Declaração de amor

01/07/2001
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Visto a camisa do Ano Internacional do Voluntariado, promovido pela ONU, e faço do meu tempo livre laço e abraço que me une aos desfavorecidos. Espelho-me em meu próximo. Faço de sua dor o meu ardor, de seu sofrer o meu dever, de seu desamparo o ponto em que paro, ouço e destrilho-me do comodismo para ir ao seu encontro. Abro as janelas do espírito e espano a poeira da dessolidariedade. Arranco o olhos da TV, o traseiro do sofá, a indolência da ociosidade e recolho a língua de inconfidentes mesquinharias. Vou até lá, onde a carência é expectativa de mão amiga: a creche da periferia, o hospital de indigentes, o asilo de memórias esquecidas, as instituições do terceiro setor comprometidas com o pão de cada dia da verdadeira democracia: a cidadania. Não faço o trabalho do poder público, nem o isento da obrigação de resgatar, o quanto antes, a dívida social. Não me disponho a ser mão-de-obra gratuita de entidades que sonegam o direito ao trabalho com o recibo adulterado da boa vontade alheia. Ser voluntário é somar esforços, entrar pela porta de compaixão e repartir o que nenhum mercado oferece ou provê: carinho, apoio, talento, cumplicidade, de modo a dar vez a quem foi emudecido pela opressão, e voz a quem foi excluído pela injustiça. O voluntariado resgata a minha auto-estima, redesenha minha face humana, desdobra as fibras endurecidas de minha abissal preguiça, insere-me na dinâmica social, faz-me próximo dessas multidões premiadas injustamente pela loteria biológica por nascerem empobrecidas. Eu poderia ser um deles. Meu bem-estar, mais que privilégio, é (b)ônus. Sou voluntário porque sou solidário, presente no universo das aflições, na esfera alucinada dos dependentes químicos, na saudável reinvenção do esporte junto àqueles que estão próximos a ser derrotados pelo jogo do crime. Mobilizo coletas de alimentos para quem sabe que "a fome é ontem", como exclamou Gabriela Mistral, e conquista de direitos, para quem padece desmandos estruturais e políticos. Apóio empresas cientes de sua responsabilidade social. Busco torná- las elos da vasta corrente ética que já não faz da obsessão de lucro sua única razão de ser, pois centram o ser humano em seus empreendimentos ecológicos, liberam funcionários para atividades voluntárias, sem reduzir-lhes salários ou cobrar-lhes reposição de horas. São empresas prestadoras do único serviço que não tem preço: o gesto samaritano. Não faço "caridade", nem dou esmolas. Longe de mim o assistencialismo que aplaca descasos políticos como quem aplica pomadas. Voluntário, sou multidão. Solidário, sou mutirão. Somando com todos aqueles que têm fome e sede de justiça. Inebriado pela utopia bíblica do paraíso, recuso-me a acatar qualquer uma das fraturas que negam à família humana o direito à fraternura. Dou as mãos a quem acredita que a felicidade é o artigo único da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105232
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