América Latina: integração ou zona franca

25/07/2000
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O Mercosul é o único projeto de integração sem a participação das grandes
potências capitalistas - que articulam os três megamercados do hemisfério
norte. O início modesto se transformou, quando a crise mexicana de 1994
bloqueou a capacidade norte-americana de incorporar novos países ao Nafta
- como o Chile, que já havia sido eleito como o próximo candidato -, tanto pela
desistência deste, quanto pela retirada da "via rápida" pelo Congresso
norte-americano para o que o presidente Bill Clinton negociasse novos acordos
comerciais.

Com isso, o Mercosul ganhou tempo e espaço. Tempo para consolidar-se e
espaço para a adesão do Chile e da Bolívia, assim como para o início de
negociações com os países do Pacto Andino em crise. Na reunião da Alca, em
Santiago do Chile, em 1998, o Mercosul conseguiu negociar como bloco, assim
como definir que nenhum acordo do Alca entrará em vigor sem que todos eles
estejam concluídos e empurrar para 2005 a vigência desses acordos. Foi o
momento de maior força do Mercosul.

Desde então, a crise brasileira e a desvalorização do real introduziram uma
cunha entre os dois principais parceiros, colocando em questão o futuro da
integração propiciada até ali pelo Mercosul. A paridade cambial passou a
funcionar abertamente como um peso para a Argentina, aprofundando seus
déficits públicos, da balança comercial e da balança de pagamentos e
colocando a economia do país diante de um dilema: como sair da paridade, sem
perder a estabilidade?

Duas alternativas se colocam para esse dilema: dolarização ou moeda única
regional. O governo brasileiro afirma sua oposição âquela, mas não avança
nenhum passo na direção alternativa, sem se dar conta que a dolarização
liquidaria de vez o Mercosul e aplainaria o caminho definitivamente para a
Alca, que tem na reunião de abril do ano próximo, em Quebec, a decisiva
oportunidade para assinar os acordos que entrarão em vigor em 2005.

É nesse quadro que se dá a eleição do México que já era apresentado pelos
organismos financeiros internacionais - novamente - como o exemplo a ser
seguido. Depois de deixar de sê-lo, a partir da crise de 1994, o acoplamento
da franja norte do país ao boom da economia norte-americana serviu como
alavanca para um novo ciclo expansivo, que apresenta os melhores resultados
macroeconómicos do continente, embora acompanhado de deterioração dos
indicadores sociais. Porém, ainda mais agora, empacotado com a chancela da
terceira via - que já domina o continente, a partir da Argentina, do Chile,
do México e do Brasil, a julgar pelos convites dos seus próceres - o modelo
mexicano surgirá como aquele que teria superado a estagnação pelo acoplamento
com a economia dos EUA, aparecendo como a chancela que legitimaria as
vantagens de adesão a um processo de integração continental hegemonizado pela
maior economia do planeta.

Em que consiste o processo expansivo mexicano dos últimos anos? Quatro
características marcam as transformações operadas no México: a modificação
dos critérios para o uso dos seus recursos estratégicos (do petróleo, em
primeiro lugar); a reconversão da indústria â produção chamada de "maquila";
uma reorganização do mercado de trabalho e dos mecanismos de distribuição de
renda; e o redesenho económico do território mexicano.

Para recuperar-se da crise da dívida do começo dos anos 80, o México fez do
petróleo o novo motor da economia, favorecendo o encadeamento produtivo com o
exterior, em particular com os EUA, no lugar da consolidação do sistema
produtivo e do mercado interno. Paralelamente o petróleo foi sendo aberto ao
capital norte-americano, permitindo aos EUA garantir reservas próximas e mais
seguras do que as do Oriente Médio.

Valendo-se de uma diferença salarial que chega a sete vezes, as empresas
norte-americanas fizeram do norte do México uma espécie de gigantesca zona
franca, em que a mão-de-obra é explorada sem nenhum tipo de direito sindical
e com importação de mais de 90% dos insumos utilizados. Essa mesma
disparidade não diminui, mas aumenta ainda mais a emigração de mexicanos para
os EUA, provocando o maior fluxo migratório do mundo.

Ao fim da reforma agrária da revolução mexicana, com a autorização de venda
dos lotes doados aos camponeses, se acrescenta uma reorganização económica do
território mexicano, conforme os projetos geopolíticos dos EUA, que incluem,
além do controle do petróleo, o da biodiversidade, em que o México é
possuidor das mais ricas reservas do continente e a construção de um novo
canal ligando os dois oceanos, através do Istmo de Tehuatepec. Essa obra
representaria a delimitação de uma nova fronteira económica de desintegração
interna do México e de integração subordinada aos EUA.

Ao contrário do que a grande imprensa noticiou, o México já havia entrado uma
vez dividido nas eleições: em 1998, quando Cuahutemoc Cardenas ganhava do
candidato do PRI, o sistema caiu e, na sua volta, ganhou o hoje fugitivo da
Justiça Carlos Salinas de Gortari (que escreveu recentemente artigo com
Mangabeira Unger no Los Angeles Times. Todos os observadores atestaram que
Cardenas havia ganho, houve protestos, mas se tratava de uma superação do PRI
pela esquerda, âs vésperas da entrada em vigor do Nafta e então ficou por
isso mesmo.

Agora se trata de uma saída "confiável", pela direita, com um candidato que
já aceitou a privatização da empresa estatal petroleira mexicana, a Pemex.
Aí o coro internacional não se fez esperar, com a CNN anunciando que "o
México fez a grande revolução democrática do século XXI" e o próprio Fox
dizendo que vai governar com o setor "honesto" do PRI (uma variante dos
"ministros éticos" do governo Collor, se lembram?)

Fernando de la Rúa manteve a mesma política económica, sem Menem. Deu-se mal
e sua popularidade despencou rapidamente. Foz promete a mesma política
económica, sem o PRI. Será esse o projeto da terceira via para o Brasil? A
mesma política económica sem FHC?

O Brasil e a América Latina ficam, assim, entre a dolarização e uma moeda
única regional, isto é, entre um Mercosul ampliado e aprofundado ou a Alca.
No final de janeiro se anuncia a realização de um Fórum Social Mundial
alternativo â reunião dos magnatas da especulação mundial em Davos. Nos
primeiros dias de fevereiro se realizará na UERJ, no Rio de Janeiro, um
seminário para a formulação de um projeto alternativo de integração
latino-americana, que será lançado na perspectiva de se confrontar com os
acordos que serão discutidos em Quebec em abril de 2001 e que comprometerão o
futuro do Brasil e do continente numa ou noutra direção. Consolidação da
integração internacional subordinada (virando uma imensa zona franca) ou
lançamento de um projeto internacional alternativo, a partir de uma integração
latino-americana que aponte para uma ampla aliança com todo o hemisfério
sul - grande maioria da humanidade, excluída dos três megamercados que dominam o
mundo: essa a parada que temos pela frente.
https://www.alainet.org/pt/articulo/104826
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