ALCA: a quem interessa?

15/11/2002
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O mérito das manifestações de Quito foi colocar a Alca em discussão. Já ninguém mais ignora a polêmica. E as negociações não podem prosseguir debaixo dos panos. Nada mais salutar do que o debate aberto e franco, a serviço da verdade. Este debate não é só teórico. Pois já existe uma experiência em andamento, o "Tratado de livre comércio da América do Norte", entre os Estados Unidos, o Canadá e o México, em vigência desde janeiro de 1994, o "Nafta". Pois bem, a Alca é a proposta da extensão do "Nafta" para toda a América. Aí se coloca o desafio: como ler os dados da economia, que as estatísticas apresentam. Na sua leitura se manifesta a mentalidade de cada economista. E' conhecido o ditado: "dize-me com quem andas, e dir-te-ei quem és". De modo semelhante se pode afirmar: "interpreta os dados, e dir-te-ei de que lado estás". Vamos tomar, por exemplo, o México. Em oito anos de vigência do Nafta, o país apresentou dados de surpreendente crescimento, que são usados para advogar os possíveis benefícios da Alca. Os investimentos estrangeiros passaram de três para onze bilhões de dólares anuais. Na implantação de novas indústrias, foram criados seis milhões e duzentos mil novos empregos. As exportações mexicanas triplicaram neste período, tornando o México a oitava potência exportadora. O preço interno dos grãos, especialmente do milho, diminui em 45 por cento. E ao longo desses anos se verificou um aumento anual de 1,74% do PIB. Por estes dados, poderíamos concluir que o Nafta foi um maná caído do céu, que veio trazer a salvação para a economia mexicana. Mas, existe o outro lado da moeda, que não pode ser ocultado ou disfarçado. E que confrontado com estes dados, revela a face trágica de um tratado que foi feito para favorecer o interesse das grandes corporações, que instalam filiais no México para "maquiar" seus produtos, aproveitando os baixos salários dos trabalhadores, e aumentando seus lucros com as exportações. Se é verdade que foram criados seis milhões de novos empregos nas indústrias maquiadoras, não podemos ignorar que é maior o número de empregos perdidos pela falência de muitas pequenas indústrias ou pela diminuição drástica de componentes fabricados no México, dado que as maquiadoras importam quase todos os seus implementos do estrangeiro. Além disto, 48% dos novos empregos não cumprem com as obrigações legais, em conseqüência da flexibilização das leis trabalhistas impostas pelo Nafta, com os evidentes prejuízos sociais daí decorrentes. Neste período verificou-se uma violenta desnacionalização da indústria mexicana. Antes os produtos exportados tinham um índice de 91% de nacionalização. Agora este índice baixou para 37%. Algumas indústrias maquiadoras só têm 2,8% de componentes nacionais. E' muito pouco mexicano o que o México exporta. E' por causa disto que é preciso dar-se conta deste dado surpreendente: mesmo tendo aumentado três vezes as exportações, o México acumulou um déficit de trinta e oito bilhões de dólares em importações. Isto é, às custas do México, as corporações lucram bem, tanto com as exportações dos seus produtos como com a importação dos componentes, pouco se importando com a situação do povo mexicano. Mas a situação pior é vivida pelos agricultores, que viram o mercado inundado com o milho vindo dos Estados Unidos, a preço inferior ao custo de sua produção local, por causa dos grandes subsídios do governo americano para os seus produtores. De modo que o México, que vive de "tortilhas", já não produz mais milho necessário para fabricá-las. Perdeu, isto é, sua soberania alimentar. Até para comer depende dos Estados Unidos. E os agricultores mexicanos vão engrossar a fila dos miseráveis nas cidades. De maneira geral, o que salta aos olhos de todos no México é o evidente empobrecimento da população, enquanto as grandes corporações faturam alto com a exploração do trabalho barato dos mexicanos. A contabilidade pinta um México rico, ou um povo pobre. Depende de sua leitura. E o novo governo brasileiro, que leitura deve fazer desses dados? "Apresenta-me tua posição sobre a Alca, e dir-te-ei para quem queres governar!"
https://www.alainet.org/pt/articulo/106596
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