2001: Recessao e guerra

30/11/2001
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O que faz de 2001 um ano de virada não é apenas o clima de guerra que se instaurou, mas sua combinação com a recessão econômica internacional. Para se ter uma idéia de como o cenário internacional mudou, basta recordar que o pano-de-fundo de praticamente toda a década de noventa era a expansão econômica dos EUA – apregoada como inesgotável – e a ideologia da globalização econômica, que seria portadora de todos os benefícios materiais dos países mais desenvolvidos, via comercio livre, flexibilização laboral, livre circulação do capital financeiro e mercantilização generalizada. Apesar das crises no sudeste asiático, na Rússia e no Brasil, a euforia financeira e livre cambista prosseguia, tendo os EUA como garantia de sucesso, pelos êxitos inegáveis que e economia desse pais apresentava. Consolidava-se o papel da economia norte-americana como a locomotiva da economia internacional. Além da importância cada vez maior que seu mercado interno – tanto de consumo, como de atração de investimentos financeiros – ganhava, a liderança em setores atrativos, como a informática, a indústria do divertimento, as telecomunicações, parecia projetar os EUA como modelo de desenvolvimento econômico a seguir. A par da Inglaterra, a Alemanha ameaçava trilhar esse caminho, bem como a Espanha e a Itália, somente na Europa, além da incorporação das economias mexicana e canadense como áreas privilegiadas para a economia dos EUA e a projeção de um papel similar para o resto do continente, através da Alca. Embora apelasse para a força para consolidar seu papel dominante – e os casos do Iraque e da Iugoslávia são dois desses casos -, os EUA desenvolveu uma capacidade hegemônica, pelo poder de persuasão, multiplicado pelo monopólio que goza nos grandes meios de comunicação, particularmente os audio-visuais, como nunca se tinha presenciado na história da humanidade. Teorias como as do “fim da história” e do “choque de civilizações” buscaram justamente dar conta dessa “superioridade” da forma de vida norte-americana como um projeto de civilização. Esse impulso se esgotava bem antes do 11 de setembro, as estatísticas revelam como já pelo mês de março de 2001 a economia dos EUA, por uma combinação de índices, já apresentava evidentes sinais de ter entrado em recessão. Desmentia-se assim a decantada tese de que a “nova economia” já não estaria submetida aos ciclos clássicos da economia capitalista e o próprio setor de informática – a que se atribuía uma capacidade de arraste sobre o conjunto da economia praticamente de caráter infinito – era quem evidenciava de forma mais aguda a queda brusca da demanda e, com ela, baseado num grau de endividamento insustentável, o conjunto da economia. Pelo papel central que havia recuperado na economia internacional como um todo, seus reflexos se fizeram sentir imediatamente nos outros países, levando economias como a japonesa – já em recessão – para baixo e revertendo a dinâmica de outras, como as dos países europeus. Economias que se haviam alavancado diretamente em base ao ciclo expansivo da economia dos EUA, como a mexicana, tiveram uma drástica virada de crescimento de 7% para índices próximos do zero, com a desarticulação de grande quantidade das empresas de maquila instaladas na sua fronteira norte. Outras, como a argentina, que já se encontrava numa situação de impasse, viram sua situação se agudizar até limites extremos. Pela primeira vez desde o ingresso da economia internacional no ciclo longo recessivo iniciado em meados dos anos 70, todas as grandes potências econômicas entraram simultaneamente em recessão, especialmente seu tripé dominante – EUA, Japão, Europa ocidental. O ciclo virtuoso que a prolongada expansão norte-americana impunha – insuficiente, de qualquer maneira, para fazer o conjunto da economia superar aquele ciclo longo recessivo – reverteu-se para um ciclo vicioso, abrindo um período recessivo que, acentuado pelos efeitos do clima de guerra instaurado pela reação norte-americana aos atentados de 11 de setembro, promete estender-se por todo 2001 pelo menos dado o grau de extenso e profundo endividamento da economia norte-americana, que havia apoiado sua expansão nesse endividamento. Essa virada significativa no cenário econômico foi potenciada pelas transformações advindas dos atentados do dia 11 de setembro e das reações norte-americanas, com o bombardeio do Afeganistão e com a redefinição das prioridades da política dos EUA, nos planos interno e externo. Da promessa de progresso e modernização embutidas na proposta de incorporação à globalização liberal – mediante o “livre comércio”, a estabilidade monetária a flexibilização laboral e o conjunto de políticas propostas pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio – se passou a outra, dado que esta era questionada pela recessão que visivelmente se instaurava na economia norte-americana e, por extensão, na mundial. O novo discurso norte-americano passou a centrar-se na idéia de “segurança” – interna e externa - contra o terrorismo. Essa virada permitiu ao governo dos EUA, valendo-se do caráter brutal e espetacular dos atentados de que foram vítimas no dia 11 de setembro de 2001, retomar iniciativa política e militar, perdida pelo questionamento da ordem econômica liberal desenvolvida desde a irrupção do movimento de Seattle – em 30 de novembro de 1999 – e acentuada pela política isolacionista do governo Bush. Valendo-se da sua inquestionável superioridade militar e do fato de ter se tornado a única potência com interesses políticos globais, os EUA passaram a colocar em prática política sistemática que promoveu novo clima de guerra fria no plano internacional e de forte controle repressivo dentro do país. Ganharam capacidade de inciaitiva, com o beneplácito das outras grandes potências e reaproximando-se da China e da Rússia, em função de uma coalizão militar que – no estilo de guerra fria – se baseia mais na quantidade de divisões de cada força e na oposição ao inimigo definido como fundamental, do que em princípios de uma ordem internacional minimamente democrática, institucionalizada e estável. Estas duas potências regionais ganharam posição de destaque numa política norte-americana que reafirma seu unilateralismo, estabelecendo coalizões para cada circunstância, agindo sem consulta ou limite algum, de qualquer natureza, que não sejam seus próprio interesses e objetivos. Com isso, se fortaleceu-se a capacidade imediata de ação dos EUA, possibilitando que militarize os conflitos, colocando-os no plano em que sua superioridade é mais evidente, perdeu no entanto em capacidade de persuasão, enfraqueceu-se sua capacidade hegemônica. Porque se a promessa de acesso aos bens mais modernos contida no discurso anterior era tentatdora para segmentos significativos da população mundial – da China à Europa ocidental, da Índia à América Latina, da África à Rússia – o discurso da segurança é de mais curto prazo e interessa a setores muito mais estreitos dos 6 bilhões de pessoas no mundo. Assim, ao contrário dos triunfos na guerra do Golfo e na Iugoslávia, aquela conseguida no Afeganistão – qualquer que seja a forma que assuma – não promete estabilização na região e nem na ordem política mundial. No imediato, agudizaram-se as condições de instabilidade em dois países importantes para os EUA, por diferentes razões – o Paquistão e a Arábia Saudita -, pelos vínculos das elites desses países e de amplos setores populares, no primeiro caso – ao fundamentalismo islâmico. Por outro lado, a recessão fez com que o governo dos EUA desmentisse várias teses que ele mesmo havia afirmado, para atuar na frente da reativação econômica e do combate ao terrorismo. Por um lado, perdoou a dívida do Paquistão, para conquistar a esse país para a coalizão de guerra, medida que antes considerava impossível e um mal precedente. Por outro lado, se vale de recursos estatais para tentar reativar a economia, violando os preceitos do liberalismo econômico assumido por seu governo. Em terceiro lugar, anunciou uma caça a dinheiros sujos que financiariam o terrorismo, apontado na direção do controle e extinção dos paraísos fiscais, pregada pelos crítica da globalização liberal. Por último – por enquanto – o governo dos EUA financiam, para baratea-la, a produção de medicamentos contra o ántrax, medida que considerava impossível em relação aos medicamentos para o combate à Aids. Assim, a virada de 2001 – que nos introduziu em tempos em viveremos em perigo – representou a quebra de uma década de relativa estabilidade de dominação da nova hegemonia – a norte-americana – e nos conduziu a uma era de incertezas e, segundo a definição do próprio novo discurso dos EUS – a uma era de terrorismo global.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105446
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