Carta do Leme

21/02/2006
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Este documento é resultado do Seminário Nacional “Propriedade Intelectual: Interfaces e Desafios”, organizado pela Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP), no qual os atores presentes debateram os constrangimentos impostos pelas regras de Propriedade Intelectual em diferentes áreas do conhecimento, que impedem a sustentabilidade e o pleno direito ao desenvolvimento humano, econômico, social e cultural dos povos. Rio de Janeiro, Brasil, 29-30 de novembro de 2005 A todos os governos, instituições internacionais e povos do mundo. Nós, entidades, organizações da sociedade civil, profissionais, estudantes e pesquisadoras/es, comprometidas/os com a democratização do acesso ao conhecimento, à saúde integral, e com o direito à segurança alimentar, especialmente das pessoas pobres, acreditamos que, mantidas as atuais regras de propriedade intelectual, os países tecnologicamente dependentes e suas populações têm os direitos humanos desrespeitados. Nosso entendimento sobre os direitos de propriedade intelectual e seu impacto no mundo em desenvolvimento é diametralmente oposto à lógica do livre comércio e da liberalização econômica prevalecente nas negociações entre os países, no âmbito da Organização Mundial do Comércio - OMC e demais Fóruns multilaterais. Fazemos parte de um movimento global da sociedade civil organizada que tem, consistentemente, demonstrado os impactos negativos dessas negociações sobre as populações pobres, o meio ambiente e a biodiversidade. No exercício de nossa cidadania: Manifestamos nosso repúdio à lógica de naturalização da inserção do conhecimento no rol das mercadorias. A forma como avança o capitalismo e a agressividade do grande capital sobre os países em desenvolvimento s– e tecnologicamente dependentes – fomentam a apropriação perversa e a privatização de bens intangíveis, como o conhecimento científico e o conhecimento tradicional das comunidades, a informação, as artes, as fórmulas farmacêuticas e a biodiversidade. Consideramos reprovável e inconcebível que os conhecimentos que propiciam desenvolvimento econômico e social, melhoria de qualidade de vida e sobrevivência das populações recebam o tratamento de mercadoria, e como tal sejam monopolizadas e comercializadas pelos países desenvolvidos. Defendemos a ampliação da participação da sociedade civil organizada em todas as esferas de decisão, nacionais e internacionais, sobre aspectos ligados à propriedade intelectual, como única forma de implementarmos o devido controle social. Exigimos total transparência nos processos decisórios dos acordos comerciais, multilaterais e bilaterais, e ajustes de legislações internas dos países. Exigimos a paralização e a NÃO realização de quaisquer novos acordos no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC). Vivemos a realidade de um quadro desolador, resultante da enorme desigualdade existente entre as nações produtoras e aquelas meras consumidoras de tecnologia, ou seja, entre aquelas que são detentoras e as dependentes das patentes e outros dispositivos de proteção intelectual. A OMC tem demonstrado que NÃO representa os interesses dos países em desenvolvimento e das populações excluídas, ao contrário tem contribuído para o aprofundamento da pobreza e das assimetrias entre os mais ricos e os mais pobres. Todos os esforços devem ser feitos para garantir o direito de proteger o acesso de todas as pessoas aos bens essenciais, à manutenção e respeito às salvaguardas atuais e um comércio voltado para uma maior integração sustentável e solidária entre os povos. Rechaçamos a inclusão ou permanência de temas ligados à propriedade intelectual em acordos de livre comércio de caráter regional e sobretudo nos acordos bilaterais norte-sul, entendendo que a inclusão de tais temas como moeda de troca para a conquista de mercados amplia a dependência dos países pobres e as desigualdades já existentes. Somos radicalmente contra às regras que significam o aprofundamento do já restritivo acordo TRIPS da OMC por serem abusivas e desumanas. Declaramos que: 1. O monopólio patentário de medicamentos essenciais e as barreiras para implementação das flexibilidades legais são os maiores obstáculos para o acesso de milhões de pessoas no mundo a tratamentos e ao pleno exercício do seu direito à saúde. As flexibilidades previstas pela OMC para melhorar o acesso a medicamentos essenciais, como por exemplo a Declaração de Doha e a Resolução de 30 de agosto, são conquistas da sociedade civil organizada que sempre clamou pela priorização do respeito aos interesses e à saúde das populações menos favorecidas. No entanto, percebemos com pesar que as normas que têm como princípio o respeito aos direitos humanos e que se tornaram leis nacionais, como as salvaguardas em matéria de propriedade intelectual, são automaticamente transformadas em “ilegalidade” no plano global ao primeiro esforço de execução, ou seja, os direitos se transformam em crimes, e os países passam a representar ameaças e sofrer retaliações dos detentores do conhecimento passível da flexibilização. 2. Os meios de comunicação revestem-se não apenas de importância econômica, mas, principalmente, da capacidade de interferir em processos sociais e culturais. Tradicionalmente, este é um setor oligopolizado, com forte presença de gigantes transnacionais que fazem circular por todo o planeta os mesmos filmes, músicas, livros, games, notícias. A lógica da propriedade intelectual neste setor acentua o poder dos monopólios, diminui a diversidade cultural (elemento-chave para a construção de sociedades democráticas) e não beneficia os produtores culturais. Pelo contrário, ela serve como elemento inibidor para a livre expressão e circulação de informações. 3. As discussões em torno da validade do patenteamento de “invenções implementadas por computador”, ou seja, das chamadas patentes de software, tornaram-se estratégicas tanto por sua dimensão econômica, quanto social e geopolítica. Principalmente porque o patenteamento e as regras de proteção intelectual na área da tecnologia de informação tem sido aplicadas para: a) proteção de verdadeiros impérios empresariais que detém quase todo o mercado mundial de bens e serviços neste setor, que cada vez mais passa a ser central para o desenvolvimento; b) para obstaculizar as soluções criadas a partir do software livre e código aberto para a democratização do conhecimento, a criação de capacidades a nível local e desenvolvimento econômico das comunidades. As ameaças constantes dos países do Norte, sobretudo dos Estados Unidos, de que a pirataria de software é um problema do Sul econômico é falaciosa e esconde os interesses de manutenção da dependência tecnológica. 4. A extensão dos direitos de propriedade intelectual sobre formas de vida, possibilitando que sementes, plantas e até animais sejam objetos de proteção patentária, tem causado impacto em toda a população e principalmente nos agricultores e comunidades locais, dificultando o acesso destes aos bens naturais, contribuindo para a erosão da biodiversidade, ocasionando agressões à soberania alimentar dos povos e incentivando a biopirataria e a expropriação do conhecimento das populações locais. Num marco de lutas pela democratização do conhecimento e pela garantia dos direitos humanos como princípio norteador de todos os acordos entre as nações, propomos também a constituição de um espaço de articulação da solidariedade e de ação conjunta na defesa do comércio justo, do bem estar e do mais alto grau de qualidade de vida de todas as pessoas, e por um mundo mais igualitário. Todas as pessoas, organizações e movimentos sociais comprometidos com estes princípios estão convidadas/os a se juntar à essa luta. Rebrip - Rede Brasileira pela Integração dos Povos
https://www.alainet.org/pt/articulo/114412
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