Qual é mesmo a proposta da candidata Marina?

04/09/2014
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Passados os primeiros dias da entronização de Marina no PSB e de seu vice, Beto Albuquerque, é possível tecer algumas considerações sobre os movimentos da candidata e de seu partido de chocadeira, não por escolha, mas por contingência. Uma fotografia de algumas intenções da campanha é oportuna e esclarecedora.
 
Sua visão e proposta ambiental, que a levou a ser conhecida no País e mundo afora, veio até o grande público pelo trabalho pioneiro de Chico Mendes na floresta amazônica. Do Acre chegaram, até nós, as notícias do guerreiro amazônico que lutava a favor do meio ambiente diante das investidas de pecuaristas e madeireiras. Responsáveis pela devastação da floresta.
 
Marina deu os primeiros passos no entendimento do meio ambiente e suas relações com os povos da floresta e os fazendeiros pelas mãos de Chico Mendes. Pelo menos de berço a candidata teve formação de primeira qualidade.
 
Aprendeu ele, e a ela transmitiu, que o meio ambiente começa na gente, como seres vivos circundados pelos demais seres vivos do mundo vegetal, mineral e animal.
 
Até mesmo do mundo espiritual se as noções de sobrevivência, harmonia e solidariedade são incorporadas. Assim como for também incorporado o espírito majestoso da floresta amazônica, tão bem cantado e decantado pelo poeta Thiago de Mello.
 
Ou a lição ela desaprendeu ao longo dos anos vivendo nas grandes cidades, ou rendeu-se ela à noção urbana e acadêmica do meio ambiente, longe daquela gestada pela convivência com a floresta.
 
Em nota do atual presidente José Alves, em 27 de agosto, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Xapuri (Acre), fundado por Chico Mendes, discorda da candidata em pelo menos dois pontos.
 
Retira a inclusão, feita por ela, de Chico Mendes, como representante da elite nacional. Ao contrário da candidata, ela sim hoje parte dos entronizados, o presidente do sindicato de Xapuri trata Chico Mendes, morto por fazendeiros em 1988, como sindicalista, não como ambientalista.
 
Chico Mendes, como sindicalista, lutou pela união dos povos tradicionais (extrativistas, indígenas e ribeirinhos) contra a expansão das madeireiras e dos criadores de gado. A transformação dele em ambientalista, para o presidente do sindicato, foi levada ao País e ao exterior como forma de desqualificar e descaracterizar a classe trabalhadora do campo e fortalecer a noção capitalista ambiental.
 
Condena ainda a postura da ambientalista que se uniu ao capital, e a política ambiental por ela idealizada, quando ministra do Meio Ambiente. Considera a candidata dupla refém do modelo ambiental, que vê o meio ambiente como santuário, e das organizações não governamentais (ONGs) internacionais.
 
Aproveita a nota e estende a crítica, por fim, aos candidatos à Presidência por estarem pouco preocupados com a reforma agrária e os conflitos fundiários.
 
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, 23 lideranças camponesas foram assassinadas somente no ano de 2014. Para ele, os candidatos não deram também a devida importância ao genocídio dos povos indígenas, muitos deles vivendo em situação alarmante.
 
É lamentável, sim, que os candidatos até agora não tenham se manifestado clara e abertamente sobre a reforma agrária, os conflitos fundiários e a questão indígena. Mas, a situação da candidata ambientalista é pior por ter vindo ela exatamente da região e do meio, onde essas questões e os conflitos são mais gritantes.
 
A grande questão é: sindicalista passa pela luta de classes com o capital, já ambientalista não necessariamente. O presidente do sindicato de Xapuri quis marcar bem a delimitação de uma categoria da outra. Os trabalhadores da região, por ele representados, não apoiam a visão e a postura ambientalista da candidata.
 
Então, se Marina não mais expressa as ideias e ideais genuínos de Chico Mendes, conforme nota do presidente do sindicato de Xapuri, ela não só reformulou seu ideário ambiental, mas também se afastou das raízes sindicalistas originais. Onde está ela então?
 
Sua aproximação conhecida com ONGs internacionais, organizações econômicas privadas fortes, como o banco Itaú e Natura, grupos evangélicos, alguns deles financeiramente sólidos, e de representantes de partidos políticos do bloco de oposição, PSDB e PPS, em suma, com organizações e grupos do poder dominante, demonstra que a candidata está mais perto de representações da elite econômica, financeira, religiosa e política do que de sindicalistas, trabalhadores e indígenas.
 
A elite se vê e se põe como poder estruturado e mandante. Não sem o apoio do capital. Ao contrário, se valem dele. Os que estão de fora, trabalhadores, se veem como povo e, como não há outro jeito no sistema vigente, são forçados a se porem como integrantes da máquina administrativa e produtiva.
 
E qual a linha mestra da aproximação da candidata com a elite do poder? Não é muito clara e objetiva, embora tenha sido por ela revelado que ela crê num chamamento, numa proposta de conciliação. Uma espécie de ecumenismo programático pelo ar.
 
Sua ideia, por exemplo, de se valer de figuras do PSDB para tratar da situação econômica e financeira e de figuras do PT para tratar da situação social mostra que ela, se eleita, pretende atuar como uma pastora dos rebanhos de posições políticas radicalmente opostas. Ela está acima de qualquer pecado mundano.
 
A mescla de visão urbana e religiosa das questões e problemas da floresta, de aproximação com a elite do poder econômico e financeiro, de ecumenismo pastoral na administração da agenda administrativa e política, com uma postura pessoal de idealismo e autoritarismo, fazem da candidata uma incógnita ou uma gelatina.
 
Incógnita porque a combinação de várias pontas não garante um nó seguro. Ainda mais se as pontas são de consistências e diâmetros bem diversos. E mesmo que o nó seja garantido, como será a postura pastoral? Será que a candidata consegue resolver os conflitos todos, tudo, ao mesmo tempo, assim de repente, a cada momento em que for exigida sua decisão?
 
Gelatina porque o intricado de acordos e interesses pode ser tão complexo e conflitante, que ao menor sinal de vacilo, acaba desandando. Vira água e água escorre pelo ralo, assim como o monumental castelo de cartas imaginado e erigido pela idealista. Nada contra idealismo desde que com começo, meio e fim, não por ecumenismo nunca dantes navegado.
 
Outros exemplos sem sucesso passaram pela história política brasileira, de infeliz memória. Jânio Quadros com sua vassoura foi um deles e mais tarde Fernando Collor com sua bandeira de luta contra os marajás. Temos agora um messianismo ingênuo ou eleitoral.
 
Qual é mesmo a proposta da candidata? Salvo melhor juízo, uma rede furada sem peixes. Muitas contradições soltas pelo mar. Ainda mais porque o ecumenismo da candidata ainda não foi combinado com os grupos políticos oponentes. Até Garrincha dizia isto ao técnico Feola antes dos jogos: a estratégia da seleção brasileira já foi acertada com os adversários para dar certo? Muitas tempestades, águas turvas e remoinhos pela frente. Até tsunamis.
 
- José Carlos Peliano é economista (Phd/Campinas), trabalhou no IPEA, CNPq e Câmara dos Deputados. Atualmente, é pesquisador colaborador no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) – Unicamp.
 
05/09/2014
 
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