Entrevista com João Pedro Stedile, membro da direção do MST e da Via Campesina Brasil.

O monocultivo dos agrocombustiveis so interessa ao capital internacional

31/05/2007
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1. Como o MST vê o avanço dos projetos de produção de agro-combustíveis no Brasil?

João Pedro
: Vemos estes avanços com grande preocupação. De fato, o que está em curso é uma grande aliança entre três tipos de capitais transnacionais: as empresas petrolíferas (que desejam diminuir a dependência do petróleo), as automobilísticas (que desejam seguir com esse padrão de transporte individual para obter lucro) e as empresas do agro-negócio (como Bunge, Cargill e Monsanto) que desejam continuar monopolizando o mercado mundial de produtos agrícolas. Agora, esse império do capital internacional quer fazer uma aliança com os grandes proprietários de terra no sul, especialmente no Brasil, para utilizar grandes extensões de terra para a produção de agro-combustíveis. Eles querem produzir uma mercadoria que interessa somente para manter as suas taxas de lucros e seus modos de vida. Não há nenhuma relação com as preocupações pelo meio ambiente, o aquecimento global ou outras coisas, que nós – simples humanos – temos. O capital tem um único objetivo: reproduzir-se nas suas taxas de lucro. Agora vem com toda força para produzir energia para seus carros a partir do agro-cultivo.

2. Por que chama-los agro-combustíveis e não bio-combustíveis?

João Pedro: Debatemos recentemente no Fórum Mundial de Soberania Alimentar em Mali – África, que existe uma grande manipulação por parte desse capital em chamar aos combustíveis de origem vegetal, renovável, com o prefixo bio, que significa vida. Trata-se de uma aberração, porque todos os seres vivos têm o componente bio. Então, nós poderíamos nos chamar bio-pessoas, bio-joãopedro, bio-soja. Mas, ele (o capital) passa a utilizar o prefixo bio para dar a entender que é uma coisa boa, politicamente correta. Por isso, ao igual que a Via Campesina Internacional acordamos chama-los pelo seu verdadeiro conceito. Ou seja, combustíveis ou energia de origem produzida no agro. Portanto, o termino correto é agro-combustíveis ou agro-energia. Se a sua produção é mais adequada que aquela da energia fóssil – do petróleo e do carbono-, isso constitui um outro tema. Mas não podem utilizar o prefixo bio automaticamente, como sinal de que se trata de algo bom.


3. Quais são os impactos que vocês vem sobre a agricultura e a alimentação?

João Pedro: No modelo capitalista de agricultura as regras da economia política funcionam para toda a produção, baseada nas taxas de lucro. Portanto, se o etanol ou o agro-combustível de outras origens vegetais são capazes de gerar um lucro maior ao produtor capitalista – do que o milho, o algodão, o trigo, o feijão –, resulta evidente que haverá uma migração de cultivos alimentícios, que em geral possuem uma taxa de lucro mais baixa, (porque os consumidores possuem baixa renda) rumo aos agro-combustíveis. Essa é a regra do capitalismo: não precisa ninguém predizer ou planejar. E, isto já esta ocorrendo no Brasil. A cana está avançando sobre as áreas cultivadas de feijão, milho, gado leiteiro; porque suas taxas de lucro são menores.

O segundo efeito é que as áreas de monocultivo haverão de se ampliar. Grandes extensões de terra fértil estarão dominadas pelo monocultivo da cana ou da soja para a produção de combustíveis, seja álcool etanol ou óleo combustível. E a produção agrícola na forma de monocultivo é, por si só, prejudicial para a natureza, para o meio ambiente, porque ela destrói outras formas de vegetais, ela destrói a biodiversidade. No caso da soja e da cana, já existem estudos no Brasil comprovando que o seu monocultivo altera o equilíbrio das chuvas, que se concentram mais num determinado período do ano e tornam-se mais intensas, mas torrenciais. Além do mais, essas águas, na ausência da biodiversidade para equilibrar e abastecer-se delas, correm com maior intensidade para os rios ou para o lençol freático. Há, também, estudos que mostram o aumento das temperaturas médias bem como o aumento da incidência das secas em regiões de monocultivo. Isto, sem levar em consideração que, no caso da cana, temos o agravante das queimadas que são feitas e com isso lançam gás carbonico para a atmosfera, bem como as péssimas condições de trabalho dos assalariados rurais, em geral migrantes, trazidos de regiões distantes para evitar que se organize e lutem.

4. Quais são os impactos que vêem com relação à concentração da propriedade da terra?

João Pedro: Obviamente há um grande impacto também na concentração da propriedade da terra. Como se estimula o monocultivo por grandes empresas, evidentemente que essas empresas, aliadas ao capital financeiro internacional, invertem no Brasil com a compra de grandes extensões de terra. Nos últimos meses, Cargill, por exemplo, já comprou a maior planta de álcool em São Paulo, com 36 mil hectares continuas de cana. E já é a maior área continua cultivada de cana. E este fato vem se reproduzindo. No estado de São Paulo, até o ano passado, haviam 4 milhões de hectares de cana: Com os planos de expansão de muitas usinas, desejam passar a 7 milhões de hectares num período de apenas 3 anos. Além disso, outros estados próximos dessa região – como Goiás, sudoeste de Minas e Mato Grosso do Sul –, estão ampliando os cultivos de cana, para instalar nos próximos 5 anos nada menos que 77 novas usinas. A Petrobras já começou a construção de dois dutos de álcool. Um deles parte de Cuiabá (capital de Mato Grosso), no centro oeste e vai até o porto de Paranaguá (Paraná). O outro, parte das proximidades de Goiânia (capital de Goiás) e vai até Santos. Toda essa região será tomada por grandes propriedades de cana. Uma concentração impressionante e, além do mais, percebe-se a presença de capitais internacionais, como Cargill. Muitos fundos de investidores estrangeiros controlados, por exemplo, por George Soros estão investindo em ações de empresas brasileiras que operam com álcool.

5. Qual é a experiência que se possui em Brasil, depois de mais de 30 anos, produzindo álcool a partir da cana de açúcar?

João Pedro: A produção de álcool de cana para caros teve o seu impacto positivo na balança comercial do Brasil e diminuiu naquele período a importância do petróleo, conseguiu equilibrar os preços dos combustíveis. Mas isso trouxe como conseqüência inúmeros problemas ambientais, porque ao contrário do que muitos cientistas defendiam – que a produção deveria ser em pequenas unidades, integrada com os camponeses, para produzir na forma de soberania energética de cada município – o regime militar da época optou pelo monocultivo em grandes extensões e na instalação de grandes usinas. Muitos municípios se transformaram em imensos canaviais, totalmente dependentes da importação de comida de outros lugares. Tampouco resultou na diminuição da contaminação. Primeiro, porque a mesma produção de cana necessita do óleo diesel e de derivados do petróleo para os fertilizantes. Assim, houve um aumento de 25% no consumo de petróleo nessas regiões. Segundo, os automóveis que utilizam a mistura de álcool e gasolina continuam aquecendo o clima, pela superpopulação de carros e pessoas nas grandes cidades. Ou seja, não resolveu nenhum problema do meio ambiente ou do carbono na atmosfera. Ao contrário, agravaram-se os problemas sociais, pela concentração da propriedade, pela diminuição do trabalho no campo, com o êxodo rural, etc.. As regiões de cana do Brasil são as regiões de maior concentração de riqueza e maior existência de pobreza. Sempre utilizo o exemplo do Município de Ribeirão Preto, no centro do Estado de São Paulo, que é considerado pela burguesia a Califórnia brasileira, pelo seu elevado desenvolvimento tecnológico na cana. Faz 30 anos, essa cidade produzia todos os alimentos, possuía camponeses no interior e, de fato, era uma região rica e com distribuição eqüitativa da renda. Atualmente, é um imenso canavial com 30 usinas que controlam a toda a terra. Na cidade existem 100 mil pessoas que vivem em favelas; a população carcerária é de 3.813 pessoas – somente adultas – enquanto que a população que vive da agricultura e tem trabalho naquela região é de somente 2.412 pessoas, incluindo as crianças. Esse é o modelo de sociedade do monocultivo da cana. Há mais pessoas no cárcere do que pessoas dedicadas à agricultura.

6. Como vocês pensam que deva se enfrentar a crise energética e de combustíveis fósseis?

João Pedro: Nós dizemos que há de se fazer um grande debate, com toda a sociedade, para enfrentar o problema em vários níveis. O primeiro, e mais importante nível, é que precisamos mudar a matriz dos transportes: substituir o transporte de carros individuais, que consomem muita gasolina e álcool, pelo transporte coletivo, que pode utilizar gás, energia elétrica e outras formas não poluentes. Segundo, ir mudando as fontes da matriz energética de toda a sociedade, estimulando todo tipo de alternativas, em menor escala, como pequenas e medianas hidroelétricas, que causam um menor impacto no meio ambiente, energia do agro, eólica, etc. Terceiro, precisamos conceber uma idéia de soberania energética. Ou seja, cada vila, cada município deve procurar suas próprias soluções locais, para não depender da energia transportada de outras localidades. Se bem é verdade que as grandes cidades não conseguirão fazer isto, pelo menos podemos diminuir em muito e; se combinamos isto com as alternativas anteriores, se poderá encontrar formas não poluentes e de equilíbrio com o meio ambiente. Esperamos que as conseqüências perversas do aquecimento do planeta, das mudanças climáticas, que a população urbana já sente, podem levar a um processo de conscientização das pessoas, para pressionar os governos a que realizem tais mudanças. Porque as empresas e os capitalistas não têm nenhum compromisso com as pessoas, somente com as suas taxas de lucro.

7. Quais são as ações que o MST se coloca com relação ao avanço dos agro-combustíveis como política de Estado?
 
João Pedro: No MST e na Via Campesina, estamos num processo permanente de discussão. O primeiro passo é deter o avanço do monocultivo de cana e da soja; deter o avanço do capital transnacional. Além disso, precisamos ampliar o debate com a sociedade. Propor outras formas; defender a idéia de que o comercio de energia – e também da agro-energia – deve estar sob o controle de alguma empresa estatal, pública, e não do capital, será uma luta longa e difícil. Mas já estamos nela. E o futuro da humanidade está sendo decidido nestas batalhas.

- Carlos Vicente, da rede Grain, para a revista BIODIVERSIDAD

Tradução do Espanhol, por Daniel S. Pereira/ São Paulo

https://www.alainet.org/pt/articulo/121505
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