindicação imediata ao Governo Federal.

 

Este Programa Camponês, entre outros elementos, consiste em:

 

Estimulo a cooperação e ao cooperativismo: em cada grande região os movimentos sociais selecionam cooperativas ou associações camponesas para operar o programa.

 

Crédito desbancarizado e desburocratizado: ou seja, sem as regras bancárias convencionais dos acordos de Basileia, garantido o direito dos agricultores acessar recursos para produzir alimentos saudáveis.

 

Transição agroecológica massiva: emprego de princípios, técnicas e métodos produtivos agroecológicas, compatíveis com a estratégia econômica, tecnológica e energética de autonomia camponesa.

 

Investimento nas Unidades de Produção Camponesas: criar condições de reestruturação produtiva para produzir alimentos, em especial, através de:

 

a) biomineralização do solo: recuperar a fertilidade dos solos com utilização de pó de rochas, adubos orgânicos, adubos verdes e biofertilizantes;

 

b) kit soberania alimentar: investimentos em diversificação da produção para abastecimento popular, como instalação de hortas, pomares de frutas, criação de pequenos animais e sementes;

 

c) introdução do Pastoreio Racional Voisin (PRV): viabilizar a introdução de pastagem permanente para ampliar a produção leiteira e de carnes;

 

d) resfriadores: qualificar a armazenagem do leite produzido através de resfriadores a granel;

 

e) fruticultura: formação de pomar familiar;

 

f) mudas: instalar viveiros de mudas florestais, frutícolas e de olerícolas;

 

g) sementes crioulas e varietais: autonomia na produção de sementes para o uso dos próprios agricultores;

 

h) máquinas e equipamentos agrícolas: proporcionar a mecanização das atividades agrícolas ampliando a produtividade do trabalho nas unidades camponesas;

 

i) irrigação: dispor de recursos para as famílias irrigarem suas roças, implicando em aquisição máquinas para construção de açudes, cisternas para produção e aquisição de equipamentos de irrigação.

 

Processamento e Agroindustrialização da Produção: formas de cooperação para a constituição de unidades agroindustriais cooperadas, de sucos, conservas, carnes e pescado, embutidos, laticínios, beneficiamento de grãos, entre outras.

 

Unidades de Beneficiamento de Sementes: de porte pequeno e médio, distribuídas e todo o território nacional, para produzir e beneficiar sementes visando a autonomia produtiva da agricultura camponesa e da produção agroecológica.

 

Biofábricas de insumos: com o objetivo de produção massiva de insumos agroecológicos como fertilizantes e biofertilizantes, bem como produção de agentes biocontroladores de pragas e doenças.

 

Armazenagem, logística e distribuição: construção de estruturas de secagem e armazenagem, aquisição de veículos para transporte dos alimentos. Instalação de centros logísticos de recolhimento e distribuição de alimentos em regiões estratégicas e centros urbanos.

 

Este é o Programa pelo qual lutamos e que terá a capacidade de unificar forças sociais camponesas e urbanas para seguir na luta pela construção de soberania alimentar, qualidade de vida e um Brasil democrático e justo.

 

25/mar/2015

http://www.sul21.com.br/jornal/a-hora-e-a-vez-de-um-programa-campones-por-marcelo-leal-e-frei-sergio-goergen/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/168458

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