Um 11 de setembro trágico

11/09/2002
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Foi um dia trágico, que trouxe desgraças, por muito tempo, para vários milhares de pessoas. Começou cedinho, com o sobrevôo de aviões, que prenunciavam um dia tenso. Todos saiam para o trabalho, a escola, as compras ou passeios. Tinha havido rumores de que coisas graves poderiam ocorrer, mas já há tempos eles corriam, como que desacreditando um pouco que algo de grave pudesse efetivamente acontecer. Foi porém o dia mais trágico na vida daquele país e daquele povo. Os aviões despejaram todo o seu poder de destruição sobre o símbolo mais sagrado daquele povo, como se quisessem justamente demonstrar sua voracidade de destruição diretamente sobre o coração do país, sobre o que aquele povo mais cultivava. Aquele país e aquele povo nunca mais foram os mesmos, depois daquele 11 de setembro. Mães ficaram sem filhos, filhos sem pais, mulheres sem marido, maridos sem esposas, a lista das vítimas não parava de aumentar, diante dos olhares atônitos de todo o mundo. Nunca aquele povo tinha visto tamanha violência, num país acostumado à convivência harmoniosa entre todos. A grande maioria dos governos se solidarizava com aquele povo e suas vítimas, embora alguns tivessem participado na montagem daquela tragédia, até financiassem os responsáveis diretos por ela. O 11 de setembro passou a ser uma data associada à violência, ao sofrimento à tragédia. Desde aquele momento, milhares de pessoas foram presas, torturadas, maltratadas, instalou-se um clima insuportável, com os mais graves atentados à democracia - a maior vítima de toda aquela violência. Foi uma terça-feira, 11 de setembro de 1973, eu estava lá e pude ser testemunha de como os projetos golpistas articulados pelas elites chilenas em aliança com o governo norte-americano - de Nixon e Kissinger - desabaram com toda sua força sobre a democracia e o povo chileno, fazendo do seu protagonista principal - Augusto Pinochet - o própria fisionomia do ditador na segunda metade do século, como Hitler havia sido para a primeira. O alvo principal dos bombardeios aéreos foi o principal símbolo do povo chileno - o Palácio de la Moneda, palácio presidencial, expressão maior daquela que havia sido a mais significativa democracia do continente até aquele momento. Para se ter uma idéia da destruição, basta recordar que o Chile havia escolhido por meio de eleições, a todos os seus presidentes entre 1830 e 1970, com exceção de 1891 e do período que vai de 1924 a 1931. Que o Chile havia construído um Congresso antes dos países europeus, salvo a Inglaterra e a Noruega. Que a participação eleitoral no Chile, na metade do século XI, era equivalente à existente na mesma época na Holanda, à que a Inglaterra havia conseguido apenas vinte anos antes e à que a Itália só teria vinte anos depois. Que o Chile implantou o voto secreto em 1874, antes que isso fosse feito na Bélgica, na Dinamarca, na Noruega e na França. Que o Chile tinha partidos que haviam participado das três Internacionais operárias, que foi o único, junto com a França e a Espanha, a ter um governo de frente popular e que teve partidos comunista e socialista dos mais fortes no continente. Essa trajetória democrática possibilitava que o Chile estivesse, junto com a Costa Rica, o Uruguai e a Argentina, entre aqueles de melhor desempenho social. Todo esse edifício democrático e social desabou sob os efeitos da pior repressão que o continente havia conhecido até aquele momento, com participação direta do governo dos EUA - conforme provam inquestionavelmente os documentos do Congresso norte-americano -, desde os auxílios militares, que aumentaram substancialmente depois do golpe militar, até a articulação do plano de desestabilização que levou ao golpe e do apoio político à ditadura pinochetista. Para que essa destruição fosse possível, foram assassinados dezenas de milhares de chilenos, outros tantos foram submetidos à prisão e à tortura, milhares fugiram do país para sobreviver. O filme de Costa Gavras, "Missing", é apenas um dos tantos relatos pungentes dos sofrimentos de tanta gente, inclusive de norte-americanos, brasileiros, franceses, argentinos e de gente de tantos países, vítimas da repressão. De modelo de democracia o Chile passou a modelo de tirania, sempre com patrocínio e apoio do governo dos EUA. Além disso, a deterioração social do país levou a que o país deixasse a lista dos de melhor desempenho social para se aproximar perigosamente do Brasil - o que significa a pior companhia. A desgraça que se abateu sobre o Chile consagrou o 11 de setembro como uma data que significa tragédia, repressão, violência, terror. Nunca nos esqueçamos daquilo tudo, o que quer que tenha ocorrido posteriormente, mas que impossibilitou que o Chile, mesmo retornando à democracia, possa ter voltado a ser o que era. Como dizem os chilenos "A cor do sangue não se esquece". Tudo o que aconteceu, num 11 de setembro, nos EUA, com igual violência - ainda que com bem menos vítimas e num país cujo governo foi co-responsável pela tragédia chilena, entre outras -, demonstra como essa forma para tentar resolver os conflitos é odiosa, que quem paga o preço mais pesado é a massa da população. Essa a principal lição a tirar dos 11 de setembro. O povo chileno soube aprender do que sofreu. Que outros povos e governos demonstrem a mesma sensibilidade democrática e façam dos 11 de setembro um marco de humanidade e de solidariedade e não de vingança e de ódio.
https://www.alainet.org/pt/articulo/106373
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