Guerra e paz

08/03/2003
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O que efetivamente mudou no mundo, depois dos atentados da terça- feira 11 de setembro deste ano? Mais além do impacto dos acontecimentos e da sua multiplicação pelas imagens universalmente difundidas e reiteradas pela televisão, as visões impressionistas podem obscurecer o seu verdadeiro significado e o que ele muda no mundo. A violência pode estar sendo intensificada em nome do seu combate. Chegou-se, por exemplo, a dizer que esses acontecimentos seriam mais importantes que a queda do muro de Berlim, o fim da URSS e o surgimento de um mundo unipolar – como escreveu o ministro brasileiro de relações exteriores -, o que constitui um erro elementar de avaliação. Na virada entre os anos 80 e 90 do século passado mudou o período histórico – de um mundo bi-polar entre duas super-potências com sistemas sociais diferentes a um mundo unipolar, com uma única super-potencia, a maior potência capitalista da história da humanidade. Este período continua vigente, não foi alterado pelos acontecimento do dia 11 de setembro passado. Os EUA podem até se fortalecer ou mesmo se, pela forma como reajam, se enfraquecer, o que não projeta o surgimento de nenhuma outra força no plano internacional que possa se contrapor à hegemonia absoluta – econômica, tecnológica, política, militar, cultural, de meios de comunicação – dos EUA no mundo atual. O que mudou foi a conjuntura política internacional. Até aquela terça-feira, a iniciativa no plano mundial estava com os movimentos de oposição à globalização liberal, como os próprios acontecimentos de Gênova confirmavam. O tema central era a injustiça da ordem econômica liberal e a responsabilidade tanto dos organismos internacionais responsáveis por ela – FMI, Banco Mundial, OMC, entre outros -, como dos governos das principais potências capitalistas do mundo – corporificadas no G-8. Os atentados de 11 de setembro passado não mudaram radicalmente a relação de forças mundial, o que eles alteraram foi a conjuntura política dentro do período iniciado por volta de 1991 – que continua vigente nos seus contornos básicos, a começar pelas injustiças que o movimento por um outro mundo denuncia. A nova conjuntura colocou a iniciativa nas mãos dos EUA e redefiniu a temática central – a luta contra o terrorismo internacional. Esta luta, por sua vez, nos termos da posição norte- americana, não opõe guerra e paz, mas paz – identificada com os valores de liberdade e democracia no sentido norte-americano - e terrorismo fundamentalista islâmico. Esta visão reducionista tende a se impor, conforme os aliados dos EUA deixem as mãos livres e o espaço para impor os termos do enfrentamento a Washington. Esta conjuntura pode se prolongar por muito tempo, porém ela só agravará a situação internacional agudizada pelos atentados de terça- feira passada. Esta situação é fruto da polarização em que a globalização liberal tenta encerrar a humanidade: a violência da globalização liberal e a globalização da violência. Se ficarmos encerrados nos termos que a hegemonia norte-americana tenta impor ao mundo, este será cada vez mais inseguro para todos e injusto para a grande maioria da população mundial. A superação da situação atual só será possível se desqualificarmos esses termos e recolocarmos a questão da violência, da guerra, do terrorismo, nos seus verdadeiros parâmetros. Trata-se de lutar contra a guerra, entendendo-a como o oposto da paz. Lutar contra todas as formas de violência, incluídos os terrorismos, sejam religiosos ou de Estado. Trata-se portanto, em primeiro lugar, de lugar pela paz, desativando os múltiplos focos de guerra existentes no mundo – dentre os quais a Palestina, a Colômbia, o país vasco, Chiapas, a Irlanda do Norte, Cachemira, entre outros. Buscar termos reais de superação justa e duradoura dos conflitos, em que organismos internacionais como a ONU, o Fórum Social Mundial, organizações religiosas, sociais e culturais internacionais, deveriam desempenhar um papel ativo central. Por outro lado, seria necessário lutar decididamente contra a expansão dos complexos industrial-militares existentes, para que não somente deixem de abastecer esses conflitos e governos ansiosos de se armar com essas mercadorias mortíferas, como se reciclem esses recursos para fundos de desenvolvimento para os países mais pobres do mundo. Além disso, que se combata duramente o comércio clandestino de armamentos, que abastece com armas modernas aos conflitos atuais, fazendo deles mecanismos de enriquecimento para essa odiosa indústria de destruição. Para o que seria igualmente necessário terminar definitivamente com os paraísos fiscais, onde esses recursos são reciclados. Somente os que lutam por um outro mundo possível, os que querem deslocar os termos em que a globalização liberal quer encerrar a humanidade, podem contribuir decididamente para a paz no mundo. O Fórum Social Mundial de Porto Alegre (31/1 a 5/2/2002) é o lugar privilegiado para a apresentação de um plano geral de paz, que inclua os termos da paz possível nos lugares mencionados – para a Palestina e para todos os outros possíveis -, assim como formas efetivas de combate à indústria bélica, ao comércio clandestino de armamentos e aos paraísos fiscais. Um mundo sem guerras é possível, contanto que não nos deixemos levar pela apropriação do tema da paz justamente por aqueles que são os principais responsáveis pelas guerras, pela produção do armamento material e espiritual do clima belicoso que domina o mundo. Um mundo em paz é possível, contato que lutemos contra as guerras e pelo desarmamento material e moral de todos, com uma ordem mundial que contemple o interesse de todos, de forma eqüitativa e duradoura.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105356
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