A cada mil lágrimas sai um milagre

08/03/2007
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Provocados pelo 08 de março, Dia Internacional da Mulher, muitos tentarão avaliar sua caminhada. A tarefa não é simples e a trajetória de emancipação das mulheres, cheia de contradições. Se houve grandes avanços mulheres ocupam espaço de poder cobiçados como Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA e a chanceler alemã Ângela MerKel - a opressão sobrevive em todo o mundo. Mulheres afegãs são proibidas de estudar e ao lado delas as de etnia razara, talvez as mais discriminadas, sobrevivem ao massacre talibã enfrentando viuvez e orfandade, fustigadas pela escassez de água, comida e assistência médica. Na África, mulheres carregam com altivez e intrigante sorriso o peso de gerar e criar filhos em meio à guerra, a escassez e a exploração. Na China e na Índia bebês do sexo feminino são vítimas de aborto seletivo.

No Brasil, sinais de patriarcalismo machista persistem na violência cotidiana, aberta ou velada, perpetrada contra a mulher. Entretanto, em todos os setores da sociedade, homens e mulheres se unem para parir uma realidade nova de igualdade, justiça e respeito à diversidade. Há menos de um mês, a ONU deu o prêmio global de defensor da natureza à ministra Marina Silva, reconhecida no mundo todo como testemunha da aliança entre a luta das mulheres e a defesa da natureza. Em Goiás, elas vivem a expectativa de ocupar metade dos cargos da nova equipe do governo estadual.

Nos diversos movimentos sociais, tanto no campo como na cidade, as mulheres têm se organizado ao lado dos homens ensaiando formas próprias de atuação, como na luta pacífica contra as sementes transgênicas e o desflorestamento de reservas do Espírito Santo e do Rio Grande do Sul por empresas multinacionais para o plantio de eucalipto.

Lá e cá, a marcha feminina faz lembrar o verso de Itamar Assumpção e Alice Ruiz: “A cada mil lágrimas sai um milagre.”( canção Milágrimas, CD Bicho de 7 Cabeças, Gravadora Baratos Afins). Embora os próprios indicadores econômicos mostrem que são as mulheres que melhor preservam os recursos naturais e cuidam do impacto sobre a natureza, não há políticas agrícolas que as distingam na concessão de crédito e assistência fundiária. Sua crescente participação no mercado profissional não coincide com a melhoria das condições de trabalho, incremento salarial e avanço educacional. Ao contrário, segundo estudo da Unicamp, com dados do IBGE, a taxa de desemprego subiu mais para elas do que para os homens: 77,3% e 57,7%, respectivamente, em especial entre as mais jovens.

Antes do “Dia internacional da Mulher” certas sociedades já tinham ritos para minimizar - ou mascarar - o machismo e a opressão sofrida por elas. A subversão do sistema cotidiano não tem outra função que reforçar os papéis codificados pela tradição para cada gênero. E em regiões do norte da Espanha, por exemplo, a festa do Ano Novo permitia a inversão do papel das mulheres, do mesmo modo que, em diversas regiões do Brasil, durante o Carnaval, há blocos em que os homens, mesmo machões, se fantasiam de mulher e estas, menos freqüentemente, se vestem de homens.

Em outros locais, pouco tempo atrás, no dia dedicado a Santa Águeda, 05 de fevereiro, as mulheres tomavam o poder em casa e desfilavam pelas ruas dançando e cantando. Na Grécia, era no dia 08 de janeiro que as mulheres acorriam à casa da mais velha parteira, vestidas com as suas mais belas roupas. Embaladas por músicas, confeccionavam um sexo masculino com legumes e, travestidas de homens, iam às ruas onde “perseguiam” e chegavam a bater nos homens que encontrassem na rua. Para terminar, um banquete celebrava as concepções e partos do novo ano.

Há mais de 20 anos, antropólogas e teólogas feministas já denunciavam que a destruição do meio-ambiente está no cerne do mesmo sistema patriarcal que oprime a mulher. Ao reverenciar a Terra (Pacha-mama, por exemplo) certas culturas indígenas e tradicionais falam da Terra como mãe e outras a honram como esposa da comunidade. Nos Andes, há tempos proibidos para o plantio porque são fases em que se considera que a Terra está “em seus dias” e não deve ser tocada. O eco-feminismo que daí nasceu tem raízes indígenas e negras, mas hoje é importante elemento da caminhada internacional da sociedade civil rumo a uma civilização nova de paz e justiça. Ao mesmo tempo, para aqueles que crêem, a mística da caminhada das mulheres revela de forma mais nítida o rosto feminino de Deus, presente e atuante neste processo pascal de libertação e de mais vida para todos.

-Marcelo Barros é monge beneditino e escritor; Thania Coimbra é jornalista
https://www.alainet.org/pt/articulo/119856
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