BRICS, política externa e as eleições de outubro

10/09/2014
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Na quarta-feira à noite a Fundação Friedrich Ebert, ligada ao SPD, e a Embaixada Sul-Africana em Berlim organizaram um painel sobre o tema “Os BRICS na África: desafios e oportunidades”.

A mesa foi dirigida pela jornalista Julia Hahn, da Deutsche Welle (agência pública de notícias internacionais da Alemanha). Participaram:

- O Embaixador Anil Sokal, ex-representante da A. do Sul junto à União Europeia em Bruxelas (2006 – 2012) e atualmente responsável, dentro do Ministério de Relações Exteriores do seu país pelo dossiê conjunto sobre Brasil e Índia, além de outras funções.

- Dirk Lölke, do Ministério de Relações Exteriores da Alemanha, atual encarregado da Unidade de Parcerias Estratégicas, Países Emergentes e Governança Global.

- Hans Peter Shadek, da Divisão Pan-Africana, do Serviço de Política Externa da União Europeia, em Bruxelas.

- Dapo Oyewole, Assessor Especial do Ministro das Finanças da Nigéria.

- Elizabeth Donnelly, Diretora Assistente do Programa para a África do Think Tank Chatham House, com sede em Londres, um dos mais importantes e tradicionais Think Tanks da Europa.

O painel público sucedeu a um encontro a portas fechadas entre os painelistas e outras personalidades que servirá para informar as posições da Fundação e por tabela do SPD sobre o tema em pauta.

É muito difícil individualizar as posições de cada um, acrescidas ainda das intervenções do público e das respostas subsequentes. De um modo geral pode-se dizer que houve muita concordância e pouca discordância na discussão, tendo o Embaixador Anil Sokal sido o mais proeminente em caracterizar a originalidade e o que pode se chamar a “missão” (em termos organizacionais) dos BRICS.

Abaixo apresento alguns itens que sintetizam os principais pontos levantados na discussão:

1) OS BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) são uma reunião eventual de países neste fórum criado a partir da expressão cunhada pelo jornalista Jim O’Neill. Em 2006 houve a primeira reunião de ministros de Relações Exteriores dos quatro países fundadores, em Nova Iorque (a África do Sul entrou para o grupo em 2010). Em 2009 houve a primeira reunião de cúpula do grupo, em Ekaterimburgo, na Rússia.

2) O que estes países tinham inicialmente e ainda têm em comum é o reconhecimento da necessidade de uma atualização das instituições internacionais criadas a partir do fim das Segunda Guerra – ponto de vista amplamente compartilhado com a Alemanha.

3) Brasil, Índia e África do Sul são vistos internacionalmente (assim como a América Latina e a África por inteiro) sobretudo como exportadores de commodities, matérias primas cuja fixação dos preços se dá no mercado internacional. Entretanto, como ressaltaram todos os painelistas, estas sociedades são infinitamente mais complexas do que tal clichê, e nele elas não cabem mais. O clichê se propaga sobretudo através das mídias. Quanto à Africa, por exemplo, a mídia focaliza sobretudo fragilidades e os problemas relativos à emigração, legal ou clandestina. Ë verdade que existe mais informação organizada sobre estes temas do que sobre outros, sendo necessário tanto atualizá-las, como “ir além da mídia” para compreender tais sociedades e os BRICS como grupo.

4) A África – e os BRICS em conjunto – também têm como caracerística comum a emergência de uma classe média (pelo menos em termos de consumo), o que vem sendo e será um vetor de diversificação econômica e também da pauta das relações comerciais internacionais no futuro.

5) A partir de sua 5ª. Cúpula, realizada em Durban, na África do Sul, e da 6ª., em Fortaleza (em 2014) os BRICS se singularizaram na cena internacional pela criação de duas novas instituições: um Banco de Desenvolvimento com sede em Xangai, com um indiano como primeiro presidente, e um Fundo Mútuo de Emergência para resposta à crises financeiras como a de 2008.

6) Para a África a criação deste banco é vital em termos de investimentos em infra-estrutura e desenvolvimento sustentável – papel que poderá ter também em relação aos demais BRICS.

7) A União Europeia ainda hesita diante dos BRICS. Tem relações diversas com os países membros, mas ainda não sabe que outras instâncias poderão ser criadas. O representante do governo alemão enfatizou que para seu país os BRICS são um “enigma” a ser seguido com atenção.

8) O Embaixador Sokal sublinhou que os BRICS surgiram dentro de um contexto de fragmentação dos fóruns internacionais, com a emergência do primeiramente G-7, depois G-8, agora G-7 de novo com o isolamento da Rússia, o G-20, etc. Tudo isto levou a uma relativização do papel da ONU, que continua sendo, no entanto, o único forum internacional global legitimamente normativo, com suas diversas agências e instâncias. Os BRICS surgiram porque a multilateralidade das relações internacionais estava sendo comprometida devido à hegemonia dos países do Norte junto às instituições globais.

9) Entretanto, hesitações à parte, houve um reconhecimento geral de que, depois da criação do banco e do fundo, e das cúpulas de Durban e Fortaleza, “os BRICS vieram para ficar”, e são uma realidade internacional que é necessário levar em conta.

10) Estas instituições (banco e fundo) só terão sentido, no entan to, se fugirem do padrão das demais instituiçòes congêneres criadas a partir da conferência de Breton Woods, como o Banco Mundial, o FMI e outras. Isto também coloca questões relevantes como a de qual será a sua política de captação de fundos, qual suas condições para a concessão de empréstimos e de investimentos. Não haverá sentido nelas se suas condições forem iguais às do FMI, por exemplo, tampouco sua organização. Assim o bancxo e o fundo terão uma situação de complementaridade em relação àquelas instituições e, ao mesmo tempo, de competitividade com elas. Quanto à organização, o Embaixador Sokal declarou que haverá igualdade de contribuição e de poder de voto entre os países membros.

11) Outras questões foram enfatizadas na discussão com o público. As instituições financeiras poderão ser um instrumento valioso no combate à realidade das “fugas de capital” durante as crises e fora delas. Além disto, estas “fugas” – dramáticas, inclusive na Europa (vide Irlanda, Islândia e outros exemplos) a partir da crise de 2007/2008 – exige lideranças capacitadas em termos técnicos e de vontade política para combatê-las.

Neste ponto – lideranças capacitadas em termos técnicos e de vontade política – minha atenção voltou-se para um cenário paralelo ao da discussão em pauta: as próximas eleições brasileiras. Entre as diversas qualidades da política externa desenvolvida pelos governos Lula e Dilma, está o reconhecimento da complexidade do cenário internacional e da importância tanto da multilateralidade nas relações e da consolidação de uma perspectiva globalmente multipolar.

O investimento nas relaçòes Sul – Sul (como no caso dos BRICS) é vital para a defesa dos interesses internacionais e internos brasileiros, com desenvolvimento sustentável, investimento em energia e infra-estrutura, criação de fóruns internacionais democráticos e democratização dos existentes, como no caso da ONU, do Conselho de Segurança e demais. A perspectiva dos BRICS aumenta o poder de fogo destes países junto a órgãos como o FMI e o Banco Mundial. Investimentos como o Ciência sem Fronteiras – que deveria ser ampliado para outras áreas do conhecimento, sobretudo no caso das Humanidades – são alavancas poderosas no sentido da capacitaçào tecnológica – devendo se levar em conta que a principal “arma” tecnológica reside nos cérebros dos cidadãos. A política externa soberana, multilateral e de perspectiva multipolar significou, significa e significará uma atualização enorme da posição brasileira no mundo bem mais complexo do que o da Guerra Fria (ainda que haja esforços no Ocidente para reeditar o clima desta), bem como sua afirmação como liderança regional e dos países emergentes. Também fica evidente que, diante de um mundo em progressiva regionalização (diversos países da África estão discutindo já uma integraçào que poderá envolver até umam moeda comum; e a China lidera a proposta de criação de um banco asiático de desenvolvimento) o Brasil está inteiramente certo ao investir no fortalecimento do Mercosul.

Ao mesmo tempo, a discussão de ontem (quarta-feira, 10) foi mais um elemento a expor o anacronismo e a simploriedade das propostas no setor (política externa), além de noutros, das duas candidaturas de oposição. Fazer o elogio, por exemplo, da Aliança do Pacífico – subordinada aos Estados Unidos – não tem qualquer sentido para os interesses da soberania brasileira, nem do seu desenvovimento sustentável. Recuar nas relações Sul – Sul, ou desacelerar sua implementação, em nome de uma renovação da integração subalterna ao carro-chefe recessivo dos países do Ocidente, a cabresto da política norte-americana.

Last, but not least, ainda em termos do debate da quarta-feira, um dos presentes do público levantou a questão dos direitos humanos – como fica a questão, por exemplo, em relação à China para os demais membros? Novamente o Embaixador Sokal pontificou. Ressaltou que é importante dialogar e manter a perspectiva de defesa dos direitos humanos em relação à China, aos BRICS, no mundo inteiro. Mas, sublinhou ele, esta mesma questão não impede a União Europeia de aprofundar as relaçòes comerciais com aquele país. O mesmo se dá com os BRICS.

Dá para acrescentar: as exportações para a China têm sido fundamentais para manter a Alemanha na linha de flutuação diante do naufrágio europeu. Também não me consta que a situação das mulheres na Arábia Saudita tenha impedido a exportação de armas da indústria bélica alemã para aquele país.

 
Créditos da foto: Agência Brasil
 
11/09/2014
 

 

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