Plebiscito da Divida Externa

05/09/2000
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Plebiscito da Divida Externa

Frei Betto
São Paulo

O plebiscito da dívida externa, de 2 a 7 de setembro, deverá levar ás urnas,
instaladas em paróquias, sindicatos, escolas e associações comunitárias,
aqueles que, sensíveis ao apelo das pastorais sociais da CNBB, querem opinar
se o Brasil deve ou não continuar a comprometer 65% de seu orçamento para
satisfazer os credores internacionais.

A proposta, que conta com o apoio de movimentos sociais, visa a condicionar o
pagamento da dívida a uma auditoria, prevista pela Constituição, que
verifique o que é devido, o que já foi pago, e qual a aplicação dos recursos
que entraram no país. Três perguntas figurarão nas cédulas: 1) O governo
brasileiro deve manter o atual acordo com o FMI? 2) O Brasil deve continuar
pagando a dívida externa, sem realizar uma auditoria pública desta dívida,
como prevê a Constituição de 1988? 3) Os governos federal, estaduais e
municipais devem continuar usando grande parte do orçamento público para
pagar a dívida interna aos especuladores?

Somadas, as dívidas externa e interna estão, hoje, em quase US$ 500 bilhões.
Em 1999, o governo entregou aos credores internacionais US$ 66 bilhões de
dólares, sendo 15 em juros e 51 em amortizações. Os serviços das dívidas
interna e externa vão exigir do governo, neste ano, o desembolso de US$ 78
bilhões. Segundo o senador Suplicy, este montante poderia assegurar a cada
brasileiro uma renda mínima anual de quase R$ 500,00. As atuais reservas
brasileiras são inferiores a US$ 35 bilhões, o que obriga o governo a
endividar-se ainda mais para rolar a dívida.

O Brasil deve, hoje, ao credores internacionais US$ 231 bilhões. Entre 1991 e
1998, o governo privatizou 63 empresas e arrecadou US$ 85 bilhões. Contudo,
entre 1994 e 1998, o país entregou aos credores, entre amortização e juros,
cerca de US$ 126 bilhões. Convertidos em nossa moeda, são mais de R$ 230
bilhões de reais.

Se essa fortuna ficasse aqui, seria possível oferecer um bônus de R$ 1.474,00
para cada brasileiro; ou de R$ 45.677,00 para cada família brasileira que
possui renda mensal de até um salário mínimo; ou construir 15.556 milhões de
casas populares de 35 m2, ao custo unitário de R$ 15 mil; ou 6,565 escolas,
ao custo de R$ 13 mil cada uma; ou 948.000 postos de saúde, no valor de R$ 90
mil a unidade.

Se os credores não tivessem embolsado os nossos recursos, teria sido possível
assentar 5.833 mil famílias de agricultores, ao custo de R$ 40 mil cada uma.
Seria o fim dos sem-terra, a atividade econômica cresceria, os alimentos
ficariam baratos e a população das grandes cidades seria reduzida, bem como a
violência urbana e o número de famílias e crianças na rua.

No início de agosto, decreto presidencial cortou R$ 673,7 milhões dos
programas sociais para pagar precatórios de órgãos do Judiciário e do
Executivo. Isso equivale á metade da verba aprovada, uma semana antes, para o
programa IDH-14: um total de R$ 1,1 bilhão para projetos sociais, só neste
ano. O saneamento perdeu R$ 54,1 milhões; o ensino fundamental, R$ 34,4
milhões; os programas de renda mínima, R$ 80 milhões; o SUS, R$ 22,1 milhões;
os assentamentos rurais, R$ 3 milhões.

Nessa aldeia global em que os contrastes ficam cada vez mais evidentes, sob a
camisa-de-força neoliberal, globalizam-se a miséria e não o desenvolvimento;
a violação da soberania nacional e não o respeito aos diferentes povos; o
espírito de competitividade e não de solidariedade.

Os países pobres, submissos aos ditames do FMI, são obrigados a imobilizar
seus recursos financeiros, cortar do orçamento os gastos sociais e manter
reservas em dólares sob o pretexto de resistirem a aventuais crises e ataques
especulativos.

Cerca de US$ 730 bilhões de reservas dos bancos centrais do mundo estão
depositados nos EUA. Eis a lógica perversa da atual ordem econômica mundial:
os países pobres oferecem financiamento barato e a longo prazo á nação mais
rica e poderosa do planeta.

A dívida externa não pode ser paga "com o sangue do povo", alertava Tancredo
Neves. Ao propor o plebiscito, á véspera do Grito dos Excluídos, a CNBB leva
á prática o apelo do papa João Paulo II para que, neste ano jubilar, os
países ricos façam um gesto evangélico e cancelem a dívida dos países pobres.
Com certeza o G-7 não ficaria nem um pouco mais pobre, pois detêm em mãos US$
18 trilhões dos PIB mundial, calculado em US$ 25 trilhões.
https://www.alainet.org/pt/articulo/104843?language=es
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