Preço dos alimentos sobe porque produção é inferior à demanda

21/04/2008
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
Especialistas do campo defendem tese de que a produção de agrocombustíveis está reduzindo o plantio de alimentos e provocando a inflação mundial; "Lula faz uma defesa ideológica dos agrocombustíveis", critica o agrônomo Bernardo Mançano

As recentes declarações do relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, o suíço Jean Ziegler, sobre a produção em massa de agrocombustíveis que “representa um crime contra a humanidade, em decorrência de seu impacto nos preços mundiais de alimentos”, reacenderam o debate acerca do desenvolvimento e uso de agrocombustíveis.

O argumento, que também é defendido pelos movimentos sociais é de que a utilização de espaço para o plantio de vegetais - como a cana -, destinados à fabricação de agrocombustíveis - como o álcool - elimina áreas que poderiam ser utilizadas para se plantarem alimentos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defensor dos agrocombustíveis, rebateu às críticas feitas pelo relator da ONU: “O verdadeiro crime contra a humanidade será descartar a priori os biocombustíveis e relegar os países estrangulados pela falta de alimento de energia à dependência e à insegurança", disse Lula.

Preço dos alimentos


Lula também afirma que a expansão da produção de cana não é responsável pelo aumento do preço dos alimentos. “Não me digam que os biocombustíveis causam a alta dos preços. O plantio de cana não comprometeu ou deslocou a produção de alimentos”, disse.

Para Bernardo Mançano, professor e pesquisador da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), onde coordena o Data Luta (Banco de dados da Lula pela Terra) “ao fazer essa afirmação, o presidente não apresenta dados. Isso é perigoso, porque é uma defesa ideológica de alto risco”. Mançano explica que “é só observar os dados do IBGE para compreender como a cana e outras commodities têm se territorializado sobre áreas de produtores de alimentos”.

Desde 2007, os preços dos alimentos aumentaram em média 40% e o de matérias-primas básicas, como o trigo, duplicaram. Com isso, em uma série de países têm realizado protestos em decorrência da dificuldade de encontrar produtos. Para o presidente, o aumento dos preços dos alimentos se dá pelo fato de “as pessoas pobres estarem começando a comer”, em lugares como China, Índia e América Latina. O professor da Unesp rebate a afirmação: “A questão é que o aumento do preço está relacionado com a falta de alimentos. Esse fato derruba o mito de que não há alimento para todos. A procura é maior do que a oferta”, explica.

O engenheiro agrônomo Horácio Martins aponta que a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), órgão do governo federal, em julho de 2007, avalia que o milho, a soja e o trigo vêm perdendo áreas nos Estados de Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo e Paraná. O preço da terra também subiu no Estado de São Paulo. Segundo o Instituto de Economia Agrícola - IEA, de 2001 a 2006, - o valor médio por hectare subiu 113,6%,

Aumentar a produção

De acordo Martins, os impactos da expansão da plantação de cana já são constatáveis "na concentração da terra, na desagregação dos territórios camponeses, no aumento da exploração dos assalariados rurais, na contaminação e degradação do meio ambiente, no aumento real da emissão de gás carbônico, na desnacionalização das empresas rurais e das agroindústrias, na afirmação da dependência da economia do país à exportação de commodities, além de afirmar o modelo econômico de concentração e centralização da renda e da riqueza no campo".

Martins lembra que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) diz que o Brasil ´há 120 milhões de hectares disponíveis para o plantio de matérias primas para os agrocombustíveis. "Está-se falando de uma expropriação de territórios numa escala sem precedentes".

O engenheiro agrônomo afirma que a expansão da área plantada com cana de açúcar "está provocando uma reorganização do uso da terra agricultável no país, assim como exercendo forte pressão para o desmatamento dos biomas da Floresta Amazônica, Mata Atlântica, Pantanal e Cerrados. E, mais, irradia seu modelo de produção para diversos países da América Latina".

A produção de etanol no Brasil na safra 2006/2007 foi de 21,30 bilhões de litros, ou seja, 21,90% maior que a anterior. A área ocupada com cana-de-açúcar no Brasil na safra 2007/2008 é de 6,92 milhões de hectares, superior em 12,30 % à safra anterior.

Caos no futuro

Para o futuro, Mançano acredita que "se o Estado não intervir nesse processo, será o caos. O Estado tem que elaborar uma política para controlar o uso do território para a produção de alimentos e de combustíveis", avalia. A saída, aponta ele, “é aumentar a produção de alimentos. Temos terra, gente e tecnologia para isso”. O problema, diz Martins, “é que todos esses recursos e condições estão concentrados. É preciso democratizar o acesso a esses recursos e condições, como por exemplo realizando a reforma agrária”, conclui.

Pouco antes de o presidente rebater as críticas de Jean Ziegler aos agrocombustíveis, movimentos sociais que estiveram presentes durante a Conferência Especial para a Soberania Alimentar, realizada em Brasília entre os dias 10 e 13 de abril, soltaram um documento condenando o uso de terras para a produção de agrocombustíveis. "Os representantes (dos movimentos sociais) expressam seu mais enérgico rechaço à geração, desenvolvimento e uso de agrocombustíveis e toda a geração de energia através da biomassa".

"Fazemos nosso o chamado urgente do relator das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, para que os governos declarem uma moratória internacional sobre todos os incentivos para a produção e o comércio dos agrocombustíveis", diz o documento.

Fonte: Brasil de Fato
http://www.brasildefato.com.br
https://www.alainet.org/pt/articulo/127132
Subscrever America Latina en Movimiento - RSS