Debates na TV e pesquisas: mais democracia, por favor

04/09/2014
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Tenho assistido aos debates dos presidenciáveis na TV com certo espanto e muita contrariedade, apesar de já ter uma longa trajetória de militância política e nunca ter me iludido quanto ao papel das empresas de mídia tradicionais.
 
Talvez o acirramento dessa fase de campanha esteja dando maior relevância aos defeitos calculadamente elaborados desse tipo de programa televisivo, que já se manifestaram em pleitos anteriores.
 
O fato é que fica difícil aceitar que esse tipo de debate tenha ganhado tanto espaço e importância no processo eleitoral e na discussão política propriamente dita. De formato truncado, que exige respostas e perguntas mais pertinentes a uma candidatura de Usain Bolt, o recordista mundial e olímpico dos 100 metros rasos, esses debates pouco ou nada informam para quem não tem maior intimidade com temas complexos de interesse nacional.
 
Não à toa, ouvem-se muitos risos e gargalhadas entre aqueles que acompanham os debates e, ao final, redes sociais destacam como “vencedores” da peleja os candidatos mais caricatos ou quem demonstrou desdém ou ironia para com o próprio programa.
 
Ou, ainda pior, porque mais perigoso em sua faceta enganadora, é a vantagem que esse tipo de programa dá ao discurso ensaboado, escorregadio, da candidatura que não se compromete com nenhuma resposta direta, com o aprofundamento das propostas e muito menos com dizer o que já fez ou o que fará.
 
Como resultado mais palpável, o telespectador que foi em busca de discernimento corre o risco de apenas ter uma impressão difusa sobre qual candidato estava mais nervoso, mais seguro, mais sorridente ou aquele que foi mais rápido. Os debates reafirmam o engodo da eficácia competitiva como referência da boa ou da má política.
 
A composição da bancada de jornalistas e entrevistadores é outro obstáculo a um debate esclarecedor, que abarque de maneira mais profunda contradições e desafios e formas de superá-los. A emissora que hospeda o debate escolhe o time de entrevistadores, entre seus próprios funcionários, e o que se viu, nos debates feitos até agora, é uma única linha de pensamento e concepção de mundo traduzida em perguntas, quase sempre de viés conservador, por parte de profissionais que se pretendem donos da cena e mais importantes que os próprios presidenciáveis.
 
Coloquei-me por instantes na pele da presidenta Dilma durante um dos debates, quando o entrevistador, profissional com ampla folha de serviços prestados a um jornal colaborador da ditadura, dirigiu-lhe uma pergunta carregada de conteúdo opinativo, condenando de antemão a resposta que viria. Que sangue frio, paciência, disciplina e humildade deve ter buscado dentro de si a presidenta para, despojando-se temporariamente da autoridade conferida por milhões de votos recebidos e por uma história de vida no mínimo singular, responder àquela pergunta.
 
Emblemático o fato de a pergunta tocar justamente na democratização dos meios de comunicação. Dilma respondeu ser necessária a regulação econômica dessa indústria, a exemplo do que já ocorre com outros setores de atividade. Para os movimentos sociais, é uma proposta tímida, embora melhor do que fugir do tema.
 
Os meios de telecomunicação são concessões públicas. Assim como bens naturais, a exemplo do petróleo ou dos minérios, as ondas de teledifusão são propriedade do País, não das famílias donas das emissoras. Segundo já previsto em nossa Constituição, cabe ao Estado, através dos poderes constituídos, ceder por tempo limitado essas ondas para exploração por parte de grupos, privados ou não. E que isso seja feito respeitando-se o interesse público e social.
 
A Constituição aborda o tema. Porém, ainda não se regulamentou, não se detalhou, como essas concessões e seu uso devem se dar. É isso que reivindicamos. Que seja elaborada uma nova legislação para o setor, para dar sentido e efetividade ao que determina nossa lei maior.  Para garantir que a diversidade de opiniões, de manifestações culturais e de temas tenha espaço nos meios de comunicação. E para que os debates sobre a realidade nacional sejam feitos sem artificialismos nem privilégios a um só ponto de vista.
 
O atual governo, agora na condição de candidato à reeleição, deve refletir bastante sobre esse desafio que decidiu não enfrentar antes.
 
A concentração de poder no ramo da informação estende-se também à indústria das pesquisas de opinião e de intenção de voto. Texto de Marcos Coimbra publicado na revista CartaCapital desta semana informa que em outros países de maior tradição democrática, pesquisas de intenção de voto são divulgadas todos os dias durante as campanhas eleitorais, feitas por diferentes institutos – e não dois ou três, como aqui, a serviço dos grandes meios –, o que impede o clima de suspense e espetáculo produzido no Brasil às vésperas de cada nova pesquisa. Assim, de maneira mais respeitosa com o eleitorado, isso desfavorece igualmente a especulação financeira e a jogatina nas bolsas de valores lastreada na expectativa das pesquisas.
 
O tema é sério e fundamental para a consolidação de nossa democracia e amadurecimento do debate político. Para candidaturas que não concordem com isso nem se proponham a debater o assunto, mude de canal.
 
- Rosane Bertotti é secretária nacional de Comunicação da CUT
 
05/09/2014
 
https://www.alainet.org/pt/active/76849
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