Mercenários com “impunidade”

01/12/2007
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INFORME DA Organização das Nações Unidas (ONU) qualifica como mercenárias a maioria das atividades das corporações militares privadas que atuam no Iraque e em outros conflitos armados. Essas empresas, que estão a serviço dos Estados Unidos e de outros países, cometem assassinatos, torturas e outros abusos, gozando de total impunidade.

O grupo de trabalho sobre a utilização de mercenários da ONU, presidido pelo espanhol José Luis Gómez del Prado, denuncia que, nos últimos dez anos, tem “aumentado enormemente o número de empresas militares e de segurança privados relacionadas com as situações de conflito no Afeganistão e no Iraque” e que a imunidade que alguns Estados dão a estas “pode converte-se numa impunidade de fato, pois, ao que parecem, esses soldados privados somente prestam contas à empresa para qual trabalham”.

O documento questiona o projeto de guerra dos Estados Unidos que só no Iraque deixou mais de 500 mil vítimas desde a invasão em março de 2003 para se apoderar das riquezas petrolíferas daquele país. Nos últimos meses, o tema dos mercenários voltou a ocupar a atenção mundial, pois, poucos dias depois que a ONU tomou conhecimento do documento sobre os mercenários, empregados da empresa Blackwater USA, uma das 236 contratadas pelos EUA para a invasão do Iraque, mataram, em 16 de setembro, 17 civis iraquianos.

Guardas ou mercenários

O governo Bush rechaçou o informe, negando que os membros das CPM são mercenários. “As acusações de que os guardas de segurança contratados, de qualquer nacionalidade, são mercenários é imprecisa e desvaloriza quem arrisca sua vida cada dia para proteger a gente e as instalações” governamentais, assinala uma declaração entregue em Genebra pela missão desse último país na ONU.

Washington prefere chamar de “guardas de segurança” as pessoas que cumprem tarefas nas suas bases, instalações militares e embaixadas. No entanto, a definição e sobretudo as evidências mostram que muitos deles, na realidade, são mercenários, se por tais entendermos a “tropa que por dinheiro serve na guerra a um poder estrangeiro”.

O perfil de muitos empregados dessas empresas militares privadas indica que se tratam de ex-militares que têm servido a ditaduras ou governos repressivos ou participado em atividades contra-insurgentes, cometendo violações de direitos humanos. No Iraque, operam ex-militares chilenos da época de Pinochet, os tristemente célebres kaibiles guatemaltecos, que se especializaram em mutilar as suas vítimas com machados, mercenários que estiveram a serviço do apartheid, entre outros.

A utilização de mercenários corresponde a atual fase do capitalismo neoliberal, na qual as elites mundiais levam a guerra a distintos pontos do planeta para exercer seu domínio geoestratégico. Nos conflitos na ex-Iuguslávia, na Colômbia, em Angola, Serra Leoa e, nos últimos anos, no Afeganistão e no Iraque, as potências mundiais têm empregado agentes armados privados dentro da chamada “guerra de baixa intensidade”. Os Estados Unidos, após a derrota no Vietnã, elaboraram essa doutrina que “prevê, no marco da condução psicológica da guerra, a formação de grupos paramilitares para a luta contra-insurgente”.

As companhias militares privadas têm sido acusadas de graves violações aos direitos humanos nos países onde operam. Desde que os EUA e seus aliados invadiram o Iraque, seus mercenários têm estado envolvidos em casos de torturas, abusos e assassinatos de civis.

A matança dos 17 iraquianos por parte dos empregados da Blackwater USA é só mais um caso. Essa mesma corporação, que se apresenta como uma empresa humanitária e tem seu centro de treinamento na Carolina do Norte, foi acusada de assassinar a balas, em 2006, a jornalista do canal de televisão Al Atyaf, Suha Shakir, quando ela ia para seu trabalho. Cinco dias antes, três guardas iraquianos foram assassinados no escritório da cadeia estatal iraquiana Media Network por franco atiradores da Blackwater, que dispararam do outro lado da rua. Segundo autoridades iraquianas, os guardas dessa empresa estariam envolvidos em outros seis episódios que deixaram um saldo de pelo menos 10 iraquianos mortos e 15 feridos, segundo o boletim eletrônico Democracy Now.

Empregados das empresas Caci e Titán, ambas contratadas pelo governo dos EUA, estão, direta e indiretamente, envolvidos em casos de tortura na prisão de Abu Ghraib.

Vantagens e impunidade

A utilização de mercenários nas guerras contemporâneas oferece algumas vantagens aos Estados agressores. Em primeiro lugar, as baixas nas filas mercenárias passam despercebidas, portanto, não provocam reações sociais ou custos políticos incômodos.

Em segundo lugar, o país agressor não se responsabiliza pelos atos das empresas de segurança privada contratadas e não tem que responder perante tribunais de justiça nacionais ou estrangeiros. Simplesmente atribuem “os excessos” a essas empresas e ponto. No entanto, tem que dizer que os EUA dão aos seus mercenários não só imunidade diplomática, mas impunidade. O pró-cônsul do governo de George W. Bush, Paul Bremer, impôs uma lei nesse sentido pouco antes de ir ao Iraque em junho de 2004. Com os últimos acontecimentos, o governo do Iraque anunciou que tiraria a imunidade dos empregados das empresas militares privadas, porém isso não tem sido obstáculo para que os responsáveis pela morte dos 17 iraquianos retornem aos Estados Unidos sem serem processados.

Existe um “espaço legal” para esses agentes armados privados, pois suas atuações “não estão dentro da Convenção de Genebra, já que, ainda que levem armas, não são combatentes legais pois não usam uniformes oficiais, nem respondem a uma hierarquia”, assinala a jornalista espanhola Ana Muñoz.

A contratação de mercenários, que foi utilizada durante vários séculos pelos EUA, foi criminalizada no final do século 20. Em 1989, a ONU aprovou a “Convenção Internacional contra o recrutamento, a utilização, o financiamento e o treinamento de mercenários”. Trinta Estados ratificaram essa convenção. Os Estados Unidos, claro, não. Portanto, não está obrigado a acatar as recomendações do grupo de trabalho sobre mercenários. Nada raro para uma potência que pisa em vários instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, não reconhece a Corte Penal Internacional e não acata inúmeras resoluções da ONU.
 

- Eduardo Tamayo G. é jornalista da Agência Latino-americana de Informação (Alai). Artigo publicado originalmente na Alai: www.alainet.org

 

Tradução: Brasil de Fato


http://www.brasildefato.com.br

 

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