A paz ameaçada

12/02/2002
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A atualidade internacional dos últimos meses foi dominada pela preparação e ameaça duma guerra contra o Iraque. A guerra é apresentada como inevitável, necessária e até útil. No entanto, essa guerra possível divide os governos e os povos. No entanto posições contrastadas aparecem entre países aliados, e um setor crescente da opinião pública se mobiliza contra a guerra. A reação ao atentado terrorista contra Nova York foi rápida. Em cinco semanas (8/10-14/11) os EUA invadiram o Afeganistão então nas mãos dos Talebans. Em janeiro 2002, o presidente Bush nomeia o "eixo do mal": o Iraque, o Irã e a Coréia do Norte. A partir de agosto, o Iraque se torna o alvo principal da propaganda antiterrorista. Em setembro, Bush define a nova doutrina militar estadunidense: os EUA não podem aceitar que qualquer país pretenda competir contra a hegemonia militar dos EUA e ameaçar a sua segurança e os seus interesses. Qualquer ameaça em esse sentido será eliminada por uma guerra preventiva. O Iraque foi nomeado como a principal ameaça atual. Os EUA acusam o Iraque de possuir armas químicas, biológicas e até atômicas de destruição de massa (ADM). Exigem a destruição dessas armas. Inspetores da ONU devem ter acesso irrestristo a qualquer lugar e instalação do país. Acusam também Saddam Hussein de ter conexões com o grupo terrorista de Bin Laden: Al Qaeda, e de proteger esse grupo. A conclusão lógica é que Saddam deve se entregar ou morrer. Já uma imensa armada, terrestre, naval e aérea, de mais de 150.000 soldados, está nas fronteiras do país. Bush está cercado de colaboradores e conselheiros radicais, falcões duros e belicosos. Desde que Bush foi eleito, o setor industrial que mais cresceu é o setor armamentista. O orçamento do Pentágono já foi ampliado de 50 bi de dólares e alcança US$ 380 bilhões. Ainda será aumentado em 2003 e 2004. A administração Bush prefere o uso da ameaça e da força à diplomacia. A ONU mesma é ameaçada de ser ignorada e desprezada se os EUA consideram que ela é um obstáculo às suas ambições de dominação imperial. Inspetores da ONU foram enviados de novo no Iraque em novembro de 2002 para controlar a eventual existência de ADM. Confessam que até agora não encontraram nenhuma prova clara de existência de ADM. Fica ainda menos provada a existência de qualquer laço entre Bagdá e Al Qaeda. Analistas, não sem razão, vêm bons motivos para duvidar que haja vínculos entre os dois grupos. Hussein e Bin Laden têm histórias e ideologias diferentes. Hussein dirige um regime que nasceu reclamando-se do socialismo, do antiimperialismo, que foi aliado da URSS, oposto à Arábia Saudita, que abateu o rei de Bagdá e tem uma doutrina republicana pro-secular. O grupo de Bin Laden, Al Qaeda, nasceu como aliado da CIA para lutar contra o comunismo, tem uma doutrina monarquista e confessionalista, e tem simpatia com Riad. Enquanto Bush e seu aliado mais próximo, Blair, dizem apresentar 'provas irrefutáveis', um grupo de outros paises diz que estas são apenas suspeitas e não provas. Fica mais claro que as verdadeiras razões para a guerra não é o fato do Iraque ter ou não ter ADM, nem sequer a presença de Saddam, mas o fato do Iraque ter imensas reservas de petróleo e ser o segundo produtor mundial. Os EUA querem controlar o Iraque – e assim consolidar a sua influência global sobre todos os paises da região. Energia, dinheiro e poder são as verdadeiras razões da guerra. Ontem, para justificar a sua dominação política e econômica, os EUA invocavam a guerra contra o comunismo. Hoje justificam a sua vontade de mais dominação, invocando a guerra contra o terrorismo. A pesar de muita propaganda, os EUA não conseguiram convencer todos os paises. A União Européia está bastante dividida: Blair faz figura de preposto de Bush na região. Governos de direita ou governos mais interessados na Europa como mera zona comercial do que como projeto político apóiam a iniciativa bélica dos EUA. Os PECO (paises da Europa Central e Oriental) que acabam de entrar na Otan ou entrarão proximamente não querem se opor aos EUA. Alguns países próximos geograficamente do Iraque sofreram tantas pressões que o seu apoio é muito reservado. O veto da França, com o apoio da Alemanha e outros países da UE, bem como os da Rússia e da China, no Conselho de segurança da ONU, fortalecem a posição de muitos paises muçulmanos ou 'pobres' do mundo que se opõem também à guerra. O secretário geral da ONU, Kofi Annan, mostrou mais uma vez a sua autoridade moral. Vai repetindo que a guerra não se justifica, não é necessária e não é inevitável. Opor-se à guerra não significa no caso ser ingênuo ou 'pacifistas'. Ninguém ignora a natureza ditatorial do regime político de Saddam. Mas acham que tem outros caminhos do que o do bombardeio do país para desarmar o Iraque e pressionam Saddam a cooperar mais. As conseqüências afetarão o mundo todo. Fala-se dum possível verdadeiro holocausto com mais de 500.000 mortos, 2 milhões de feridos e 4 milhões de deslocados. A paz mundial e as relações entre paises seriam muito abaladas; haverá uma nova corrida armamentista. A brecha entre ricos e pobres será ainda maior. Os conflitos inter-religiosos se multiplicarão. A guerra poderá significar também a 'privatização', e uma ameaça muito maior de uso, das ADM que já estão nas mãos de vários países. A nível econômico, o déficit público dos EUA será ainda maior; a recessão econômica mundial com todas as suas conseqüências sociais aumentará. A ONU perderá muita autoridade e prestigio na sua tentativa de regular as relações entre paises. A forte reação da opinião pública mundial e nos EUA contra a guerra é sinal de esperança. Desta vez, a mobilização é grande antes do conflito para não deixar que aconteça. As manifestações antiguerra nos EUA e em muitas cidades do mundo marcam a opinião pública mundial. A resistência à propaganda poderosa vindo de Washington é grande. Vozes com grande prestígio moral falam. O papa João Paulo II expressou a sua oposição à guerra, com a mesma coragem que em 1991: "a guerra não é sempre inevitável, e é sempre um fracasso para a humanidade". Nelson Mandela também expressou com força o seu repúdio: "Bush é arrogante e míope... EUA vão causar um holocausto...". Em todas partes, condena-se um ataque covarde de um país todo poderoso contra um povo miserável e sem nenhuma defesa. Não será fácil reverter a situação. EUA e UK já avançaram tanto que parece difícil voltar atrás. Para os EUA, fazer a guerra virou uma necessidade para não perder a face; para satisfazer o orgulho nacional e a onda neoconservadora que o percorre; para não desmentir a campanha propagandista que demonizou Saddam; e para utilizar os enormes estoques de armas acumuladas. A guerra parece provável, mas não é inevitável se crescem o número e a voz dos que se opõem. Queiramos ou não, essa guerra, se acontecer, será de novo uma expressão da agressão e dominação dos países ricos contra um país pobre e sem defesa. Os EUA pretendem trazer a solução em nome da paz, da democracia e da liberdade. Eles são muito mais o problema do que a sua solução. E invocando valores universais para os seus interesses exclusivos, os esvaziam do seu sentido autêntico. Bernard Lestienne SJ
Brasília, CIAS IBRADES
Terça, 12 de fevereiro de 03
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