O Leblon e o Carnegie Hall
17/10/2004
- Opinión
Há um abismo que divide a realidade dos jovens brasileiros. De
um lado, estão aqueles que tiveram a sorte de serem abrigados
por um projeto social patrocinado pela iniciativa privada ou por
ONGs do mais diferentes matizes; do outro, estão os que vivem à
margem de qualquer assistência e aos poucos vão se integrando à
marginalidade ou às atividades mambembes nos semáforos das
grandes cidades.
As imagens que circularam no mundo há alguns dias com
adolescentes saqueando turistas nas praias do Rio são um retrato
da segunda situação. Abandonados à própria sorte, os meninos
deram uma lição aos estupefatos telespectadores sobre qual é o
subproduto mais evidente da exclusão. O Leblon, cartão postal da
paisagem carioca, foi tomado pela fúria de quem tem que lutar
com unhas e dentes para conseguir alguns trocados para manter a
vida em andamento. Os meninos saqueadores mostram que sabem dar
o troco. É como se dissessem: ³ok, estamos na miséria , não
temos futuro, ninguém olha por nós, mas estamos aqui e vamos à
luta².
E nem adianta colocar a polícia naquele trecho aprazível do
Rio. A força repressiva só conseguirá empurrar o problema para
alguns metros adiante. Tirem os meninos do Leblon, e eles
correrão para Ipanema, cerquem Ipanema e eles voltarão para os
morros, onde provavelmente irão se integrar às forças do
tráfico. Ou seja, o que eles precisam não é de polícia , é de
oportunidade.
Realidade bem diferente é a vivida cotidianamente pelos
adolescentes que hoje recebem a proteção de projetos de
responsabilidade social em todo o país. Amparados pelo
investimento de empresas e entidades do terceiro setor, muitos
deles estão conseguindo superar os horizontes da pobreza e já
podem traçar um novo roteiro para suas vidas.
Na mesma semana em que o episódio do Rio veio a público, um
grupo de jovens da periferia de São Paulo se apresentava no
Carnegie Hall ao lado do maestro Mauricio Alves e do pianista
Marcelo Bratke, num concerto que mereceu destaque até mesmo no
New York Times. Eles são produto de investimento social. Eles
são assistidos pelo ³Projeto Despertar², um programa de
responsabilidade social que vem se desenvolvendo há 10 anos, no
Jardim Miriam, um dos bolsões de pobreza encravado na capital
paulista.
Ali, centenas de pessoas passam todos os dias por cursos
profissionalizantes e realizam atividades extra-curriculares,
como a música. Nesse ambiente de acolhimento foi criado o grupo
de percussão ³Charanga² que, pelo talento de seus integrantes,
acabou realizando uma série de apresentações.
A história dos meninos do ³Despertar² felizmente não é a única.
Vem crescendo o número de empresas e empresários que investem
em projetos de responsabilidade social no Brasil nos últimos
anos. Já se instalou entre nós a percepção de que não podemos
ficar esperando que apenas o governo resolva os dramas que
envolvem o nosso dia-a-dia.
Mas este movimento tem que se expandir. Ele ainda não é
suficiente para enfrentarmos os desafios presentes. Como se
percebe, os meninos do Leblon ainda não foram contemplados. E
como eles, milhares de crianças tão talentosas quanto o Alex
Santos, o Flávio de Oliveira, o Marcos Silva e o Paulinho César,
do ³Charanga², aguardam uma oportunidade para abrir caminhos
produtivos na vida e escapar do destino da violência.
Se dermos a eles apoio, estrutura, educação formal e
complementar, instrução técnica, proteção e dignidade,
independentemente das políticas públicas existentes, as cenas do
Leblon se tornarão, com o passar do tempo, coisa do passado. Se
ficarmos de braços cruzados, aguardando uma solução do Estado,
ao contrário, elas se tornarão cada vez mais vivas e presentes
em nosso cotidiano.
O engajamento é imperioso no momento histórico brasileiro. Se
quisermos construir uma nação cidadã ao longo das próximas
décadas, se quisermos fazer o país superar seus desafios
históricos, temos que partir para ação e doar parte de nosso
tempo, de nosso talento e de nossos recursos para resgatar o
capital humano que vive na outra margem do rio.
Profissionais liberais, empresários, executivos, estudantes, o
conjunto da sociedade civil, pode fazer a diferença e precisa
pôr a mão na massa para mudar o destino de quem vive na
exclusão. Temos que apostar, mais do que nunca, na
responsabilidade social como instrumento de mudança da realidade
que nos cerca. Os meninos do Leblon, e todos aqueles que sonham
com uma oportunidade para mudar história de suas vidas,
agradecem a iniciativa.
* Milú Villela é Presidente do FAÇA PARTE Instituto Brasil
Voluntário
https://www.alainet.org/pt/active/6955?language=es
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