Os candidatos à Presidência e as suas visões sobre a política externa brasileira

14/10/2014
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Nos anos FHC, a política externa brasileira foi marcada pela adesão acrítica à agenda internacional imposta pelas potências hegemônicas. Tal posição - que refletia a visão de mundo de um dos grupos existentes no Itamaraty, de orientação liberal, e do próprio executivo - foi construída a partir de uma leitura essencialmente econômica do sistema internacional, praticamente ignorando o viés político e estratégico.
 
Neste sentido, foram priorizadas as questões relativas ao comércio internacional, bem como houve a adoção dessa postura de alinhamento quase incondicional às diretrizes dos países centrais que, somada ao ajuste neoliberal posto em prática no plano doméstico, procurava transmitir uma imagem de “credibilidade” e “segurança institucional” que atraísse investimentos estrangeiros.
 
Um bom exemplo desta política foi a adesão do Brasil ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), em 1998, depois de quase três décadas denunciando-o como um mecanismo de congelamento de poder por parte das grandes potências. No plano simbólico, esse período de alinhamento e subalternidade do Brasil ficou marcado pela exigência das autoridades estadunidenses de que o chanceler brasileiro, Celso Lafer, tirasse os sapatos em aeroportos daquele país, em pelo menos três ocasiões no ano de 2002, no bojo da intensificação das medidas antiterror que se seguiu ao onze de setembro. Convém registrar que atitudes similares não foram exigidas de diplomatas de países considerados mais relevantes pelo Departamento de Estado dos EUA.
 
A ascensão de Lula à Presidência da República, em 2002, deu início a uma guinada nos rumos da política externa brasileira. Ela significou a retomada de uma perspectiva autonomista e nacionalista que começou a ser construída no final dos anos 1950 e que é fortemente enraizada em amplos setores da diplomacia brasileira, se coadunando também com as formulações sobre o tema feitas pela Secretaria de Relações Internacionais do PT, desde os anos 80.
 
Assim, questões como a cooperação sul-sul, a integração sul americana sob um viés político e estratégico, fortalecendo o Mercosul e a Unasul, e a aliança estratégica com outras potências emergentes - como os BRICS - para forçar mudanças na ordem internacional vigente tornaram-se os pontos centrais da agenda das relações exteriores brasileiras.
 
Além disto, a própria forma como o governo brasileiro passou a lidar com as potências centrais, de forma altiva, soberana e sem demonstrações de subalternidade, é uma demonstração inequívoca dessa mudança de rumos. Um bom exemplo desta mudança de atitude foi a resposta dada por Lula à chanceler alemã Angela Merkel, quando esta recomendou que o Brasil se distanciasse do Irã, por esse país “não respeitar os direitos humanos”.
 
De forma irônica e sagaz, denunciando de maneira sutil a hipocrisia e a indignação seletiva das grandes potências, o presidente brasileiro lembrou que os alemães não tinham qualificações ou autoridade moral para dar lições sobre direitos humanos ao Brasil, numa referência implícita ao passado recente daquele país.
 
Mesmo que de forma mais tímida, essas diretrizes foram mantidas no governo da presidenta Dilma Rousseff, com o Brasil buscando fortalecer a sua liderança regional na América do Sul, ao mesmo tempo em que procurava uma maior diversificação de parcerias em nível global e adotava uma postura mais autônoma em relação aos EUA e aos países centrais.
 
Na prática, isto se traduziu na realização de grandes investimentos por parte do BNDES em obras de infraestrutura nos vizinhos sul-americanos, na articulação do Banco dos BRICS, na forte reação ao escândalo de espionagem dos EUA sobre o governo e empresas brasileiras, na firme condenação do uso desproporcional da força por Israel em Gaza e na crítica às intervenções militares das grandes potências em regiões conflagradas, que muitas vezes causam mais danos às populações civis do que o próprio conflito.
 
Já a visão de política externa defendida pelo senador Aécio Neves vai na contramão de tudo o que foi feito nos últimos doze anos e representa a retomada, em uma nova conjuntura, das orientações liberais da década de 1990. Neste sentido, pode-se esperar, caso Aécio seja eleito, uma volta à agenda da época do presidente Fernando Henrique Cardoso - embora levando em consideração as especificidades e mudanças ocorridas no sistema internacional nos últimos anos - com a prioridade sendo dada às relações com os países centrais e com o entorno sul-americano, porém em uma perspectiva essencialmente econômica e comercial.
 
É sintomático que somente o Mercosul seja mencionado no programa de governo e  que  a Unasul e o Conselho de Defesa Sul Americano tenham sido deixados de lado. Além disto, as relações com a África e com a Ásia voltariam a ser norteadas pelo critério das “parcerias seletivas” e provavelmente dar-se-ia um freio na construção de blocos contra-hegemônicos como o BRICS. Deve-se esperar também a assinatura do protocolo adicional do TNP, a que o Brasil tem resistido por encará-lo como um mecanismo de cerceamento tecnológico e de violação da nossa soberania.
 
Apesar de sua imensa relevância, essa discussão tem estado praticamente ausente do debate eleitoral. E o problema é que tal ausência acaba contribuindo para que se tente impor à sociedade a narrativa construída pela grande imprensa – replicando e amplificando o discurso da oposição conservadora – que desqualifica a política externa de Lula e Dilma como “ideológica” e “partidária”, enquanto a política externa defendida pelo PSDB se coadunaria mais com as “tradições históricas da diplomacia brasileira”, escamoteando assim a disputa travada entre dois projetos políticos construídos a partir de visões de mundo distintas e antagônicas.
 
Desta forma, dentre outras inúmeras questões essenciais para o futuro do país, no dia 26 de outubro também estarão em disputa duas visões sobre qual deve ser o papel do Brasil no mundo. Assim, se de um lado, há a possibilidade do retorno à “diplomacia dos pés descalços”, do outro temos a opção de dar continuidade a uma política externa autônoma, altiva e soberana. Caberá aos eleitores indicar qual é o caminho a tomar.
 
Adriano de Freixo é professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF).
 
14/10/2014
 

 

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