O ouro negro e a quarta frota

29/09/2008
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O anúncio da entrada em operação, em julho de 2008, da recriada Quarta Frota da Armada dos Estados Unidos, cuja área de operações é o Atlântico Sul, suscitou protestos e pedidos de esclarecimento por parte de vários chefes de Estado sul-americanos, do Parlamento do Mercosul, bem como de diversos parlamentos nacionais, e pôs em alerta os militares da região.

Quais as motivações das autoridades e dos estrategistas estadunidenses ao decidiram destinar parte de sua máquina de guerra para uma região onde os conflitos têm sido relativamente escassos e logo resolvidos pacificamente, sob o princípio da não-intervenção, mediante negociações diplomáticas? Publicamente, declaram que seus objetivos são combater o terrorismo, o narcotráfico e implementar ações humanitárias, em colaboração com os países da região. Bem poucos – ou ninguém – acreditam que estes são os motivos principais para dedicar uma esquadra composta por um porta-aviões atômico de grande capacidade, mais onze belonaves. Adicionalmente, o perfil de seu comandante, Joseph Kernan, anteriormente chefe do Comando de Táticas Especiais de Guerra Naval, ex-mergulhador especializado em técnicas de sabotagem, não contribui para creditar tais declarações de intenção.

Nos domínios econômico e geoestratégico, o Atlântico Sul tem vindo a ganhar importância em função das crescentes descobertas de importantes jazidas de petróleo e gás, quer do lado da América (Brasil e Venezuela), quer do lado da África (Angola e os países do Golfo da Guiné, dentre os quais Gabão, Guiné Equatorial, Nigéria e São Tomé e Príncipe). A rota dos grandes cargueiros – inclusive petroleiros – originários do Oriente Médio, de outras regiões da Ásia ou da Austrália, destinados à Europa, à América e vice-versa, dadas as limitações do Canal de Suez, há muito que passa pelo Atlântico Sul, em circunavegação do continente africano, ao que se acrescenta a rota para o Pólo Sul e a passagem para o Oceano Pacífico, via extremo Sul da América. Por sua vez, a União Européia e países de grande porte, como Rússia e China, efetuam esforços para incrementarem as suas presenças em ambas as margens do Atlântico, com notáveis avanços deste último na África.

Em fevereiro de 2007, os Estados Unidos decidiram instituir o Comando da África (AFRICOM) – anteriormente integrado no Comando da Europa –, a ser instalado até setembro de 2008, voltado à coordenação das suas operações militares naquele continente. Agora, temos a notícia do relançamento da Quarta Frota, que fora criada em 1943, durante a II Guerra Mundial, para combater os submarinos alemães que atuavam no Atlântico Sul, tendo perdurado até 1950, quando foi integrada à Segunda Frota, a responsável pelo Atlântico Norte. Estes movimentos indicam que os Estados Unidos desejam reforçar a sua presença militar no Planeta, inclusive nas regiões até há pouco consideradas de menor interesse estratégico.

Na esfera política, o fracasso de governos neoliberais na América do Sul, substituídos por governos de esquerda ou centro-esquerda – Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Uruguai, Venezuela e, recentemente, o Paraguai, com a assunção de Fernando Lugo –, dificultam aos Estados Unidos a implementação de suas políticas armamentistas. O Equador já avisou que em 2009 expirará o prazo e não renovará a concessão de uso da base aeronaval de Manta, a maior utilizada pelos estadunidenses nesta parte do mundo. Por outro lado, a base aérea de Mariscal Estigarribia, no Chaco paraguaio, distante 200 Km da fronteira com a Argentina e 300 Km da fronteira brasileira, uma alternativa para manter forte presença militar na região, segundo o novo governo paraguaio, também não está disponível para ser cedida aos Estados Unidos.

Uma questão de grande interesse para o Brasil refere-se à descoberta e à exploração de enormes quantidades de petróleo e gás existentes ao largo de sua costa, cuja localização ultrapassa as 200 milhas náuticas, limites externos da sua Zona Econômica Exclusiva. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay, Jamaica, em 1982, dentre várias disposições, define as regras relativas à soberania dos Estados costeiros sobre as águas adjacentes, em oposição ao conceito de alto-mar, e estabelece normas para a gestão dos recursos marinhos, do subsolo marítimo e o controle da poluição. Os Estados Unidos, apesar de assinarem a Convenção, não a ratificaram por considerarem-na contrária aos seus interesses nacionais.

O Brasil apresentou às Nações Unidas proposta sobre o direito de exploração dos recursos econômicas na costa brasileira, a qual envolve uma área adicional, para além daquela correspondente às 200 milhas (em frente das regiões Norte, Sudeste e Sul), de 960 mil quilômetros quadrados, a qual encontra-se em discussão. O Ministério da Defesa entende que, com esta medida, lançaram-se as bases para o último processo de definição das fronteiras do Estado brasileiro, a chamada Amazônia Azul, no oceano Atlântico. Se esta proposta for aceita, o País terá uma área marítima de 4,4 milhões de Km2, correspondente à metade de sua área terrestre.

Entrementes, a Armada brasileira agendou, para setembro de 2008, um grande exercício naval no litoral dos Estados de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, justamente onde foram descobertas as jazidas petrolíferas gigantes do pré-sal. Mobilizar-se-ão 9 mil homens, 20 navios e 40 aviões, a um custo de R$ 15 milhões. Isto após dois meses do anúncio da reativação da Quarta Frota estadunidense e passado um mês do início da exploração daquelas jazidas.

- Jorge Gustavo Barbosa de Oliveira é Professor de Política Mundial, Curso de Ciências Sociais, Universidade Regional de Blumenau

Texto finalizado em 20/08/2008
Publicado em Folhapopular, edição de setembro de 2008, pág. 4.
Informativo do Fórum dos Movimentos Sociais de Blumenau, SC, Brasil
https://www.alainet.org/pt/articulo/130065

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