TV Digital. Padrão japonês: um erro histórico

01/01/2001
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Por decreto, presidente Lula define que modelo japonês será o padrão da TV Digital; especialistas apontam irregularidades legais na determinação e estudam questionar decisão na Justiça O governo de Luiz Inácio Lula da Silva oficializou na tarde do dia 29 de junho a escolha pelo padrão de modulação japonês (ISDB) na implementação do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD). Já prevista há meses, a escolha não gerou grandes surpresas, mas confirmou o grau de comprometimento do governo petista com as empresas de radiodifusão – principalmente a Rede Globo –, praticamente as únicas grandes defensoras da adoção do padrão ISDB no país. A pressão das empresas televisivas ganhou ainda mais força no ano de eleições, outro motivo pelo qual entidades da sociedade civil pediam o adiamento da decisão. O decreto foi duramente criticado pela Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital, que reúne mais de 30 entidades da sociedade civil, em carta aberta enviada à sociedade, divulgada já no dia 28. Segundo a nota, a decisão de Lula é um "erro histórico, que não poderá ser revertido nas próximas décadas". Entre as inúmeras críticas, as organizações rechaçaram o fato de a decisão ter sido oficializada "no apagar das luzes do primeiro mandato do presidente Lula e em plena Copa do Mundo". A atitude, entretanto, também não chegou a surpreender, mas apenas reiterou a forma autoritária e anti-democrática que o governo tem tratado a questão. Regina Mota, professora da UFMG que participou das pesquisas para a construção do SBTVD, conta que o governo até ouviu as reivindicações da sociedade civil, "mas não escutou nada, manteve diálogo apenas com os radiodifusores". Irregularidades Gustavo Gindre, jornalista e pesquisador do Instituto de Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs), afirma que o decreto divulgado assinado por Lula possui artigos que contrariam legislações vigentes. Como exemplo, Gindre cita o descumprimento do decreto 4091/2003 que define as diretrizes para implementação do SBTVD. "O novo decreto não fala mais de democratização da comunicação e inclusão digital, o que o outro determina como objetivo do SBTVD", diz. Gindre também destaca que o artigo 49 da Constituição Federal determina que acordos internacionais devem passar pelo Congresso Nacional para serem aprovados. Esse não foi o caso da TV Digital, já que o acordo feito com o Japão foi oficializado por decreto. A maior ilegalidade estaria nas regras para as radiodifusoras fazerem a transição da tecnologia analógica para a digital. Do modo como o decreto determina, haverá conflito com a legislação de radiodifusão vigente. Hoje, por exemplo, é proibido que uma mesma emissora tenha duas outorgas (concessões) numa mesma cidade. Entretanto, o governo dará a consignação de um novo canal às empresas para que possam transmitir o sinal digital, canal este que seria devolvido à União após a finalização do processo de digitalização. Maquiagem Porém, como o sinal analógico também permanecerá até o fim da transição, na prática, as emissoras terão duas concessões em uma mesma cidade. Gindre avalia que este é o motivo pelo qual foi usada, no decreto, a palavra "consignação" ao invés de outorga: para maquiar o fato de que, na prática, as emissoras terão duas concessões. "Prova disso é que no final da transição, o canal que o governo retomará para si é o analógico, que deixará de ser usado, não o digital, que está sendo outorgado agora". Gindre conta que esse é o motivo pelo qual todos os países do mundo que implementaram a TV Digital fizeram alterações da legislação antes de fazer a transição, para dar suporte às transformações trazidas pela nova tecnologia. No Brasil, a legislação de radiodifusão é de 1962 e, obviamente, não prevê nada além da transmissão de sons e imagens pelas empresas. "O motivo disso é que neste acordão do governo com as radiodifusoras também estava previsto não mexer antes na legislação. Se forem refazer a legislação, vai ser uma caixa de pandora", aponta o pesquisador. Com a legislação sendo feita durante a transição, entidades alertam que prevalecerá a "lei do fato consumado", ou seja, os marcos legais serão estabelecidos em função daquilo que já estará sendo feito na prática pelas empresas de radiodifusão. - Dafne Melo da Redação, Brasil de Fato
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