Brasil e Europa: políticas econômicas na contramão

20/02/2015
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No final de 2012, a economista e presidente Dilma Rousseff, em viagem à Europa, condenou a política de austeridade imposta aos países da União Europeia pela troika BCE/FMI/Comissão Europeia e sugeriu que seus líderes importassem a política econômica anticíclica implementada no Brasil para enfrentar a crítica situação econômica com que este bloco se defrontava como consequência da crise da dívida soberana.
 
Segundo seus argumentos, “o modelo de austeridade estava fadado ao fracasso” e os resultados da política implementada produziria apenas “mais recessão e empobrecimento das classes médias”.
 
Dilma estava correta em seu argumento sobre a terapia prescrita pela troika para corrigir os acentuados desequilíbrios fiscais de alguns países, notadamente Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, os quais se manifestaram como desdobramento da crise do subprime, e desvelaram as fragilidades da economia real de alguns de seus membros.
 
Ao contrário do que esperava a troika, as políticas de austeridade apenas agravaram os problemas com a recessão que se produziu, acompanhada de aumento considerável do desemprego, encolhimento das receitas fiscais e avanço na desmontagem de programas do welfare, quando naquele momento, o mais importante era dar força à atividade econômica, estimulando a demanda.
 
Tanto isso é verdade que ainda hoje a União Europeia continua mergulhada em sérias dificuldades econômicas, com alguns de seus países não conseguindo sair da recessão, ameaçada insistentemente por um processo de deflação, devido à fraqueza da demanda, e ainda correndo riscos de desintegração. Tal situação levou o BCE a decidir, recentemente, mesmo com a resistência da Alemanha, injetar liquidez na zona do euro, por meio da compra de títulos públicos, visando a reverter este quadro, tal como ocorreu nos Estados Unidos após a crise do subprime.
 
Em 2015, eleita para o segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff não quis comparecer à reunião anual que se realizou em Davos, na Suíça, no final do mês de janeiro, preferindo se refugiar na Bolívia e comparecer à posse de Evo Morales.
 
O Fórum Mundial de Davos é um encontro anual que reúne líderes da economia mundial, incluindo governos, empresários, intelectuais e organismos internacionais, e seria uma boa oportunidade para a presidente defender a política ortodoxa que começou a implementar no Brasil neste segundo mandato e convencer os agentes econômicos e as instituições de que o país se colocara no rumo esperado pela elite internacional, representante, de uma maneira geral, do capital financeiro. Seria, certamente, aplaudida entusiasticamente, inclusive, e, não se pode desconsiderar, talvez ironicamente, pela Chanceler alemã, Angela Merkel, principal líder da ortodoxia mais atingida por suas críticas anteriores.
 
Há muitas hipóteses para explicar o motivo de seu não comparecimento a este encontro em Davos, mas nenhuma é tão forte como a que se refere ao fato de que teria dificuldades para defender a política ortodoxa que condenara veementemente há pouco mais de dois anos, e de ter de reconhecer que o Brasil, ao invés de estar exportando, tornou-se importador da política de austeridade da Europa, exatamente num momento em que esta, tendo aparentemente reconhecido seus malefícios e incapacidade para resolver os problemas do bloco, começou a abrandá-la com o afrouxamento do controle quantitativo da liquidez e do crédito.
 
Seria de fato uma tarefa difícil. Isso porque não é fácil explicar como se mudou de visão em tão pouco tempo. Enquanto a Europa começa a buscar outro caminho, visando a fortalecer a demanda e a atividade econômica para sair da ruína em que se encontra, o Brasil se dispõe a iniciar o seu percurso, aniquilando a demanda e a oferta e abrindo mão, assim, do crescimento econômico, quando se sabe ser este essencial para preservar e dar continuidade às conquistas alcançadas nos últimos anos em termos de emprego, renda e de redução das desigualdades no País.
 
Ou seja, enquanto a Europa ensaia, ainda que tardiamente, exatamente uma política anticíclica para se reencontrar com o crescimento, o Brasil, com uma recessão já batendo às portas, passa, em sentido oposto, a implementar uma política pró-cíclica, significando que a atividade econômica deve continuar se encolhendo, com efeitos perversos para o emprego, a renda dos trabalhadores e as políticas sociais, que já começam a se manifestar.
 
Não são boas as perspectivas que se descortinam para o país nos próximos anos ao se aventurar nessa estratégia equivocada. Depois de exagerar na política anticíclica para manter vigoroso o consumo sem se preocupar com o lado da oferta, a política econômica brasileira renuncia a medidas que poderiam reequilibrar essa equação, deixando de encaminhar reformas importantes para estimular o investimento, a produtividade e a redução do custo-Brasil, e passa a acatar, candidamente, as ordens emanadas do mercado financeiro para soterrar a única fonte que vinha mantendo algum oxigênio para a atividade produtiva, o consumo.
 
A crença de que a recomposição do tripé macroeconômico em níveis que agradem o mercado traga de volta em algum momento os investimentos e o crescimento, depois de saneada a economia pela recessão, o desemprego e o aumento das desigualdades só é verdadeira para o capital financeiro, por garantir, com isso, um Estado solvente, capaz de preservar, sem riscos, seus ganhos fabulosos.
 
Para a economia real e a população em geral, que até o momento só foram prejudicadas com as medidas adotadas, representa sacrifícios inúteis, enquanto não forem desbloqueados os caminhos para um efetivo desenvolvimento econômico e social do País, o que nada tem a ver com o “austericídio”, como alguns analistas têm rotulado a política ortodoxa posta em movimento pelo governo neste segundo mandato. O exemplo da Europa está aí, bem à vista, para os que ainda acreditam ser este um caminho profícuo para o Brasil retornar à trajetória de crescimento econômico.
 
- Fabrício Augusto de Oliveira é Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e autor, entre outros, do livro “Dívida pública do Estado de Minas Gerais: a renegociação necessária”, de 2012
 
20/02/2015
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